Amor de eclipse
Sentir frio era normal, o inverno já se aproximava, a cada noite ela se encontrava mais próxima e a temperatura se decaia junto. Sendo desfavorecidos, haviam que agradecer o pouco que tinham direito.
Cuidavam da pequena casinha de madeira como o seu bem mais precioso. Ela com toda sua idade e decadência, os remendos feitos não sendo o suficiente para bloquear os ventos fortes e frios que a ameaçavam a cair cada vez que era atingida com uma rajada pouco mais forte. Toda sua estrutura chacoalhava e tudo que podiam fazer era encolherem juntos e rezarem para a estrutura sobreviver e se manter erguida ao enfrentar desastres naturais. As portas e janelas faltavam partes e no chão de madeira perdia-se a conta dos números de rachaduras e buracos.
Apesar de precária, juntos mantinham tudo limpo, ao melhor que uma velha vassoura de folhas e algumas tiras de pano poderiam providenciar. Quanto a comida, não podiam depender do que recebiam, ao invés disso alguns panos e artesanatos conquistavam as poucas moedas que eram mantidas escondidas para se comprar os alimentos em uma feira ao longe, mantendo a identidade segredo.
Deitado na pequena e acabada cama, após um dia tão desgastante e terrível quanto qualquer outro, o ar estava tenso, medo e tensão reinavam, perturbando aqueles que ali moravam.
- O que aconteceu? - perguntou calmamente a mulher ao garotinho.
- Nada - murmurou o garoto, sua voz aparentando estar segurando um choro misturado à raiva, talvez pela situação, pela injustiça que sentia, ou por se culpar de ser o responsável por tudo.
Ouvindo o garotinho, a mulher levantou-se da poltrona em que estava há pouco a costurar algumas roupas, essas a serem finalizadas para o dia seguinte e com o dinheiro, poder comprar alimentos e mais uma coberta usada para terem uma chance melhor de sobreviverem ao inverno rigoroso.
- O que foi? Você sabe que pode me contar qualquer coisa- perguntou se sentando ao seu lado.
Com a fala pacifica dela o pequeno garoto se virou em sua direção e a surpreendeu com um abraço forte e desesperado. Ao sentir a caricia em sua cabeça não aguentou mais e desatou a chorar. Depois de reprimir sua tristeza por tantos anos, perdeu o controle e sentiu que não conseguiria parar de chorar enquanto não chorasse tudo, tudo que havia escondido bem profundo dentro do seu coração, mas, talvez naquele momento não quisesse esconder, ao invés, sentia que queria soltar essas emoções reprimidas. Não podia confiar ou depender de ninguém a não ser ela, ela permaneceu ao seu lado desde o início sabendo o futuro terrível e inevitável que enfrentariam.
Ficou chorando em seus braços por horas, as roupas na poltrona a muito tempo esquecidas.
- Desculpa mãe, é tudo minha culpa- foi a primeira e única frase que conseguiu falar após encerrar sua crise de choro, com a voz embargada e rouca.
- Mas, pelo que está se desculpando? - sua confusão aparente. Revelou preocupação pela afirmação dele.
- Por tudo- grita por cima de sua voz ainda alterada, ignorou sua garganta doendo como se estivesse se rasgando e continuou - se não fosse por mim nada disso teria acontecido com você. Todos nos odeiam! E olha envolta! Nossa situação não poderia estar pior e é tudo culpa minha! Tudo por que eu sou uma criança amaldiçoada! - lagrimas novas caiam de seus olhos, depois de tantas caírem achariam que não haveria como caírem mais. Talvez fosse verdade, essas sentindo mais áspera do que as outras, sua origem sendo diferente, originadas dá mais profunda de todas as feridas que possuía.
- Onde ouviu isso? - ela sobressaltou, em toda sua vida nunca havia de falar sem ser calma e composta, ela apresentou fúria em seu olhar, mas seu rosto e voz transmitia seriedade.
- Eu ouvi - diz baixo e já amuado, ela soube no mesmo instante que isso havia acontecido há muito tempo atrás, e conhecendo-o como ninguém, soube que ele remoeu essa informação um pouquinho a cada noite.
Ela o abraçou forte sentiu os olhos marejarem, algo que não acontecia desde o dia em que ele nasceu.
- Você não é amaldiçoado - começou tendo se recomposto, falava calma e suave, mas é interrompida.
