O Primeiro Sonho (Contos do Cavaleiro)
Um cheiro doce. Não... Salgado! Um perfume em meio ao sal lhe chama a atenção, mas seus olhos não se abrem ainda...
Tudo está escuro, mas há uma luz que atravessa seus olhos fechados. Uma voz doce escora-se sobre seus ouvidos.
"A areia. Consegue sentir? A imensidão da areia que entorna teus pés? Cada pequeno atomo da areia que se remexe envolta de cada pequeno atomo seu. Como sabem onde traçar a linha entre eles e você?"
Ele move os pés na areia que se afunda sobre eles. É quente e confortável, mas... Há um ruído de fundo incessante. Ela prossegue:
"Ouves isso?
É o ruir das ondas. É o mar.
O som que replica aquele ruído que se ouve num rádio fora de estação. O ruído cósmico que está por tudo. Nem mesmo os deuses poderiam saber de onde veio, esse som é bem mais antigo do que todos eles..."
Ele abre os olhos. A luz o incomoda, de começo, mas seus olhos se acostumam aos poucos. É uma praia. Uma grande praia. Não há nada ao seu redor, nada além de areia e de mar, um pouco mais a frente. Mar este que não acaba no horizonte, se estende até uma névoa que mistura o céu negro da noite com o azul-marinho das águas.
"Ah, agora enxerga, não é?" Ela disse, quase que susurrando, ao mesmo tempo que demonstrava certa apreensão. "Consegue me ver?" Ele olha pra trás e não vê ninguém, mas a voz ainda segue atrás dele. Sempre fora de sua visão periférica.
"Por favor... Me encontre. Me procure como uma criança orfã chora por sua mãe, mesmo sem saber o porque deveria." Ele procura com o olhar incessantemente pelo vasto deserto. Nada.
"Não aqui. Aqui não poderá me ajudar. Aqui eu vim até ti. Não queria ter de fazer isso, mas não tive mais jeito... Eu estou no fim. Desculpe se interrompi teu sono."
Ele percebe que não está acordado, mas diferente de todas as vezes que se sentiu assim, dessa vez não se acordou ao saber que não estava acordado. Tampouco isto era sonho lúcido. Ela prosseguiu:
"Não pense ser maldição. Não tenho forças pra isto. Um grande mal se aproxima, eu posso senti-lo. Posso vê-lo também, mas tenho medo... Ele me persegue e tenho pouco tempo.
Acredito que aqui eu esteja ainda mais vulnerável, mas aqui eu reino e ele não fará nada a você, eu lhe prometo.
Por favor... Venha até mim. Eu vejo as suas forças e vejo as suas fraquezas. Não há nada que eu possa fazer a respeito. Mas eu sei o que você sentiu e eu sinto muito por tudo."
Lágrimas escorrem de seu rosto. Ele de repente se sentiu tão infeliz... Até que então... Decidiu olhar para o céu, fonte da luz que havia incomodado seus olhos. Lá estava ela: a Lua.
Ela vestia prata. Olhava transtornada, com lágrimas prateadas que escorriam pelo seu rosto branco e cheio de cicatrizes. Pequenas marcas...
Ela desceu lentamente até ele.
"Eu sinto muito." Repetiu. "Mas ele chegou."
A luz que vinha do céu estrelado sumiu. A Lua sumiu, sua luz também. Todas as estrelas desapareceram de um instante pro outro. O ruído das ondas cessou e um silêncio infernal seguiu.
Em completa escuridão, ele sentiu suas lágrimas caindo na areia, entre os dedos de seus pés. Ouviu um raio, depois outro... Uma tempestade estava chegando.
A voz suave voltou a falar em seu ouvido.
"Ele está aqui... Sinto muito, mas não posso te deixar sonhando. Acorde. Acorde!"
Ele sentiu um tapa no rosto. Quente. Queimava. Enquanto acordava, sentiu pingos de chuva caindo sobre seu rosto queimado, seu corpo, sobre tudo. Ouviu por um segundo o ruído dessa chuva forte.
Levantou de sua cama em um pulo. Assustado. Ofegante.
Era madrugada ainda. Ele não conseguiu voltar a dormir.
(Fim da Parte 1)