O SEXTO SENTIDO

Chico Xavier era um homem diferente de todos os outros do lugar onde morava. Fora apelidado assim porque desenvolvera uma habilidade um tanto esotérica que consistia na capacidade de “adivinhar” ou sentir a presença de alguém. Funcionava assim: ele via uma pessoa que dava a impressão de que era alguém conhecido, mas não era exatamente aquela que imaginara. Logo depois via outra que também se assemelhava àquela que suspeitara no princípio, mas também não era. Um pouco mais de tempo e, enfim, ele acabava por ver a pessoa preanunciada. Era como se o Universo lhe mandasse sinais de que uma determinada pessoa cruzaria a sua vida. No começo ele não atentava muito pra isso, entendia que fosse mera coincidência, mas à medida em que percebia as recorrências, mais convicção tinha de que se tratava de um dom. Com o passar do tempo aquele dom aprimorou-se tanto que já conseguia prever a chegada de muitas pessoas com bastante antecedência . Fazia questão de esfregar na cara de todos os seus acertos. “Não te falei?”, dizia ele a cada vez que adivinhava a chegada de alguém. Daí o apelido que inicialmente dava um tom pejorativo, mas que depois ganhou status de marca registrada. Diariamente surgia uma previsão. Via alguém parecido com José, mas não era. Depois outra, mas também não era. Aí ele já sabia:” Vou ver o José.” e então era tiro e queda, o José aparecia do nada. Falando assim poderia até parecer coincidência, mas haviam pessoas que ele não via há mais de dez anos e do nada vinha aquele pressentimento certeiro. Haviam pessoas que estavam residindo em outro país e ele dizia: “Vou vê-lo hoje.” E assim acontecia. “Não. Não é possível.” diziam seus interlocutores, inteiramente rendidos aos acertamentos do convencido guru. Certa vez ele viu uma pessoa parecida com um pastor, amigo de longa data, o qual não via há muito anos. Prontamente ficou convicto de que o veria. E não podia ser diferente, ao olhar para a calçada da rua por onde transitava, veio a perceber a presença do velho amigo. Estava muito diferente, um tanto velho, um tanto magro, um tanto calvo, mas sem dúvidas era ele. Correu para abraçar-lhe e aproveitou para matar aquela saudade doida que causa uma dor gostosa. Conversaram sobre muitos assuntos e puseram-se a par das novidades vividas naquele período de ausência. Chico lhe falou do seu dom e de como antevera a chegada dele. O pastor pareceu demonstrar certa aversão àquela revelação. Já era de se esperar. Na linha de fé e de entendimento dele, aquela conversa beirava ao esoterismo ou quem sabe a um ocultismo disfarçado. “Você não deveria brincar com isso, meu filho.”, exortou o sábio doutrinador. “Isso pode acabar muito mal.”, vaticinou com o dedo em riste. Chico não levou a mal, compreendia bem a posição em que o amigo estava. Na sua condição de pastor, não poderia esperar posicionamento diferente. Enfim, se despediram e cada um seguiu o seu caminho. Tempos depois, Chico caminhava pela praça principal da cidade quando viu uma pessoa que lhe chamou a atenção de forma diferente. De tantas premonições, essa talvez tenha sido a que lhe causara mais espanto e inquietação, na medida em que não sabia como lhe dar com aquela situação nova. Viu uma pessoa muito parecida consigo. Riu. Como poderia encontrar-se consigo mesmo? Todavia, aquela situação repetiu-se não uma ou duas vezes, mas diversas vezes, em dias subsequentes. Algum mistério havia ali. Algum ensinamento, talvez. Aqueles dias que antecederam à revelação deixaram Chico angustiado. Estava convicto de que veria alguém, mas quem? Um irmão gêmeo? Um sósia? O que poderia ser? Com a cabeça tomada por aquelas inquietações, Chico não percebera que atravessava a rua de forma extremamente negligente. Inesperadamente foi atingido por um veículo que trafegava em alta velocidade, lançando-o a vários metros do local onde estava. Em meio a gritos de pânico e toques de buzinas, em meio à correrias desesperadas e prostrações involuntárias, estava Chico, observando o seu corpo estendido ali no chão. Foi a primeira vez que se vira daquela forma. Foi a última vez que pudera ver a sua imagem.

Vander Cruz
Enviado por Vander Cruz em 01/09/2024
Código do texto: T8142092
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