A ilha do vento sem vento.
A ilha do vento sem vento.
No meio do Pacifico se desencadeou um potente ciclone, este subiu e subiu, passou as ilhas Marshall destruindo quase tudo na sua passagem, as nuvens falavam entre si, este mundo de que conta a estória é um mundo estranho, os elementos se relacionam e comunicam, afinal é o mundo da fantasia. - Vamos mais rápido, dizia o cúmulo mais alto da espiral de nuvens que se descolava a quase 200 km por hora.
-Não não, vamos fazer um furacão, temos mais aventura, responderam os cirros que viajavam á boleia daquela massa de nuvens que naquela frente vinda de sul destruía arvores, telhados, levantava carros á sua passagem, enfim, era o caos total.
Os passarinhos que povoavam a ilha Hanga Roa, foram aspirados por aqueles ventos que aspiravam tudo que era pequeno nas suas expirais que iam a mais de 10 km de altura.
Os coitados dos pássaros bem tentavam descer quando viram umas ilhas lá em baixo, eram as ilhas Kailua e Honolulu, no Havai, mas de nada lhes servia.
-Temos que pedir socorro, gritavam uns para os outros quando os ventos deixavam de os fustigar.
-Mas a quem? Se questionavam, este vento é doido, só pensa em destruir. E lá foram á deriva sem saber onde iriam parar. Ao se aproximarem de outra ilha, as Marshall, se organizaram e se puxaram numa fila entre eles, conseguiram descer o suficiente para não serem sugados para parte de cima dos cúmulos.
Mas nisto ouviram o seu acordo de se transformarem em um furacão, - Nada a fazer estas doidas só pensam em competir entre elas, não veem o que destroem a sua passagem. Gritavam uns para os outros. E agora se juntam a eles um bando de gaivotas que embora estejam habituadas a ventos ciclónicos não conseguiram se refugiar a tempo e lá foram elas na mesma corrente ascendente de ventos.
Umas nuvenzitas que andavam lá em baixo resmungaram com aquele furacão.
-Olhem lá, porque não se metem com alguém á vossa altura? os cúmulos em fúria quase nem deram por elas, tal não era o ribombar da fricção que as mesmas faziam a subir e a descer.
-Então não querem lá ver, estas franganotas a nos desafiar. Então os cirros deram a sua opinião para o diferendo, -Vamos fazer um braço de ferro, vocês nuvenzitas contra nós um furacão.
Aceite, assentiram as nuvenzitas. E empurra pra cá e empurra para lá, pelo meio se formou uma estrondosa trovoada, e quem ganhou foram as gentes da zona costeira da Columbia Britânica no Canadá, que sabendo da aproximação daquele furacão já se preparavam para destruição inerente á passagem de um furacão, de certa maneira já estavam habituados. A rixa dos vendavais acabou por estacionar a meio do Pacifico e de tanto soprar e empurrar foram diminuindo o seu poder destruidor.
Os coitados da passarada que no meio daquela contenda foram obrigados a atravessar metade do Pacifico ficaram exaustos e procuravam incessantemente por um lugar de pouso. Um deles, um Calau de Malabar com o medo do vento se agarrara a um galho de um pinheiro, mas nem isso o salvou, quando foi sugado p´la ventania levou consigo o galho seco, nuca mais o tendo largado.
Ao fim de umas horas as nuvens lá se entenderam e se transformaram em tempestade tropical, os coitados dos pássaros é que estavam nas últimas, e no final, exaustos avistaram uma ilhota lá em baixo, mais não era que Kaiuchali Island, uma ilhota deserta em frente a Woodhoude Island uma península a oeste da costa ocidental do Canadá.
O bando de pássaros encharcados e com as penas degradadas de tanto vento, pousaram nos arbustos rasteirinhos junto á praia.
-Vamos nos banquetear com as sementes dos arbustos, diziam os tentilhões, - nada, vou é procurar uns ratitos ou peixinhos costeiros, comentou pequeno Falcão Maltês. E nisto subiu para picar em busca de uma presa.
-Mas estão doidos ou quê? gritaram duas toupeiras da areia, - Donde saiu esta passarada, estávamos tão bem no nosso paraíso. E aparece agora um bando de passarada para invadir a nossa vidinha calma. Os bichinhos da ilha do vento assim lhe chamavam os pescadores locais, eram os únicos que a habitavam, era uma terra de ninguém deserta e só ocupada por arbustos bem rasteiros pela erosão do mar e do vento que a assola constantemente, o que cria uma utopia de identificação, todos lhe chamam ilha do vento em vez de ilha deserta.
-Ólha lá ó murcón, atão tu bibes cum pau nas patas? questionou uma das focas que nada fazia senão passar o dia ao sol, ao pobre do Falcão Maltês que ainda andava com o galho do pinheirinho, de tanto medo que teve por ter sido levado na barafunda que se desencadeou com a tempestade lá para baixo no Pacifico sul.
Os coitados dos pássaros do Sul lá começaram a magicar como poderiam retornar ao seu habitat, na ilha Hanga Roa, decidiram ficar por ali uns tempos a recuperar forças e esperarem que o frio do inverno no hemisfério norte.
