Passeio na necrópole.
Passeio na necrópole.
O enterro de um homem jovem.
A antiga cidade agora está aqui. Os antigos moradores estão todos eles
aqui. Meditem sobre eles. Como eram? O que faziam? Quem eram eles?
Como se vestiam? Eram eles sábios. Talvez ignorantes. Pobres. Ricos.
Brancos. Pardos. Negros ou índios. Livres ou servos?
Eles são agora ossos. Todos eles são ossos. Essa é a democracia.
São eles agora poeira. Eram eles bonitos? Elas deveriam ser belas.
Pensem neles. Você logo mais você será um deles.
O coveiro me perguntou: “ o que um jovem bonito e inteligente faz aqui?
Por que estais aqui? Você deveria estar no shopping. Deveria estar na
praia. Deveria estar no parque. Quem é você ? O que veio você fazer
aqui?”
Jovem: “ senhor amigo coveiro. Sou eu uma alma que busca sabedoria.
Eu já estive em muitos lugares. Aqui é o fim de todos eles. Que lugar
calmo. Tranquilo. Que silencio! Não vês ? Não ouves a voz do vento
quando passa por aqui? E você, senhor coveiro. Tu és o maioral.
Você enterrou tudo e todos. Jovens, crianças, bebês. Moças e donzelas.
Velhos e velhinhas. Engenheiros e médicos. Garis e príncipes. Você é o
cara! Não valorizas tua profissão? Ah já sei. Querias ser advogado? Pintor?
Deputado? Federal ou estadual? Não? Cantor? Compositor? Dentista?
Pedreiro? Saiba que todos eles estão aqui. Essa é a beleza da vida. O fato
que um dia ela acaba. Sepultastes sonhos e sonhadores. A vida é uma
vaidade”
Coveiro: “ isso mesmo. Sonham eles. Morrem eles. Morrem disso ou
daquilo. Morrem os que querem e os que não querem.
Choram os que ficam, tem uns que ficam felizes. Morrem de amor.
Bactérias. Câncer e difteria. Eutanásia. Faca. Giardíase. Herpes. Infecção
pulmonar. Febre hemorrágica de Junin. Lumbago e loucura.
Mononucleose infecciosa não especificada. Neurose e necrose. Otite.
Poliomielite. Química industrial. Ratos. Urina de ratos e pulgas de ratos.
Salmonela. Trombose. Raios ultra violeta. Xerose. Coice de zebra. Outras
infecções bacterianas intestinais especificadas. Morrem só pelo fato de
viver.”
jovem: “ me diga. É esse osso mais bonito que aquele? É este fêmur mais
sábio do que aquele outro? Onde está a cor de pele? não mais existe. Onde
está rico ou pobre? Aqui todos tem a mesma quantia. Dançam as caveiras.
Caveira é tudo igual. Na melhor das matemáticas é este o futuro da
humanidade. Calcule. Coloque esse cranio para calcular. Coloque esses
ossos da cabeça grande e oca para pensar. Seu humano estupido.”
coveiro: “ aqui é o lugar mais sábio do mundo. Aqui você pode pensar na
sabedoria. Será que há como pensar na vida sem pensar na morte? Tem
muita gente que não quer ser enterrado. Vai ser cremado. Vai virar pó. Dá
tudo no mesmo. Adubar a terra. Essa é a função biológica dos seres vivos.”
veja daqui toda a cidade agitada lá ao longe. Logo estarão aqui. Eu espero
por vocês. Eu sou um nobre coveiro. E você meu jovem. Hoje foi sua vez.
Até a próxima adeus.”
Homem Jovem e bonito de 22 anos morre em Mogi das cruzes. Não havia
causa aparente. Os médicos estudam o caso. Diz o médico legista que
chegou a hora dele. Só isso e nada mais. Quem quiser que diga o contrário
da ciência. Estava nos jornais da cidade. Leiam o bizarro atestado de óbito:
Nome: jovem humano. Bruno maia da silva silveira e Albuquerque e mais
alguma coisa.
Idade: 22 (dois patinhos na lagoa)
Características. Branco caucasiano. Forte. Saudável. Jovem. bonito
Causa da morte: chegou a hora dele, tinha de ir embora. Hora de dar no pé.
ocorrido: partiu desta para a melhor.
Im pacem requiescat. Para os leigos : “ descanse em paz”
Exatamente assim escreveu o médico legista.
Porque a vida é assim o legista assina, coveiro enterra. O legista rabisca os
papéis, o resto é com ele. Ele. Sim. Nosso nobre amigo coveiro. A
profissão mais humana de todas.