SINAIS PREMONITÓRIOS
1993
A revelação da catástrofe surgiu de súbito! A onda gigantesca, provocada por um deslocamento tectônico no fundo do oceano, varreria as cidades do litoral do Japão em questão de minutos. Katsuo Kurama, atônito, parou de correr pela orla da praia.
Desde criança, os sinais premonitórios teimavam em elevar-se acima das suas sensações naturais. Tais fenômenos estavam sempre relacionados às grandes tragédias. Não serviam para prevenir as adversidades prosaicas do cotidiano ou apontar, por exemplo, os números da loteria.
À exceção dos pais, ninguém sabia deste dom.
Os sinais premonitórios de Katsuo Kurama nunca falhavam!
Viu-se, então, diante de um impasse: poderia subir o morro em busca da segurança nas alturas, mas não teria como alertar os parentes e amigos, ou descer à praia deserta a fim de avisar a esposa pelo telefone público; neste caso, estaria condenado a ser tragado pelas águas.
Quando se está prestes a morrer, dizem os mais velhos, as pessoas costumam lembrar-se de cenas da infância. Katsuo, no entanto, não teve outro pensamento que não fosse o rosto angelical de sua esposa. Sorriu para si mesmo ao lembrar de tê-la visto pela primeira vez tentando comer uma “maçã do amor” sem lambuzar os lábios. Uma ternura imensa por aquela mulher apoderou-se dele naquele instante.
Lançou um olhar angustiado à praia deserta. Era um dia frio de inverno. Percebeu o telefone público perto da estrutura quadrada de alvenaria, ponto de observação dos salva-vidas. Voltou-se para o mar. Observou ao longe a lombada d’água que já começava a se avultar discretamente no horizonte. “Naomi, eu te amo”, disse em voz alta a ninguém em particular, a não ser a si mesmo para fazer fluir a coragem.
E correu!
Apoderou-se do aparelho abençoado. Não perdeu tempo. Conversou com ela em tom urgente. Revelou-lhe os sinais. Disse-lhe que a amava e pediu que subisse o morro para salvar-se. Em seguida, ligou ao pai. A ligação caiu na caixa postal. Sentiu-se triste por ele.
Olhou consternado na direção do vasto oceano, reparando o mar recuar. Pensou em correr de volta à estrada, mas seria inútil. Então, sentou-se, resignado, na areia e buscou sentir a leve brisa no rosto. Fechou os olhos. Quando a gigantesca onda devorou a praia de uma única bocada, a última imagem que Katsuo vislumbrou foi a mulher da sua vida com os lábios vermelhos enlambuzados comendo uma enorme maçã do amor!
Naomi, completamente nua e suada, olhou incrédula para o telefone da sala. Largou-o em cima da mesa e foi ao quarto.
— Quem era? – perguntou o amante.
— Era o Katsuo! – ela disse, puxando um maço de cigarro da cômoda ao lado da cama desarrumada.
— O que ele queria?
— Você não vai acreditar. Ligou todo nervoso dizendo que me ama. Depois, avisou-me que subisse o morro porque a cidade vai ser devastada por um tsunami daqui a menos de 5 minutos. Tudo por causa de uma premonição lá dele, uma bobagem.
O companheiro de cama, de repente, ficou nervoso. Começou a gaguejar consigo mesmo. Os olhos se esbugalharam de medo. Começou a se vestir depressa.
Homem cagão não presta, pensou ela.
— Vista-se com qualquer coisa. Vamos dar o fora daqui. Anda logo, mulher! – disse irritado.
— Ah... Não me diga que você acredita nesta besteira de “premonição”. Não vou a lugar algum! Eu vou é tomar um banho gostoso e depois fumar este cigarrinho.
O amante não quis saber de fumar e correu para fora do quarto aos tropeções tentando vestir as calças. Foi direto à porta dos fundos que dava acesso ao quintal. Abriu-a com violência, mas, antes de correr na direção do morro, berrou com ela indignado:
— Fique sabendo que os sinais premonitórios do meu filho nunca falharam, sua vagabunda!
Moral da história: Nem todo filho e marido tem o pai e a esposa que merece.