Contos de senzala

Contos de senzala

Brasil, Dezembro de 1888.

A peste no vilarejo

Vó preta gosta de contar histórias na senzala para as crianças. As crianças

gostam de ouvir vó preta. Ela lembra o tempo do cativeiro. Ela tem 92

anos e há alguns meses libertaram os cativos por ordem da princesa Isabel.

Quando nosso povo era cativo na roça de açúcar, um homem vindo da

capital estava com febre. Este homem era doutor e ficou hospedado na

casa do sinhozinho. Ninguém sabia que ele estava doente, só dia seguinte

que o homem falou. Sinhozinho mandou chamar o médico que não

descobriu a causa da febre. Alguns dias depois o homem morreu. Semanas

depois, sinhazinha e seus dois filhos também morreram. Era a epidemia da

peste. Logo a febre foi para senzala. Muito preto morreu. Mães perderam

seus filhos e filhos perderam suas mães. Só não chorava quem estava

morto. Chorava homem, chorava mulher, chorava criança, chorava branco,

chorava preto, chorava rico e chorava o pobre. Criança: “ homem também

chora vozinha preta?” Vó preta: “ meu filho, homem chora mais que

mulher, tudo chorão” Vó preta sobreviveu. Sinhozinho de desgosto

vendeu as terras e vó preta foi vendida para outro dono. A peste continuou

matando, depois de um tempo ela parou. Graças a rezas da senzala.

O tanque da fazenda

Sinhozinho mandou os pretos cavarem um tanque para servir de açude

para sua fazenda. Os pretos começaram a cavar com pá e enxada. Era

muito trabalho. Negro morria de tanto trabalhar. Dois anos depois o tanque

estava pronto. Quando choveu forte, o tanque ficou cheio. A aguá era para

regar as cana de açúcar da fazenda e os animais beberem da água. Esse

tanque está na fazenda até hoje. Pouca gente sabe quem o fez, pensam que

foi obra da natureza. Este tanque foi cavado com as mãos e com pás e

enxadas.

Pedras para a construção da igreja

O padre do vilarejo pediu aos pretos que ajudassem na construção da

igreja. Naquele tempo, não havia igreja de pedra na cidade. A igreja era

uma grande cabana de palha. Os pretos foram na pedreira quebrar pedras e

iam trazendo nas mãos e nas costas, traziam em carros de bois também.

Era uma cena bonita, ver todos trabalhando.

Os construtores iam colando as pedras com cimento. Dez anos depois a

grande igreja de pedra estava pronto. E ela está lá até hoje. Ela está lá

desde 1852. Vieram os pintores da Europa e fizeram belas pinturas no teto

da igreja.

Misericórdia

Pegaram dois ladrões na cidade. Um preto e um branco. Levaram-nos para

a forca da cidade. Todo povo foi para lá assistir. O preto foi enforcado e

morreu. Quando enforcavam o segundo ladrão a corda arrebentou duas

vezes. O padre pediu misericórdia: “ perdoe este homem, perdoe este

ladrão, se a corda arrebentou é um sinal de Deus para que ele seja

perdoado” o carrasco falou: “ senhor padre, cuide de sua igreja,não se

meta nisto. Ladrão bom, é ladrão morto” vendo que o ladrão não podia ser

enforcado o carrasco pegou uma espada e atravessou o ladrão e ele

morreu.

QUARENTA AÇOITES

O padre Ferreira foi brigar com o sinhozinho por causa da morte dos

índios. O padre era um bom homem. Não tinha poder. O padre deu um

sermão na igreja condenado a violência. O sinhozinho não gostou. Seus

capangas chegaram de surpresa na casa do padre. Espancaram o padre.

Alguns dias depois o padre morreu. Veio o padre no lugar. O novo padre

defendeu preto e índio. Foi excomungado pelo bispo. Acusou o senhor de

engenho do vilarejo de ter assassinado padre Ferreira. Foi preso e o

mandaram de volta a Portugal. É que no Brasil funciona assim: Ame-o ou

deixe-o. Deve amar o Brasil como ele é, sem questionar, sem pensar. E se

não deixar o Brasil pode ser morto. Você está convidado a se retirar.

Babá preta

Aconteceu de a sinhazinha morrer depois de dar a luz. A preta estava com

filho na senzala. O sinhozinho pediu que ela amamentasse seu filho

também. Ainda bem que ela tinha muito leite. Por isso você é um jovem

branco e forte. Você foi criado com leite de negra. Por isso sua saúde é tão

boa, você bebia leite como um bezerro.

Crimes na fazenda

Numa fazenda distante daqui muitas léguas. Um preto apanhou no tronco.

O preto fugiu. Dias depois, a noite entrou na casa grande e matou o

sinhozinho e sua mulher enquanto dormiam. Os guardas do governo

buscaram o preto. Não acharam. Dizem que fugiu para o quilombo. O filho

do sinhozinho que morava na capital, retornou a fazenda. Para vingar a

morte de seu pai e sua mãe, mandou trancar a senzala e mandou os feitores

colocarem fogo nela e matou todos os pretos de sua senzala. Homens,

mulheres e crianças. Todos morreram queimados enquanto dormiam. O

filho do sinhozinho vendeu as terras e voltou para a capital onde era juiz.

A violência sempre tem como resultado ela mesma.

Brasil Colonia

Minha tataravó contava que os brancos de Holanda começaram a brigar

com os brancos de Portugal. Eles brigavam por causa de terras. Por causa

dessa guerra muita gente sofreu. Muita gente ficou com fome. Os pretos

tinham que cavar as covas para enterrar Holandeses e Portugueses.

Quando os holandeses foram embora para seus país. O Brasil fez piorar.

Para nossa gente não mudou nada. Só mudou de donos. Dos holandeses

voltamos a pertencer aos portugueses. Foi duro cavar tanta cova.

Resumo da história do povo do Brasil

Nosso povo vinha de longe. Do outro lado do mar. Colocavam em navios.

No porão do navio,junto com cana de açúcar e boi e vaca. Muitos

morriam. Eram felizes os que morriam. Os que chegavam vivos iam para

trabalhar nas fazendas, na lavoura. Trabalhavam e apanhavam. Aprendiam

o modo de falar dos brancos. Branco gostava de preta bonita. Nascia muito

filho de branco e com preta. Preta formosa e fértil. Preta bonita. Nascia

muito mulato. Nascia assim o Brasil. País dos mulatos e mestiços.

Brasileiro branco tem sangue de preto. E brasileiro preto tem sangue de

branco. O sofrimento fez a gente tudo igual.

Davy Almeida
Enviado por Davy Almeida em 20/03/2024
Código do texto: T8024106
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