A Descoberta dos Dez
As noites de festa do pijama na casa de Pedro eram sempre muito movimentadas. Ele havia planejado quartos grandes para seus filhos, já imaginando as noites divertidas da "Sexta-feira dos Contos", nome que ele próprio deu ao evento mensal, no qual os filhos de seus irmãos se juntavam aos seus para escutar as suas histórias e canções e desfrutar dos deliciosos lanches da Tia Eliza.
Ter um pai escritor era um privilégio para poucos e garantia aos seus filhos ótimas histórias antes de dormir, e a Sexta-feira dos Contos era aguardada ansiosamente pelos adolescentes desde quando ainda eram crianças. Seus irmãos nem sempre apareciam com suas esposas e, na maioria das vezes, eram só os jovens, sua esposa Eliza e ele, porém essa não era uma Sexta-feira dos Contos comum.
Os jovens estavam fazendo dezesseis anos de idade, todos eles, e as coincidências não paravam por aí. Como se tivesse sido combinado, as cinco mães engravidaram na mesma época e os bebês nasceram na mesma noite, sendo cinco pares de gêmeos não idênticos, um casal de cada mãe.
Pedro havia prometido um show surpreendente dessa vez e, estando tudo pronto para começarem, juntaram-se os jovens e seus pais de frente ao palco delimitado próximo a lareira.
A sala onde Pedro contava — e cantava — as histórias era temática. Além da bela lareira, que dava um clima especial, o cômodo era decorado com peças antigas, que pareciam ter saído de filmes de fantasia. Eram elmos, armaduras e armas, dispostos em vitrines, dividindo espaço com instrumentos musicais antigos, refletindo a paixão de Pedro pela música e pela escrita da Alta Fantasia.
— Senhoras e senhores, jovens bravos e belas flores — Pedro começou com sua voz grave e melódica, alternando os versos com os acordes do estranho instrumento de cordas que tinha na mão, ao qual ele chamava de Asaúde, e ninguém discordou, afinal, não existe outro igual —, Peço à quem estiver em pé, a gentileza de se sentar, a menos que planeje começar a dançar.
A coreografia desajeitada, que lembrava a de um palhaço menestrel, arrancava risadas da plateia, mas não prejudicava o manejo do instrumento que soltava notas limpas, que envolviam os jovens como se fossem mágicas.
— A história que lhes contarei agora, fala de um mundo, que outrora, era o mundo principal, onde o uso da magia era uma coisa normal.
Ele seguia com a história melodicamente, tocando o instrumento e dançando uma coreografia engraçada, mas que parecia seguir passos ritmados e que se repetiam em um ciclo.
— Dez bravos seres, dotados de grandes poderes herdaram a difícil missão de combater a escuridão.
As armaduras e armas expostas na sala pareciam ganhar vida à medida que a história se desenvolvia, e o próprio fogo, que crepitava na lareira, parecia dançar seguindo as notas do Asaúde, enquanto o ritmo se intensificava e se acalmava, acompanhando os passos de Pedro, que não perdia o fôlego, mesmo com a intensa movimentação.
— Mas o estrago já estava feito, e não tinha mais jeito, os servos do Senhor do escuro eram maioria e ele fatalmente venceria. Assim o belo mundo da magia ia se tornar uma terra vil e sombria.
Assim que o Senhor da Escuridão e a destruição causada por ele foram citados, o fogo da lareira e as luzes da sala baixaram, a melodia do Asaúde também buscou um clima mais sombrio e Pedro também parou de dançar e começou a recitar os versos mais rapidamente, olhando fixamente para os jovens, que neste momento, sequer piscavam.
— Para viver e seguir, deveria servir. A derrota era certa, e tentadora era a oferta. Milhares caíram, ou então sucumbiram quando o ataque certeiro tomou o mundo inteiro.
Ele recitava aquela história como um bardo medieval e os adolescentes pareciam estar em uma espécie de transe. Era como se o olhar dele, junto com a melodia do instrumento e o modo como se movia e falava fossem uma espécie de encantamento.
