- VII - 

Artemísia

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Capítulo V: Bruno "sonha" com Mike, que se revela como soldado psíquico e o avisa dos perigos do porvir.

Capítulo VI: Bruno e Mônica se encontram. Bruno questiona sobre a natureza angelical de Uriel.

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Eu estava indo comprar flores para Mônica quando topei com Artemísia. A última vez que a vi foi em sonho, ela me levou diretamente para Mike. Não foi muito legal. E a última vez que a vi no “mundo real” ela estava se contorcendo no chão quando uma entidade chamada Uriel se manifestava na sala.

 

Ela é uma jovem de cabelo loiro, trançado, pele clara, magra, deve ter uns dezoito ou dezenove anos no máximo. Estava vestindo o uniforme da floricultura Garden’s, que fica no bairro Boulevard, na parte alta da Cidade de Serra dos Cristais. Nunca tinha parado para prestar atenção nela, uma graça.

 

Fiquei um tanto sem jeito quando a reconheci.

 

– Olha só, mas que coincidência! – Comentei quando estava escolhendo o buquê de flores vermelhas para Mônica.

 

Ela sorriu timidamente e comentou:

 

– Não há coincidências. Isso é um sincronicidade.

 

Um silêncio constrangedor durou por alguns segundos. Não sabia se deveria comentar alguma coisa sobre o estranho sonho que tive com ela ou não. Afinal, poderia ter sido apenas um sonho. Vai que ela acha que estou dando em cima dela?

 

Mas algo na minha cabeça ficava martelando sobre aquele sonho. Foi apenas um instante, mas a visão dela naquele vestido esvoaçante ficou marcada na minha cabeça.

 

– Você se lembra do sonho, não é? – Ela disse quase que sussurrando.

 

Fiquei sem jeito. Não queria ler a mente dela. Não gosto disso. Não dá para controlar direito. Não queria receber um mundo de flashes desconexos na minha cabeça. Mas eu quase que podia ouvir ela me fazendo um convite.... Ela queria me mostrar algo que pouquíssimas pessoas viram, algo lindo e assustador. Mas ela também estava receosa de me chamar.

 

– Você que vir comigo escolher as flores para o buquê? Elas ficam aqui nos fundos da loja.

 

Respirei fundo. Evitei pensar besteira. Logo agora que eu e Mônica estamos indo bem? Afastei os pensamentos mais lascivos e foquei que poderia não ser nada daquilo que estava pensando.

 

Um tímido sim saiu da minha boca e a segui para os fundos da loja.

 

A vista é belíssima. Como estava no entardecer, o céu ficou em tons alaranjados num gradiente até um roxo claro, os raios de sol remanescentes ainda tocavam os pontos mais altos da Serra dos Cristais, isso estando rodeado de um arco-íris das mais belas flores.

 

Ela caminhava despreocupadamente por entre as rosas, escolhendo as de cores vermelhas que eu tinha pedido.

 

– No início a gente tem medo de tudo mesmo – sorriu – tudo é novo as formas e locais são incertos. Não sabemos de nada e as coisas acontecem de forma tão rápida que a nossa mente não consegue compreender.

 

Ao fundo daquele corredor de terra batida, havia uma mesinha rústica com quatro cadeiras. Na mesa, duas xícaras com chá.

 

Tremi. Lembrei-me do sonho. Ela sabia que eu me lembrava. Acho que aquilo não era exatamente ou somente um sonho. Tinha um quê de real naquilo. A impressão que eu tinha era que ela queria me mostrar que tudo aquilo era verdadeiro.

 

Ela parou, deitou o buquê de flores na mesinha, estendeu sua mão para o chá e ofereceu:

 

– Aceita uma xícara de chá? Quer se sentar um pouco?

 

Engoli a seco. Bem, aquilo não me faria mal, certo? Aquela vista da serra estava linda! Aceitei e me sentei.

 

Ela se sentou ao meu lado. Bebericou o chá e me estendeu a mão. Naquele momento, a minha pupila dilatou e o meu coração acelerou. Ela repetiu exatamente o que tinha acontecido no sonho, só faltava o vestido esvoaçante. Um sorriso estranho brotou do canto de sua boca.

 

– Aceita?

 

Ela percebeu o meu desconforto e continuou.

 

– Você está seguro. Nada de mal vai acontecer aqui. Você apenas vai ver as coisas de camarote.

 

Minha mão tremia. Uma gota fria de suor escapava da minha testa. Comentei:

 

– Esse papo todo de mundo espiritual de deixa confuso... ou melhor, com medo mesmo!

 

Ela sorriu e disse:

 

– Como assim mundo espiritual? Isso não existe! – Sorriu enquanto descansava o chá na mesa.

 

Por um instante meu corpo relaxou. Não sabia o que estava acontecendo, mas a minha mente estava me fazendo sofrer bem mais que o necessário. Ri alto – ainda bem!

 

– É tudo uma coisa só. Tudo aqui e agora, só não temos acesso a tudo no mesmo tempo. Levantou-se, foi para detrás da cadeira e fez uma leve massagem nos meus ombros.

 

Não sei se estava alucinando, mas várias texturas semitransparentes se mexiam onde antes havia apenas o ar, o vazio. Era como se fossem moscas volantes. Só que muito mais intenso. Levantei o braço e seguirei o seu pulso.

