Uma rede para todos governar
- Quando o homem descobriu que podia ter o poder dos deuses, os deuses se tornaram obsoletos - filosofou Rigard Moresson, diante dos seus colegas da universidade de taumaturgia, Hugo Quarrel e Fayhare Kinrade. O grupo estava reunido no quarto do dormitório masculino, que Rigard dividia com Hugo. Fayhare, que cursava o terceiro ano de economia, era o convidado da dupla.
- Por outro lado, quando descobrimos o que tornava os deuses tão poderosos, nunca conseguimos nos tornar realmente como eles - redarguiu Fayhare. - E qualquer magia que usemos, tem que ser invocada às custas do nosso próprio poder, que é bem limitado...
Rigard e Hugo se entreolharam e deram uma risadinha.
- É aí que nós entramos - disse Hugo.
- O que tornava os velhos deuses tão poderosos, é que podiam drenar a energia daqueles que os cultuavam... os seus seguidores - exemplificou Rigard. - Através de mantras, de orações, de rituais... eles transferiam esse mana, essa energia, diretamente para o deus. Centenas, milhares de pessoas, contribuíam cada um com o seu pouquinho, e o deus podia usar esse repositório em seu próprio proveito, ou beneficiando os seus adeptos mais fiéis.
- Os sumos sacerdotes, acólitos e que tais - assentiu Fayhare. - Ainda os há, vocês sabem, mas com uma fração ínfima de poder, se compararmos com a época em que os deuses eram soberanos. Podem contar com, no máximo, algumas centenas de seguidores, e nem todos realmente focados em manter o ciclo de geração de energia mística em funcionamento. Mas Hugo disse que vocês tinham encontrado um modo de resolver esse problema...
- Precisamente - disse Hugo com um sorriso sardônico.
- Se encontraram a solução para o problema, porque não começam um culto e se tornam milionários? - Questionou Fayhare.
- Porque nós não queremos apenas nos tornar milionários... - replicou Hugo.
- Nós queremos a adoração que os velhos deuses tinham - admitiu com franqueza Rigard Moresson. - Para nós, para nosso uso pessoal... e de quem estiver conosco nesse empreendimento.
- Por isso me chamaram... alguém de economia - avaliou Fayhare, olhos semicerrados.
- Claro, entendemos muito pouco de finanças; vamos precisar de alguns conselhos sobre como levantar o capital para pôr nossa ideia em prática - disse Rigard.
- Eu não vou pedir detalhes do plano de vocês, até porque não temos nada formalizado... mas de quanto estamos falando, para começar? - Indagou Fayhare.
Hugo olhou para Rigard, e como este fizesse um aceno de cabeça, autorizando-o a falar, ele prosseguiu:
- Bem... vamos precisar montar um cluster de servidores. A ideia inicial é atender o público daqui mesmo, da universidade, e testar nossas ideias com centenas de usuários. Se funcionar, compramos mais servidores e expandimos.
Fayhare o encarou com expressão absorta.
- Nem imagino quanto custaria esse cluster, mas supondo que essas ideias realmente valham o que vocês acreditam, eu vou dar uma sugestão, grátis: que tal usar os servidores da própria universidade?
Nova troca de olhares entre Rigard e Hugo. O primeiro voltou-se para Fayhare.
- Você quer dizer... implantar o nosso sistema na própria rede da universidade?
Fayhare deu de ombros.
- É algo que pode ser apresentado como um projeto legítimo? Um trabalho de conclusão de curso, digamos?
Rigard olhou para o Hugo. Ambos começaram a rir.
- Esse cara é um gênio! - Exclamou Hugo.
- Eu sabia que deveria ter te chamado, Fayhare! - Disse Rigard, dando um murro na mão.
- Pelo visto, sim; se vocês conseguirem fazer com que pareça algo inofensivo, minimizam o risco de irem parar na cadeia - avaliou Fayhare. - Bom, acho que agora podem me dar uma ideia do que se trata...
- Uma rede social - revelou Hugo. - Para agregar todos os estudantes do campus.
- Não UMA rede... A rede - corrigiu-o Rigard. - Já tenho até um nome que resume bem as nossas pretensões.
E como Fayhare não parecesse particularmente curioso, ele completou, mãos espalmadas:
- O Omnibook!
Fayhare ouviu o nome sem mudar de expressão. Finalmente, mão no queixo, comentou:
- Corte esse "o". Apenas Omnibook.
- [Continua em "A magia da amizade"]