— Em uma última tentativa, uma elfa, altiva, procurou o aval de um elfo rival. Ele rude e verde, ela delicada e escarlate, aceitaram pôr fim ao antigo embate. Nessa nova aliança, a última esperança, era salvar um de cada raça e selar a ameaça e, com magia elemental, invocar o portal. Cruzando espaço e tempo, viajaram ao sabor do vento, rumo a um mundo novo, para refazer o seu povo. Deixando o exército sombrio preso no vazio e, em seu último grito, o demônio aflito, jurou que iria os encontrar para poder se vingar.
Após falar sobre a jura de vingança do senhor do mal, os adultos se levantaram e se colocaram ao lado de Pedro, como se fossem participar do show, mas ainda assim, os jovens não esboçaram nenhuma reação, apenas continuaram vidrados no homem com o instrumento nas mãos.
— Dez raças, dez seres, com diferentes poderes, naquele mundo diferente, se camuflaram entre a sua gente. E para se fortalecer ainda mais, se uniram em casais para criar uma nova geração, e garantir a reconstrução.
Quando Pedro finalizou os versos, parou também de tocar o Asaúde e os jovens se levantaram. Agora dava para ver que estavam em uma espécie de transe, pois ficaram parados de pé, cada qual à frente de seus respectivos pais.
— Eu disse que tinha planejado algo surpreendente para essa sexta-feira — Pedro disse, agora sem melodia — Nós queríamos esperar mais, porém tivemos notícias de que o Senhor do escuro está para conseguir entrar nesse mundo e precisamos prepará-los para a batalha.
— Quando eu tocar novamente o Asaúde — ele continuou, posicionando o instrumento para tocar —, vocês verão a nós como realmente somos, e todas as histórias que eu contei, todo esse tempo, serão assimiladas pelos seus cérebros.
Após uma breve pausa, Pedro tocou o instrumento e os jovens imediatamente saíram do transe. Na frente deles estavam criaturas estranhas, mas que eles sabiam que eram seus pais. Agora eles sabiam também que a magia usada em sua concepção, fez com que, mesmo sendo irmãos gêmeos, cada um fosse de uma espécie diferente.
— Eu sou um Banshee e a mãe de vocês é uma Fada — Pedro disse aos seus filhos, que agora podiam vê-los como realmente eram — cada um de vocês, como seus primos também, herdou os poderes de uma espécie e serão treinados para dominá-los e desenvolvê-los, mas não se preocupem, não terão a nossa aparência, já que foram concebidos da nossa forma humana. A minha magia foi a melhor maneira que encontrei para preparar vocês, e as histórias e canções introduziram a nossa história em suas mentes. Vocês querem fazer alguma pergunta?
— Até tenho algumas dúvidas — o filho de Pedro disse, meio sem graça —, mas saber que não vamos ficar parecidos com vocês, já me deixa mais tranquilo.
A sinceridade do jovem fez todos rirem e quebrou o clima tenso que havia se criado após as revelações e eles seguiram para a sala de jantar, onde Eliza serviu seus deliciosos lanches e um bolo confeitado, que ela mesma fez, em homenagem aos aniversariantes.
Marcos, o Elfo verde e Selina, a Elfa vermelha, ambos citados na canção eram tidos como os líderes, e fizeram um discurso sobre a possível volta do inimigo, e como eles poderiam triunfar desta vez, com a ajuda dos jovens, que inclusive, assimilaram bem todas as informações, graças à magia de Pedro que vinha fixando as histórias no subconsciente deles todos esses anos.
Todos sabiam que seria uma batalha dura, mas acreditavam que, juntos, poderiam vencer, e após as festividades, as famílias seguiram para as suas casas normalmente, mas a vida dos jovens mudaria radicalmente depois desta Sexta feira dos Contos que, como Pedro havia prometido, foi surpreendente.