 

– Calma, isso é só um passeio. Você sequer vai sair dessa cadeira. Vamos apenas sintonizar com as nossas mentes as diferentes “faixas de rádio” que podemos acessar.

 

Fiquei totalmente paralisado. Apenas escutando a sua voz:

 

– Pense no ‘mundo microscópico’. Ele não é um mundo à parte do nosso. Só que precisamos de equipamentos específicos para enxergar os seres que são muito pequenos. Esses mesmos seres desse ‘mundo microscópico’ afetam o nosso mundo constantemente, seja como doenças quer seja ajudando seu organismo a absorver nutrientes. Assim é o ‘mundo espiritual’. Por enquanto, só conseguimos acessá-lo com um estado levemente alterado de consciência, porque quem enxerga é o nosso cérebro, não os nossos olhos. Assim como os animais enxergam diferentes faixas de cores, há seres do ‘mundo espiritual’ visíveis ou acessíveis apenas em algumas faixas de vibração.

 

Não sei exatamente dizer o que estava acontecendo, mas podia sentir um pulso acolhedor de calor vindo dela, o aroma do chá e das flores ao redor me faziam relaxar. De alguma forma, o toque dela me deixava mais calmo.

 

A noite caia lentamente, ao observar o céu, vi como se as estrelas estivessem mais brilhantes, poderia até mesmo jurar que estava vendo luzes dançantes no céu, tal como as auroras boreais.

 

– Que sensação mais gostosa! O que é isso?

 

– Podemos dizer que aqueles mais iluminados se permitem serem sentidos quando estamos mais tranquilos. A depender do seu credo, poderia chamá-los de anjos, mentores ou algo do tipo.

 

Senti um calafrio percorrer o meu corpo da cabeça aos pés, minha pressão baixou. Sentia quase que a minha alma fossa sair do corpo naquele instante.

 

Um sussurro brotava da minha mente:

 

“Nem tudo é aquilo que parece. Tome cuidado, certas coisas só você pode fazer. As decisões são suas e somente suas. ”

 

Eu tentava detectar de onde vinha, mas o esforço era em vão. Não era de Artemísia. Outro ‘ser’ falava com ela. Era outro, mais sutil.

 

Toda aquela novidade estava me deixando tonto, sentia que a qualquer momento poderia entrar em transe ou algo do tipo. Algum tipo de energia diferente rondava o meu corpo, eu estava todo arrepiado, embora relaxado.

 

Aquela sensação era completamente nova. Mas, aos poucos, o medo foi tomando conta de mim, estava receoso sobre tudo aquilo. Será que ‘isso’ iria me possuir? Será que eu iria apagar e perder o controle dos meus atos?

 

Meu coração acelerou. Olhei para cima e vi Artemísia de olhos levemente virados.

 

Levantei-me da cadeira bruscamente. Sem querer, a cadeira acabou tombando por cima de Artemísia, que foi empurrada para trás, caindo sentada no chão.

 

Eu ainda estava atônito, estupidamente leve, desastrado, como seu eu controlasse um corpo que não era meu.

 

– Nossa, me desculpa! – Ainda tentava retomar o controle do meu corpo enquanto tirava a cadeira de cima dela e a ajudava a se levantar.

 

Ela se levantou, tirando a sujeira do chão que ficara na roupa.

 

– Tudo bem, ela falou. Como te falei antes, tudo assusta. Mesmo as experiências mais sublimes.

 

Ela parou, me observou por uns instantes e comentou:

 

– Nossa! Suas chacras estão todos abertos! Você está brilhando mais que um farol!

 

Eu sinceramente não estava entendendo nada. Ela apertou os olhos, como se visse através de mim.

 

– Agora, com todo esse medo no seu corpo. Você está atraindo seres que alimentam desse tipo energia.

 

Ela fez uma pausa e observou ao redor.

 

Parece que a noite havia caído mais rapidamente. Seres humanoides em forma de fumaça e névoa negras se aproximavam, mas eles respeitavam uma espécie de raio de segurança.

 

– Esse tipo de ambiente em que estamos não é muito convidativo para eles.

 

Apontei ao longe, algo feito de lama negra e olhos vermelhos que lembravam uma mistura de aranha ou polvo com um formato humanoide que veio se aproximando de nós rapidamente. Ela fechou os olhos e sussurrou algo que não entendi. Tão rápido quanto ela surgiu, tão logo ele voltou ao breu.

 

– Esse tipo de entidade não deveria estar por aqui. Mas bem que, ultimamente, tanta coisa estranha está aparecendo eu não duvido mais de nada!

 

– Imagine eu – murmurei.

 

Cheio da aquilo tudo, apenas pedi para pagar pelo o buquê de rosas de Mônica, me despedi e fui para casa.

 

Sinto que posso ter sido um tanto rude com ela ao sair. Ela não tinha culpa. Mas eu realmente não estava me sentindo nada bem!

 

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Observação: Imagem gerada por Inteligência Artificial. Essa pessoa não existe, embora possa probabilisticamente se parecer com alguém real.

Manassés Abreu
Enviado por Manassés Abreu em 01/02/2024
Reeditado em 03/04/2024
Código do texto: T7989588
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