O Homem e o Burro
Conta-se que já há muitos anos, caminhavam sob o sol escaldante um homem e seu burro. Esse último carregando quatro sacos pesados de soja. Para ser mais exato, caminhava o burro carregando as quatro sacas no lombo e em cima das sacas e, montado no burro, ia o homem. Com os pés batia nas costelas do animal e gritava para que o paquiderme andasse mais rápido. O pobre burrinho, envergado pelo peso e cansaço, volta e meia tropeçava; seu olhar triste fitava o horizonte interminável.
Na cara do burro, uma cicatriz desenhava uma linha torta do olho à boca, resultado da imprudência do seu dono que certa vez embriagara-se e, revoltado, resolveu que machucar seu animal era uma boa diversão.
Da altura onde estava, o homem avistou um poço logo adiante. Bateu mais forte nas costelas do animal para chegar mais rápido, mas apesar dos esforços era muito difícil para o burrinho caminhar com tanto peso no lombo. Chegando próximo do poço o homem desceu do dorso do animal. Foi até lá, desamarrou o pequeno balde de metal, preso por uma corda e o baixou até sentir que havia atingido a água. Puxou a corda e bebeu do líquido claro e brilhante que transbordava do balde. Passou um pouco do líquido no rosto e nos cabelos bagunçados, aliviando seu corpo cansado do calor. O burrinho olhava esperando sua vez de se refrescar.
O homem encheu com o liquido uma pequena garrafa que trazia consigo e se dirigiu ao burrinho, mas não lhe deu uma gota.
Postou-se ao lado do animal preparando para subir novamente, mas desequilibrou-se, quase caindo. Olhou para o chão verificando se não pisara numa pedra, mas não era uma pedra que quase o tinha derrubado, eram seus próprios pés: tinham se transformado em cascos.
Apavorado, o homem fechou e abriu os olhos algumas vezes, atordoado, pensando se tratar de alguma alucinação devido ao forte calor, mas nada mudou. Seus pés eram cascos, semelhantes ao do burro em que viera montado. Sentiu uma pequena dor abaixo das costas e virou o tronco para olhar. Um rabo semelhante ao do burro aparecera ali. Tentou tocar, mas suas mãos também agora eram cascos e não alcançavam seu dorso. Seu corpo contraiu-se envergando para frente e tombou nas quatro patas no mesmo instante em que suas orelhas, nariz e boca metamorfoseavam. Os olhos arregalados giravam procurando entender o que acontecia.
Olhou pra frente aterrorizado. Viu as sacas jogadas no chão, no lugar onde deixara o burro, mas não viu o animal. No seu lugar um homem magro. Uma cicatriz horrenda cortava seu rosto do olho até a altura da boca. O homem aproximou-se do burro calmamente, acariciou a cabeça do animal e balançou a sua em sinal de reprovação. Caminhou até as sacas jogadas no chão, apanhou metade e colocou no dorso do burro. A outra parte jogou em suas próprias costas.
Com a mão afagando o dorso do burrinho caminhou ao seu lado sob o sol escaldante.