PREDADORA

A noite passada, tive um sonho mirabolante, quando acordei, nem queria acreditar. Há sonhos que são pesadelos e há sonhos bons que a gente também sonha acordada.

Uma voz matraqueou na minha cabeça; calça as botas biqueira de aço e vai em frente.

Calça as botas biqueira de aço, soa-me a dificuldades. Ok vamos a isso. Quando é que eu tive medo de dificuldades? Nem me lembro!

No início, o caminho era agradável mas não havia adrenalina. Não surgia nada de novo, não havia evolução e ainda por cima, as botas eram pesadas. Passou-me pela cabeça desistir, mas depois lembrava-me daquela voz de comando, calça as botas biqueira de aço e vai em frente. Teimosa como sou, não desisto facilmente.

As situações estranhas começaram a surgir. Uma corda grossa enrolou-se na minha cintura e sem ter sido tida nem achada, vi-me no fundo dum poço onde abundavam criaturas estranhas e ferozes.

Mostrei-me corajosa e amigável para que a hormona do medo não entrasse em ação. Elas não me sentindo em desvantagem, não me atacariam.

Encetei a escalada segura e confiante. Muitas vezes somos obrigados a fazer das fraquezas, forças.

Quando cheguei á superficie, deitei-me no chão e descansei um pouco. É verdade que fiquei algo receosa que aqueles seres viessem atrás de mim, mas eu fiquei tão exausta depois daquela aventura, que rapidamente descartei esse pensamento e resolvi relaxar.

15 minutos, foram o suficiente para recuperar a energia e poder continuar. Que mais me irá acontecer, pensei eu. Eu já estava por tudo, fosse o que fosse, estava pronta.

Mais á frente algo insólito, debaixo de sol escaldante, uma cobra gigante em convulsão. Estaquei abruptamente perante uma visão tão assustadora. Não há bicho que me assuste mais que a cobra. Eu tenho tanto medo que não consigo olhar para elas na televisão nem no papel, agora imaginem, deparar com uma, mesmo na minha frente.

Eu disse para mim, Maria faz alguma coisa, põe o medo para trás das costas, não vês que a pobrezinha está em aflição? Tu não és desumana. Tu fazes bem sem olhar a quem. Vamos lá, ajuda a criatura.

A cobra fixava-me com olhar vítreo. Pronto, seja o que Deus quiser, vamos lá ajudar o animal. Saquei do meu cantil de água fresca e dei-lhe de beber. Dobrei-a sobre o meu braço e massagei-lhe a barriga. Acalmou quando lhe saíu pela boca, uma presa com o triplo do seu tamanho. A presa, raspou-se a sete pés.

Olhei para ela e disse-lhe, porque fizeste isto? Tinhas necessidade de ser tão açambarcadora? A ambição desmedida, a ganância, a gula, a inveja, muitas vezes perde-nos. Se eu não tivesse aparecido, se eu não tivesse posto o meu medo de lado e não te tivesse ajudado, tu tinhas morrido asfixiada, vítima do teu próprio veneno, a ganância que te move!

Continuei o meu caminho, satisfeita com a minha boa ação, embora saiba que ela vai continuar a ser uma predadora.

Um dia, não vai haver ninguém para a salvar!

“Tantas vezes vai o cântaro á fonte, que um dia deixa lá a asa”

©Maria Dulce Leitao Reis

Copyright 15/04/21

Maria Dulce Leitão Reis
Enviado por Maria Dulce Leitão Reis em 18/04/2024
Reeditado em 18/04/2024
Código do texto: T8044182
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