Ouro de tolo
- Tem gente que se acha muito esperta - foi o veredito seco do sargento Sidibeh Njie, ao chegar ao local da ocorrência.
A tarde ensolarada de verão ia pelo meio e ele parou o DAF 66 branco da polícia debaixo de uma árvore, em frente ao que restara da mansão de Suntukung Colley, um industrial aposentado. Os bombeiros estavam terminando o rescaldo, e ainda havia fumaça saindo dos destroços. Njie desceu da viatura acompanhado do patrulheiro Alasan Ngom, que lançou um olhar aturdido para o que parecia ser o cenário de um bombardeio de precisão.
- O que fez isso, sargento? - Indagou Ngom, já antecipando a resposta.
- Você sabe, garoto - Njie o encarou com uma expressão severa. - Foi a ganância do senhor Colley.
Retirou o quépi da cabeça e limpou o suor da testa com o dorso da mão esquerda.
- A ganância e mais um maldito dragão - acrescentou, ajeitando o quépi de volta na cabeça.
* * *
- Meu tio não era um idiota! - Protestou Hawa Singateh, única sobrinha do velho Colley. - Vocês já deveriam ter ido interrogar o contador!
Do outro lado da escrivaninha em seu escritório na delegacia de Jagokéyóróba, no centro da cidade, o capitão Abdou Badjie ouviu pacientemente a diatribe, aguardando o momento certo para interromper a herdeira.
- Senhorita, não precisa nos dizer como fazer o nosso trabalho - atalhou, erguendo as mãos como que para se proteger da metralhadora verbal de Hawa. - O contador será interrogado, naturalmente. Mas será que ele era o principal interessado na morte do seu tio?
O argumento calou momentaneamente a herdeira. Finalmente, ela estreitou os olhos e indagou em tom gélido:
- O que o senhor quis dizer, capitão?
- Que temos que investigar pistas que não são tão óbvias; como as de que a senhorita ou o contador do seu tio são os maiores suspeitos. Yala i y’a faamu wa?
Hawa Singateh balançou afirmativamente a cabeça, sem dizer palavra. Sim, ela havia entendido.
* * *
- Nenhuma dúvida - declarou o investigador Mustafa Faye para o capitão Badjie. - Foi mesmo um dragão, encontramos pedaços dele espalhados por toda a propriedade. Ou, mais precisamente: a aproximação do dragão acionou uma bomba, ligada ao sistema automático de segurança antidragão.
- Ainda bem que você achou vestígios da bomba, - assentiu Badjie - pois nunca ouvi falar de um sistema de segurança que parasse um dragão explodindo a casa inteira.
- Alguém transformou o que era para ser uma defesa passiva numa armadilha mortal, e não só para o dragão, naturalmente - ponderou Faye. - Pelo visto, tratava-se de não deixar sobreviventes.
- Mas, pela sua avaliação, nem o contador nem a sobrinha teriam interesse numa morte tão espetacular quanto essa - Badjie apoiou os cotovelos na escrivaninha, mãos postas à frente da boca.
- Por razões óbvias - redarguiu Faye. - Hawa Singateh iria herdar a mansão inteira, não apenas um terreno para ser terraplanado. E o contador ficou desempregado com a morte do patrão.
- A morte de Colley prejudicou a ambos - avaliou o capitão, apoiando os antebraços sobre a escrivaninha e entrelaçando os dedos. - Mas quem odiaria tanto o velho a ponto de querer vê-lo explodindo em pedacinhos?
- Eu apostaria meu salário em Baturu Kayode - afirmou o investigador.
- O ex-sócio de Colley? - Questionou Badjie, erguendo os sobrolhos. - Mas eles desfizeram a sociedade faz mais de vinte anos...
- E a vingança é um prato que se come frio - redarguiu Faye. - Kayode nunca escondeu que se sentiu prejudicado com a parte dos negócios que lhe coube.
Uma busca minuciosa acabou encontrando o que a polícia já sabia que estaria lá: uma pequena arca com peças de ouro, cuidadosamente escondida no porão da mansão. Somado ao ouro que o velho Colley mantinha em seu cofre (e que também sobrevivera à explosão), fora um chamariz suficiente para atrair um dragão jovem para a propriedade, e acionar a bomba que mandara tudo pelos ares.
E, apesar do julgamento inicial de Faye, descobriu-se finalmente que o contador havia tido sim, participação no atentado: afinal, ninguém mais além dele sabia exatamente quanto ouro Suntukung Colley guardava em sua mansão, uma atitude fortemente desaconselhada pelas autoridades financeiras justamente pela possibilidade de atrair dragões. O contador havia vendido a informação por uma boa soma para Baturu Kayode, que contratara um mercenário para ligar a bomba ao sistema antidragão, e depois incumbira outro profissional de esconder a arca no porão. Aparentemente, a ideia era fazer com que a morte de Colley parecesse um acidente, mas a violência da explosão atraíra suspeitas.
- Ouro adquirido, sossego perdido - sentenciou o capitão Badjie.
- [09-04-2024]