Brumas que tocaram a Floresta Negra
Em um certo dia, de um certo tempo, o Rei Corvo pairava sob seu reino quebrado, sentindo o frio do sol negro sob suas asas enquanto percebia uma aura conhecida adentrando o seu deserto. De fato, conhecia, que nem sequer desembainhou sua arma para conferir, logo teve a percepção de que era a Raposa.
Desta vez não lhe recepcionou com a espada na garganta, mas descendo dos céus com elegância, demonstrando mudança e principalmente autocontrole. Em um abraço, ele a aparou entre as grevas, lhe aconchegando sob a armadura negra.
“Depois de quase quatro anos, teremos um novo diálogo, uma nova possibilidade de viver essa união” – Disse o Rei Corvo, temeroso, pois ao usar sua visão de destino, não via marcas douradas sob o deserto, nem sequer marcas douradas em si mesmo, pois aquele não era o destino da Raposa.
“Eu venho lhe ver, como é de costume uma amiga aparecer àqueles que tem amizade” – Ele se irritou com a afirmação, pois era mais óbvio que o vento soprar e a água molhar, mas se conteve – “Eu vim da floresta negra, só para atualizar sobre a vida”.
Ele hesitou, por um segundo hesitou. A felicidade esboçada pela Raposa não lhe era agradável, pois não havia marcas douradas, questionando a perca de seus poderes. – “Fico feliz com tua presença, minha amiga, a que devo a visita neste reino?”
“Há brumas sob a floresta negra, aquele manto pálido conforta novamente a alma dos desaventurados” – O corvo se questionou se havia alguma invasão, seu espírito de guerra gritava, enquanto pensava qualquer seria o motivo e como combate-lo – “Houve paz entre o passado e o presente, reconciliei a palavra amar em meu âmago”.
“Porventura não seria...” – Antes de terminar a frase ela assentiu com a cabeça, enquanto um sentimento horroroso impregnava sua alma – “Espero que não se abale” – Enquanto ele já estava mais que abalado.
Por um momento mostrou uma face que nunca lhe mostrara, a face do ódio encarnado, a face do Corvo que não era Cerúleo, mas aquele que presenciou e combateu o Reino em Ruinas, o Corvo do Sol Negro. Indignado, disse que iria a floresta dissipar as brumas, mas ela o conteve pelo braço. Sentiu-se possesso, de um objeto que não lhe era de direito, tinha mil motivos até mesmo aqueles que não poderiam ser ditos, então arqueou as asas para se engrandecer, afastando até mesmo a areia de seus pés.
Ela não entendia a posição de guerra de seu então amigo, confundia a amizade com gentileza, enquanto tomava um tom defensivo. Ele então enfiou a espada no solo arenoso e dirigiu as mãos até a palma de sua amiga. – “Vê cortes, vê a prata das cicatrizes? É isso que o Sol Negro mostra e a bruma não toca, enquanto carne você detestava a dor, mas quando não há mais sangue, você revive o seu algoz?”
“Talvez eu tenha lhe proferido somente sentenças e não julgamentos, lhe mostrei apenas decisões e não méritos, a névoa protege a floresta” – Disse ela, enquanto tomava sua mão para si, e o Imperador ao ver, reconheceu sua grosseria – “Do teu destino, cabe somente a ti, eu visualizo passos e pegadas, mas nunca me intrometi nas mudanças das areias alheias” – Retrucou, enquanto guardava sua lâmina.
“As juras, as conversas, nada daquilo importa” – Disse o Rei Corvo – “És senhora de teu próprio destino porquanto respiras, antes fui pilar, porventura me tornei espectador e até mesmo agora, quero fechar os olhos, algozes, executores, carrascos, eles não mudam e nem mudariam, quando seu machado cega, ei de afiar, essa é a natureza daquele que é ordenado a tomar”. – Ela viu que sua felicidade não bastava, e antes mesmo de lhe proferir qualquer palavra ele encerrou o discurso imperioso – “Nosso último encontro foi selado com uma promessa, que estaria contente com sua felicidade, e se vê que o presente do destino não será a eternidade”.
Ele respirava pesado, demonstrando ira, enquanto ela não entendia a justificativa dessa ira, se recolheu, teria ouvido o nome do vento e entendido tua raiva? Nesta hora havia ar dourado em tua fala, a raposa disse:
“Tu não conhece as brumas, tuas ilhas de confusão lhe trouxeram o preconceito, não vou mudar teu pensamento, pois é teu, mas lhe digo que julguei ele errado, da mesma forma que julgas erroneamente, o que protege a floresta negra hoje é esta névoa, mas vejo tom de dignidade, me entenda e sendo meu amigo, me apoie”.
“Enquanto teu amigo, manteria nossas juras, não negligenciaria o futuro por um desacordo do presente, nem esqueceria o passado. Mas, dessa única vez, eu não consigo lhe apoiar, por mais que tua felicidade é o objetivo.” – Ele limpou as dragonas de seus ombros. – “Nunca apoiarei um carrasco, nem darei crédito a algozes, se tal trabalho fosse digno, não sujariam as mãos de sangue. Digo isso por ser algoz, carrasco, juiz, júri e executor deste reino”.
Havia silêncio no deserto, o uivo dos ventos nem sequer alcançariam frio aos ossos enraivados do pássaro da morte. Então, mordeu a língua para não proferir outras palavras, nem sequer ferir corações, apenas manteve o seu “seja você feliz”.
No silêncio, nem sequer os passos da Raposa poderiam calar o deserto, ela ia em direção ao desconhecido para o Corvo, enquanto ele olhava firme até que sua silhueta desaparecesse no deserto, com seus olhos de destino, enquanto espectador, não via areias, toques, ares nem aura douradas, para ele, aquilo era o último diálogo.
Não a convidou a entrar, nem a porta que já estava aberta era convidativa para a sua amiga, as areias roxas pálidas não lhe eram bem-vindas, enquanto o coração do Rei Corvo bater, mesmo fazendo sentenças de que não é juízo, não lhe convinha julgamentos que lhe pareciam errados, o Rei Corvo deu as costas, preparado para nunca olhar para trás, não sabia se era teimosia ou sensatez, mas ele saiu de cabeça alta, como o orgulhoso Rei que sempre foi.
Ele esqueceu o medo da morte, como tentava esquecer qualquer fio de destino que ali um dia talvez tivera, oh orgulhoso soberano, recolheu as tuas asas, mas nunca as suas garras, talvez um dia seja perdoado, talvez um dia se perdoe, mas a palavra deste Rei, não volta atrás para ninguém.
Desejou que as areias do destino fossem engolidas e que ele não visse novas pegadas em seu castelo, em suas areais, em seu destino, em sua vida, engoliu a seco muitas palavras, que poderia ou não dizer, que lhe eram necessárias ou que seriam convenientes, desta vez não dormiu no trono, mas tentava descansar na estátua do Pacificador.