Entretanto naquela noite apareceram na areia da praia umas centenas de tartarugas para o ciclo da desova, quando viram tantos pássaros estranhos que habitualmente não estariam ali, afinal por esse e outros motivos as tartarugas ancestrais decidiram utilizar aquela praia para se reproduzirem, e agora elas viram uma tragédia para as suas crias dali a 45 ou 60 dias, dependendo da temperatura ambiente.
O falcãozinho lá deixou o pau, abandonou-o no meio dos arbustos ali perto da areia, e meteu conversa com as tartarugas. -Então como é que vocês se orientam para cada ano vir desovar na mesma praia?
- Temos um sexto sentido que nos guia. As tartarugas se guiam pelas linhas do campo magnético da Terra, em relação á linha do Equador, na verdade elas conseguem detetar a intensidade do campo em cada ponto da superfície do planeta, e também o ângulo que as linhas do campo formam com o chão. Assim, cada localização do oceano tem uma identidade que elas memorizam logo na primeira vez por onde passam...
- Mas agora nós estamos muito preocupadas, argumentou uma das tartarugas, é que com tantos pássaros, vocês, que decidiram invadir nosso santuário, tememos por nossos filhotes que certamente não conseguirão chegar á água quando nascerem.
- É mesmo murcón, retorquiu a foca bocejando de tanta boa vida levava, isto não será mais o mesmo. Os bandos de pássaros convocaram um plenário e decidiram que ali se vive bem demais, não falta comida o tempo é até agradável tirando por vezes o vento que não cansa de fustigar a ilha, mas como todos têm saudade de sua ilha, lá no Sul, decidem retornar para lá no fim do inverno com a condição de retornar no fim do verão, com a condição de estarem lá quando nascessem as tartaruguinhas para elas os protegerem dos outros predadores. No ano seguinte lá vieram o bando de pássaros assim como se repetiu cada ano de aí em diante.
Foi então que reparam no pinheiro solitário que já tinha um grande porte. Só e isolado via-se cada dia a ficar mais alto.
-Digam-me lá, questionou ele os arbustos rasteirinhos, como vim eu aqui parar? Não vejo mais da minha raça, e lá continuou a conversa entre eles.
Até que a dorminhoca da foca se meteu na conversa, - Atão num foi o Falcunsinho que troxe nas suas patas um pauzinho que tinha a tua sumente.
E assim concluíram que o pinheirinho afinal veio do Sul nas patas do Falcão Maltês, todos estavam felizes menos o pinheiro solitário que por estar só e com a força dos ventos começava a ficar bem torto e isso o estava a preocupar imenso.
-Vou ficar marreco e morrer só, triste meu destino, se lamuriou ele para a bicharada que se estavam a acostumar com a sua sombra.
Aí o pica pau confortou, -Não chores tuas lágrimas já descem pelo teu corpo abaixo, referindo-se o pica-pau á resina que ia lacrimejando perante a curvatura anormal do tronco do pinheirinho, -P´ró próximo ano tuas pinhas irão ter os teus descendentes, e eu me comprometo a os espalhar por toda a ilha.
As nuvenzitas que por ali iam passando apercebendo-se do drama do pinheirinho decidiram falar com o vento.
- Olha lá tens que falar com os teus amiguinhos pois estão a fazer muito mal ao pinheirinho, como vocês andam sempre a fazer malandrices vejam se desta vez fazem alguma coisa de jeito e ajudam o pinheirinho, esses malandros dos vendavais são mesmo uns irrequietos.
E lá se combinaram voltar de vento do Sul, sopraram umas rajadas valentes que quase soltaram o pinheirinho de suas raízes. Foi de tal forma que seu tronco ficou direito, aí vieram a correr as marmotas e rapidamente escavaram e reforçaram as suas raízes, por sua vez os Tecelões, fartaram-se voar em torno do pinheirinho a fim de criar umas tiras de fios a fim de o escorar.
No final do dia, - Pronto, pronto, pronto, gritou a Coruja das Neves, - Para lá ventinho dá agora uma calmaria a fim de descansarmos um pouco.
Com aquele vendaval as pinhas, já abertas e crestadas do sol, deixaram seus pinhões voadores se soltar, os pica paus. Como combinado abriram as restantes pinhas e todas as sementes se espalharam por toda a ilha.
No próximo ano quando chegaram os bandos de pássaros vindos de sul, como todos os anos, ficaram abismados a sua ilha estava repleta de pinheiros, de tal forma que se combinaram no ano seguinte convidar mais uns bandos de seus amigos a fim de nidificar na Ilha do Vento.
Os anos foram passando a Ilha não é mais deserta, tem agora uma luxuriante variedade de vegetação trazida em certa medida pelos ventos dominantes que gostaram tanto deste lugar que é sua estância de ferias duas vezes por ano, e cada ano que regressam trazem consigo outras variedades de sementes. Passaram vinte anos e tem agora uma população permanente de animais.
-Temos que nos organizar meus amigos, argumentou rato da pradaria, com tanto espaço cada um deve cuidar de seu quintal ou espaço de caça, - Eu tenho as minhas raízes e cuido delas, não sejam preguiçosos e façam o mesmo.
