Até que nem a morte os separe
Não eram mais jovens como antes. No entanto, felizes, caminhavam com desenvoltura, levando-se em consideração que a longa faixa de areia da praia estava molhada.
Não estavam abraçados nem de mãos dadas; caminharem descalços, sentindo a areia úmida sob os pés, respirando o ar fresco da tarde, fazendo um e outro comentário a respeito do lugar. Andando separados sentiam mais a grandeza da liberdade.
Um olhar desatento diria que eram amigos. Pessoa mais experimentada perceberia de imediato que amizade existia sim, e não era pouca. Mas havia mais, muito mais, algo muito superior que a compreensão comum não alcança. Se o olhar fosse realmente agudo, constataria no casal o mistério do fascínio consciente, ligado à grande força oculta que move os homens.
Vingavam-se da face malvada de Zeus, que vendo sua criação perfeita, capaz de desafiar os deuses, dividira com a espada o Um, para enfraquecê-lo, tornando duas as criaturas. Conseguiu seu intento, mas parcialmente.
Mas eles não pensavam nisso. Nem mesmo sequer pensavam; sentiam. Sentiam a calma e a beleza do lugar, sentiam o infinito do céu e do horizonte, sentiam a união do céu e da terra. Sentiam a união de um com o outro.
Sentiam o quanto era difícil determinar o ponto onde um começava e o outro findava. Sentiam, afinal, que de nada adiantava o mais elementar princípio aritmético, pois dois era igual a Um, e Um era indeterminado. A relatividade evidente também não era objeto do que sentiam.
Iniciava o crepúsculo vespertino e já as primeiras estrelas mostravam seu brilho. Castor e Polux, os valentes irmãos gregos que a guerra separou, mas Júpiter, por compaixão, lançou-os ao espaço onde permanecem eternamente juntos na constelação de Gemini, meditavam de longe, muito longe, se algum dia aqueles dois não teriam o mesmo destino.