A magia da amizade
[Continuação de "Uma rede para todos governar"]
- Uma rede social? - Noel Murden, diretor de informática da Universidade de Taumaturgia Harbwr Lleuog, ergueu os sobrolhos para os dois estudantes da graduação que o haviam ido procurar em sua sala no departamento de tecnologia da informação. - Isso não é uma tentativa de criar um banco de dados com um grimório e espalhar maldições para toda a universidade, eu suponho?
Rigard Moresson e Hugo Quarrel entreolharam-se, como se questionando se aquela ideia já lhes havia ocorrido alguma vez.
- Não, de modo algum - apressou-se a dizer Moresson. - A última coisa que gostaríamos de fazer seria espalhar maldições contra nossos estimados colegas e professores.
- Na verdade, queremos exatamente o oposto - assegurou Quarrel. - Criar um ambiente saudável, onde todos se sintam bem, e possam conhecer um pouco sobre os interesses dos demais.
- Um ambiente que incentive a cooperação - reforçou Moresson.
Murden os ouviu, em silêncio, mãos entrelaçadas sobre a mesa. Finalmente, fez um aceno com a cabeça.
- Está certo. Vocês poderão submeter o seu projeto ao departamento... mas saibam que o código será varrido de cima a baixo, antes que eu permita que seja instalado num dos nossos servidores. Temos que ter absoluta certeza de que não há nada nocivo oculto nele. Não posso correr riscos.
- Não temos nada a esconder, diretor - afirmou Moresson. - Não há nada em nosso projeto além de um código perfeitamente trivial.
- A magia está no que esse código faz - aventurou-se a dizer Quarrel, antes de receber um chute na canela por baixo da mesa.
- A magia da verdadeira amizade - corrigiu-o Moresson, com um sorriso absolutamente falso.
- "Magia da amizade"? - Murden ergueu novamente os sobrolhos. - Não coloquem isso na descrição do produto, ou provavelmente não vão vender uma só licença de uso.
- Mas não pretendemos vender - informou Quarrel. - O uso do Omnibook será 100% gratuito.
- Gratuito enquanto estiver rodando nas máquinas da universidade - alertou Murden. - Mas como acham que vão sustentar o negócio, quando tiverem que montar seu próprio cluster de servidores? Já começaram a procurar patrocinadores?
- Temos algumas ideias nesse sentido - mentiu Moresson. - Mas queremos testar a eficácia do sistema com o público-alvo, antes de tentarmos vender patrocínio.
O diretor levou a mão ao queixo.
- Me parece que vocês estão levando essa coisa de "magia da amizade" realmente a sério - ponderou. - Bom, eu vou autorizar que submetam o protótipo para implantação num dos nossos servidores... e reafirmo que se algo de errado for encontrado no código, vocês vão estar enrascados.
- Nosso código é limpinho - prometeu solenemente Quarrel.
- Assim espero - disse Murden, num tom que deixava transparecer uma ameaça implícita.
* * *
- É constrangedor ter que admitir, mas os garotos parecem ter tido uma ideia realmente boa - disse Noel Murden uma semana depois, quando se encontrou com Dugald Copas, o pró-reitor de graduação, na cafeteria da universidade. À frente de uma xícara de café, ele declarou:
- Nunca vi um programa de rede social conquistar tantos usuários entre os estudantes em tão pouco tempo.
- Sim, ouvi falar no tal Omnibook faz uns dias, - assentiu Copas, que tinha um copo de latte diante de si - e o mais incrível é que foi a reitora quem perguntou por ele.
- Eucharis já sabe do Omnibook? - Admirou-se Murden.
- Soube através da filha, Violet, que como deve saber, é nossa estudante de História da Magia.
Murden assentiu com a cabeça.
- Sei quem é. Mas o que Eucharis quer, afinal?
- Violet sugeriu para a mãe que o produto merecia o aval da própria universidade.
- Para lançamento externo? - Murden estreitou os olhos. - Mal começou a ser testado! Pode ter defeitos que não conseguimos ainda detectar, mesmo com o cuidado habitual que tivemos em passar o pente-fino no código...
- E você já usou o serviço? Tem opinião formada? - Questionou Copas.
Murden balançou negativamente a cabeça.
- Eu não sou o público-alvo desse tipo de programa - replicou. - A garotada é que parece realmente interessada por ele.
Copas envolveu o copo de latte com as mãos e sorriu:
- Murden, é bom você rever os seus conceitos. A própria reitora me disse que está pensando em abrir uma conta no tal Omnibook.