O ÚLTIMO CONDUTOR
Sandoval trabalhava como condutor de trens do metrô na cidade do Rio de Janeiro, mas algo lhe inspirava durante seu expediente: a imagem da grávida sentada mastigando biscoito. Esta imagem principalmente, entre algumas outras imagens dentro dos vagões (o advogado precisava chegar a audiência; o estudante atrasado para a prova final; outro adolescente fora do horário no primeiro dia de emprego; o executivo que desceu na Cinelândia e pegou um táxi ao aeroporto porque voos não esperam) faziam Sandoval sentir a importância do seu trabalho para a vida de todos os passageiros. Gostava mais quando o trem parava por causa de algum incidente. Os passageiros distraídos no início e depois impacientes, respiravam fundo, e somente ele, o condutor, sendo capaz de mudar tudo.
Somente Sandoval que, quando brecava a noventa metros de uma estação, procurava ser brusco para que a grávida esfarelasse o biscoito de leite contra o rosto e a barriga de oito meses rolasse sobre o passageiro da direita atrás do equilíbrio.
Sandoval dominava os incidentes e talvez dominasse os partos. Muitas grávidas saíram de sua composição direto à maternidade.
Naquela manhã, Sandoval aproveitou a queda de um homem nos trilhos da estação Maracanã e imaginou novamente, a agitação da parada do seu trem nos passageiros. Quanta ansiedade não deveria haver em cada vagão e Sandoval ali como o condutor responsável pelo destino de todos: a sorte da prostituta que voltava para casa; a sina da outra freira que deveria se internar em um convento. As duas irmanadas pela aflição de estarem presas junto com Sandoval; isto naquele horário, dentro dos vagões, significava o aperto de seis pessoas por metro quadrado. Sandoval sabia das coisas.
Sandoval analisou melhor e concluiu como ele era feliz sendo o responsável pela libertação dos aflitos e torturados: o epilético marcara uma ressonância magnética e já pressentia a falta de espaço no tubo funéreo; o aposentado todos os dias saía de casa experimentando livrar-se das reclamações da mulher... mas se voltasse muito tarde seriam novas reclamações em um casamento inconciliável e eterno. Quantas vidas... Algumas chegariam sentadas, outras em pé, outras espremidas contra a porta.
Sandoval repetiu, pelo áudio do trem, a justificativa aos passageiros:
- Estamos aguardando a liberação da central para prosseguirmos a viagem.
Sandoval sabia, poderiam demorar um pouco mais. Trinta segundos mais dentro de uma aflição que poderia durar mais trinta segundos. Qual o fim? Aquele ponto em que a destruição do trem estaria a um átimo de ocorrer em migalhas jamais vistas, embora menor do que o alívio dos passageiros quando percebiam a composição sendo acionada devagar, batendo ferros, começando a seguir o seu trajeto.
Para Sandoval nenhum salário compensava a satisfação de guiar este cavalo de Troia diariamente. Sim, um cavalo de Troia atrasado a soltar vários outros cavalos em cada estação.
Sandoval morreu dia 12 de outubro. Foi hospitalizado por causa de um Acidente Vascular Cerebral. Ele chegou a perceber: parecia chegar a uma estação muito estranha, havia uma plataforma enorme, homens martelavam trilhos luminosos e impediam o prosseguimento do seu trem, mas os homens bateram, bateram até somente a cabeça de Sandoval seguir caminho em um acionamento não autorizado pela central.
DO MEU LIVRO: "ÓBITOS EM COPACABANA"
* disponível no site "Clube de autores"