- É claro que sou, eu ouvi! Quando eu nasci o sol foi comido. Um mal presságio. E eu sou o motivo de todo o mal que cairá - ela suspirou e desfez o abraço limpando as lagrimas delicadamente com a mão.
- Não dê ouvidos há nenhum deles, não passam de completos desinformados – ele se surpreendeu por presenciar mais uma emoção que nunca havia visto sua mãe fazer. Ela estava a transmitir um ar de aborrecimento devido à essa ignorância alheia.
- Eu não sou amaldiçoado? - perguntou receoso, mas ao mesmo tempo esperançoso.
Ela sorriu docemente.
- Deite. Vou lhe contar uma história.
O menino prontamente obedeceu, naquele momento nada mais importava, não o frio do inverno, não a casinha velha, não a cama pequena e o lençol fino, e, principalmente, não todos os sentimentos adversos e às opiniões de pessoa qualquer. Naquele momento a única coisa que importava era ela, seu olhar doce e o sorriso que repousava em seus lábios, um sorriso que não via a meses e sentia mais falta do que a comida nos dias que não tinham nada para se alimentarem a não ser água esquentada com alguns temperos velhos que ainda tinha sobrado, guardados como um tesouro no armário quebrado da cozinha.
Ela calmamente o ajudou a se aprontar e só começou a falar quando estava satisfeita que ele estava devidamente preparado para dormir.
- Eu viajei muito com minha família quando tinha a sua idade, e conheci muitas pessoas assim como aprendi muitas coisas, meu conhecimento se expandiu, diferente das pessoas daqui que tem medo do que desconhecem e não aceitam aprender, especialmente de estrangeiros.
Quando começou sentiu-se a se perder nas memorias do passado enquanto continuava a falar.
- Em uma dessas viagens descobri a real história por trás do que aconteceu quando você nasceu – ela solta um suspiro triste, um sorriso carregado de nostalgia.
- O sol e a lua se amam, e havia uma época em que eles eram inseparáveis, mas infelizmente a terra precisava do sol, então ele foi cruelmente separado da lua e deixado sozinho no alto do céu para iluminar todos.
- Com o sol lá no alto a lua aos poucos foi perdendo o vigor, sua vida se indo. Vendo sua amada morrendo o sol não pensou duas vezes e tirou sua vida, com o sol se pondo a lua foi ao topo do céu e sua força voltou, mas sabendo do sacrifício que o sol fez, ela chorou, suas lagrimas se tornando estrelas, ela suplicou que o sol fosse revivido. Seus prantos foram ouvidos e logo o sol nasceu e com sua subida ao céu a lua caiu.
- Os dois foram forçados a viver nesse ciclo com o sol morrendo todos os dias para a lua viver e com a lua implorando todas as noites para o sol reviver e ela deixar de existir em seu lugar.
- Vendo o sofrimento desses dois amantes, uma noite as estrelas suplicaram por piedade para o casal. E esse pedido foi atendido, em poucos momentos no ano a lua e sol poderiam se encontrar por um breve momento, nada mais que um toque.
- Esses encontros foram chamados de eclipse. E você - ela volta sua total atenção ao garotinho e olhando profundamente em seus olhos disse – nasceu em um desses raros encontros e por mim você não poderia ter nascido em momento melhor.
Ela se levanta e dá um beijo carinhoso em sua testa - e o que eu mais desejo é que você se apaixone por alguém que te ame tanto quanto a lua ama o sol. Meu filho, sol radiante.
Com a noite acabando diferente de qualquer outra, ele se aconchegou e logo fechou os olhos e dormiu, não sabendo ele que após a história muitas de suas dores, duvidas e medos aliviaram, a pressão começando a sumir. O clima outrora denso suavizou e ele inconscientemente sorriu enquanto dormia, algo que não fazia desde que as escondidas, escutou a conversa.
Vendo a expressão relaxada do filho e o sorriso em seu rosto ela voltou à velha poltrona em que estava trabalhando, determinada a terminar todo o trabalho e receber o dinheiro nem que ela tivesse que sacrificar sua noite de sono, ajeitando-se ela deu uma última olhada ao filho antes de pegar uma peça do amontoado e sorriu, não seria sua primeira noite em claro. Se confortaria assim como nas outras noites, e, pelo seu filho, imploraria junto às estrelas.
ATENÇÃO eu tenho uma conta no wattpad e no AO3 estarei postando as minhas historias (incluindo essa) em ambas.