"PATA DE VACA"

"PATA DE VACA"

Definitivamente, aquele não era um domingo comum, nem para os pais -- olhos inchados, ar sono lento -- e muito menos para as suas crianças. As expectativas dos genitores eram as melhores possíveis, porém a garotada sentia o peso da responsabilidade nas pequenas costas. O ginásio estava quase lotado, as crianças num cercadinho de grades de ferro, parecendo galos, leitões ou vacas... olhos arregalados, bocas apertadas, corações a mil, garganta seca e o constrangimento natural por ter tantos olhos a mirá-los.

-- "Vivinho, Vivinho, olha titia aqui" !, berra uma jovem com óculos enorme na cara, "pendurada" nas grades.

O garoto Flávio, sentado com os demais no "cercadinho" -- não, este não é de Brasília -- dá um sorriso "canarinho" e acena sem graça, com jeito de quem pensa: "o que esta doida acha que está fazendo" ?!

Um dos demais meninos, o mais velho e maior numa roda de 10 ou 12 crianças, olha seu futuro adversário com desdém e comenta:

-- "Huumm... "Vivivnho" é ?! Vais ficar VIVO por muito pouco tempo, vou acabar contigo no primeiro "round" !

A menina, toda de branco entre uniformes azuis ou pretos, vinha na sequência. Inclinou-se para a frente, olhou o pirralho convencido e retrucou, decidida:

-- "Vai nada, idiota... liga não, Flavinho, ele só quer te assustar" !

-- "Qual é, "ovelhinha"... vou arrancar teu "pelo" a dentadas. Não sabe que abadá de Jiu Jitsu é azul, não ?!

-- "Faço Judô também, panaca... e papai não achou nem preto no meu tamanho. Meu abadá de treino estava muito puído" !

-- "Vou acabar com a sua raça, "piolho" mirim... é bom sair da minha frente" !

-- "Papai é professor de Judô, imbecil, treino todos os dias e você só treina duas vezes por semana" !

O grandinho emudeceu, aquilo parecia bem lógico... e a menina mostrou que vinha para levar a taça do "II Torneio de Jiu-Jitsu". Venceu com facilidade seu oponente, o que também sucedeu com o super-nutrido. Porém o vencedor de uma das duplas desistiu, lesionara o ombro numa queda. Pronto, estava feito o impasse, 5 crianças para somente duas vagas na esperada Final.

Reunião com os pais, todos recusando o sorteio, cada um querendo seu pimpolho como "standby", aguardando feliz e descansado os 3 embates que definiriam o outro finalista. A outra garota do torneio, um pouco maior, ficara "pelo caminho"... representando as mulheres somente aquele "tiquinho de gente", "ovelhinha de tranças" já amealhando a simpatia de boa parte da platéia, a maioria de mães e tias da meninada assustada. Não teve jeito, o Regulamento exigia sorteio e quiz o Destino que a "carneirinha" fosse premiada. Assistiu de camarote o "troglodita" mirim "fazer gato e sapato" justamente do "Vivinho" e, adiante, do vencedor da outra luta, tudo baseado no seu tamanho. A Final ia ser um combate difícil, a menina tinha 1 palmo a menos.

-- 'Vou arrancar suas tranças, cabritinha" !, cochichou ele, enquanto se inclinavam num cumprimento tradicional.

Dito e feito... arrastou a garota pra lá e pra cá com facilidade e, pela gola do quimono, virou-a de costas, ele dando quase um "mata-leão" em pé. Estava perdida... lembrou a tempo de lição de defesa pessoal, lhe dada pelo pai. Subiu o delicado pezinho rente a panturrilha esquerda do "mamute" e desceu com força seu calcanhar sobre os dedos do pé do "Golias". Este deu um berro -- ouvido pelo Ginásio inteiro, que nem percebeu o golpe da menina -- e ficou por instantes num pé só. Era justamente o que ela esperava... juntou as duas mãos atrás do pescoço do oponente e se inclinou para a frente.

A "montanha" veio abaixo... sentindo que o "quase balão" da garota o faria meter a cara no tatame ele "afrouxou a gravata" que dera nela e estendeu os braços em direção ao solo. Era só o que ela queria... em meio à queda de ambos, a menina atirou-se sobre o tronco dele, "sentou" segurando 1 braço e encaixou suas perninhas "como uma tesoura", o braço dele no centro delas.

Era pouco... torceu-o para trás, quase a quebrá-lo, espalmou sua mãozinha na dele e torceu para baixo também esta. (*1) No silêncio absoluto do Ginásio estarrecido ouviram a vozinha histérica dela "implorando":

-- "BATE LOGO, garoto... você é doido" ?!

-- "NÃO BAT...aaaahh" !

"Bateu" o juiz -- preocupado com a iminente tragédia -- cruzando os braços em XIS, a platéia ovacionando a "ovelhinha". O pai do garoto o "fuzilou" com um olhar de... "aquela tua BIKE nova "já era", pateta" ! O sucesso da menina foi tanto que o próximo evento levará seu nome: "III Copa MARIA DA PENHA JIGORO KANO de Jiu-Jitsu". O menino ainda chora o troféu perdido... perder para uma "mulher" é castigo eterno. Virou chacota na escola: quando o veem gritam "AAAHH" !

"NATO" AZEVEDO (em 19/maio de 2024, 8hs)

OBS: (*1) - trata-se do famoso golpe "PATA DE VACA", que tem duas "versões" e é muito doloroso, insuportável mesmo. ***

Agradeço a informação técnica me enviada pelo Mestre (de Capoeira e) de Jiu-Jitsu, JOEL "BOMBEIRO", de Castanhal/PA, onde atua com belo trabalho social utilizando esporte e Artes Marciais.

Conto baseado na reportagem "2ª COPA DE JIU-JITSU KIDS", com sugestiva foto da garotada. (in OLIBERAL/Ananindeua, 13/03/2024, pag. 30)