Toda a bicharada da Ilha se organizou e elegeram um comité de controle de atividades e de equipes de manutenção dos habitats. Passados uns anitos os pescadores da zona passaram por acaso pela Ilha do Vento e não a reconheceram, tal não era a diferença, chegados a terra a Ilha do Vento passou a ser notícia de tal forma que as cadeias de informação decidiram enviar repórteres para noticiar a mudança.
-Você viu os gansos patudos mamã? Eles falaram comigo.
-Ó menino tenha juízo então os animais agora falam, seja coerente, deixe de criar sua imaginação.
E os gansos lá ficaram numa algazarra a dialogar com a pequenada que iam agora com frequência visitar a Ilha do Vento, agora sem vento, pois as rajadas não gostaram muito da ideia de a Ilha ser tão conhecida, decidiram, o vento e o ciclone, para ver se afugentavam aqueles turistas que frequentemente apareciam na Ilha e a estavam a devassar e vandalizar, de quando em vez se formaram numa frente ciclónica e lá fustigavam a pequena ilha na tentativa de novamente os nativos da bicharada desfrutarem das suas origens na sua essência sem intrusos ou visitantes.
Então a Ilha do Vento agora ficou conhecida pelos seus ventos sazonais, -Viu como resulta? comentou a nuvem preta para suas amigas, - Do jeito que fazemos é bom para todos, durante meio ano a criançada e famílias vem para aqui acampar, lanchar e brincar, a outra metade é p´ra bicharada.
- O pessoal já vazou, grasnou o coiote da planície para os seus amigos. - Agora com o vento a fustigar a Ilha ninguém tem coragem de vir para cá.
-Ainda bem assim podemos brincar às escondidas, comentou a lebre de perna longa.
-É melhor brincar á apanhada, disse a raposa em tom sarcástico com o intuito de assim conseguir comer algum desprevenido, afinal seu instinto ainda fala mais alto.
E assim em tom de brincadeira e com vento a fustigar seus rostos lá começou a confraternização da bicharada, nos seis meses livres da criançada.
-Aquela Ilha é muito estranha, na Primavera e verão é uma calmaria danada, faz calor até mais não, chega a Setembro e de um dia para o outro ninguém lá consegue parar com tanto vento, e é exatamente durante os seguintes seis meses. Comentou para seus amigos pescadores o dono de um baleeiro que agora se tornou em um museu das artes da pesca.
O ti Manel conhece aquelas bandas desde que nasceu, seus pais já eram pescadores assim com seus avós, não se lembra de tal coisa, parece uma Ilha encantada, precisamente no último dia do verão começam os ventos ciclónicos que não permitem qualquer visita á Ilha.
-Vocês querem lá saber, o ano passado vinha de uma pescaria com meu barquinho a bordejar, o mar estava de tal encrespado que decidi aportar na Ilha do Vento. Subi a escarpa e não é que me deparo com os animais numa correria do toque e foge, e o mais estranho é que falavam uns com os outros, e até as nuvens davam a sua opinião na brincadeira. Seus amigos pensaram que o ti Manel tinha entrado nos copos, - Até os pinheiros dançavam ao ritmo do vendaval.
Não acreditando se meteram todos no baleeiro, que era o mais encorpado para aguentar a ondulação encrespada, e rumaram direito a Ilha do Vento, para averiguar a veracidade da história do ti Manel.
Chegaram de fininho tal não era o medo perante a narrativa do pescador. E não foi para menos perante o acabam de ver, não querem acreditar.
Os pinheiros, que agora povoam toda a Ilha, dançam ao som das músicas que as nuvens cantam, as gaivotas rodopiam de lado para lado com paços de dança dignas de uma ópera, O vento amainou e as gaivotas pousam num dos pinheiros e a bicharada que assistia não paravam de aplaudir. O Pinguim Real, em tom de apresentador com seu fraque, toma a palavra.
- Tenho a informar que estamos a ser espiados, o Falcão real lá do alto viu um grupo de intrusos subindo as escarpas, sugiro que nos escondamos e preparemos uma armadilha para esta ameaça.
Os flamingos, que habitualmente estão noutras paragens, mas resolveram vir conhecer esta famosa Ilha em todo o Pacifico, sugeriu...
- Não, em tempos estava só o pinheirinho, segundo a lenda, agora são muitos, portanto devemos acarinhar estes visitantes e amanhã seremos uma ilha habitada.
-Desculpa vendaval, pediu em voz meiga a chuva em uníssono com as nuvens que ribombavam, - Tem sido engraçado todos os anos amedrontar o pessoal e velos debandar com medo de ti, vamos mudar o mundo, ou pelo menos mudar a Ilha, abranda e torna-te numa brisa suave, para termos a companhia de nossos amigos todo o ano. E a partir dessa data a Ilha do vento passou a ser um destino turístico, vindo de todo o mundo pessoas para a conhecer e interagir na fábula da passarada. Sendo obrigatório aprender a língua da bicharada. O velho pinheiro recordou.
- E pensava eu que ia morrer solitário...