Torre de Intrigas - Prólogo
O Castelo 215 é um dos poucos reinos a sobreviver a uma terrível guerra. Fora dos seus muros, o mundo se transformou em um lugar hostil, repleto de ar tóxico, poluição e perigos mortais. A sobrevivência sem máscaras e equipamentos especiais se tornou quase impossível em questão de dias.
Dentro dos muros do Castelo 215, porém, a tranquilidade e a justiça são pilares. Sob o governo da Rainha Darci Leroy, que liderou por mais de duas décadas, os habitantes de todos os cantos encontraram satisfação em suas vidas, graças a um sistema eficiente implementado.
Era uma típica manhã de verão no castelo. Os raios solares penetravam a janela, banhando a ampla mesa com um saboroso café da manhã, uma tradição da cozinha local. Na cabeceira da mesa, a própria Rainha Darci tomava assento, aguardando seus convidados se juntarem à mesa. No entanto, exibia claramente sua irritação. Com 76 anos, a rainha possuía cabelos negros que desciam até o pescoço, olhos castanhos e um olhar enigmático.
Ao seu lado estavam Marley, um homem de estatura mais robusta, que sofria de vitiligo, uma condição que resultava em despigmentação da pele, deixando-o com várias manchas. Seu rosto redondo e carismático exibia rugas que contrastavam com seus cativantes olhos azuis. Beckie, uma mulher imponente com cabelos loiros, também compartilhava o espaço. A rainha soltou um suspiro enquanto murmurava para si mesma:
- Maurice, Erick, Kiara, Fred... Sempre atrasados... Sempre. - Sua voz carregava uma mistura de frustração e incredulidade.
- Majestade, fique tranquila. Já conversei com Fred hoje; ele logo estará saindo de seu quarto. - Disse Marley, trazendo conforto às palavras - Kiara, que reside aqui, deve estar a caminho. Quanto a Maurice...
Antes que Marley pudesse completar, Maurice interrompeu, entrando na cena ao lado de Erick:
- Estamos aqui. - Sua presença e a de Erick sugeriam que haviam retornado de uma patrulha no castelo, pois haviam descoberto que alguns degraus estavam deteriorados. Maurice, um homem de 40 anos, ostentava cabelos já salpicados de grisalhos, e era não apenas o líder da guarda real do castelo, mas também o filho amado da rainha. A ligação entre eles era profunda e inquebrável, sendo ele a pessoa que ela mais amava e confiava.
Imediatamente, a rainha ergueu-se em direção a Maurice, envolvendo-o num caloroso e apertado abraço.
- Após três longos dias! Enfim, meu filho. - proferiu a rainha, um brilho de satisfação em suas palavras - Agora... venha, acompanhe-me para comermos; o café já aguarda na mesa.
Pouco atrás de Maurice e Erick, surgiu Fred. Era um jovem esbelto e alto, com cabelos morenos que caíam em cascata, e seus olhos azuis brilhavam com intensidade.
- Finalmente, Frederico. - Exclamou Marley da mesa, com um pequeno sorriso em seus lábios.
- Não me chame assim - Respondeu Fred irritado - Você sabe que não gosto.
Marley ampliou seu sorriso, lançando um olhar afetuoso a Fred.
- Bem, então, vamos nos sentar. Não vou esperar Kiara como uma besta novamente. Tomem seus lugares, por favor.
Rapidamente, todos ocuparam seus respectivos lugares. Darci estava na ponta da mesa, ao lado de seu fiel companheiro Marley e de seu amado filho Maurice. Fred e Beckie sentaram-se ao lado deles. No entanto, uma pessoa permaneceu de pé: Erick, como era seu costume durante as refeições na cozinha.
- Por que ainda está em pé, Erick? - Indagou Marley.
- Estou apenas desempenhando minha função, senhor. - Respondeu Erick com seriedade - Sou um guarda real do castelo.
- Você está brincando? Já se passaram dois dias desde que teve uma refeição adequada. Venha logo, Erick, una-se a nós à mesa.
- Será uma honra, senhor. - Concordou Erick, sentando-se na extremidade da mesa.
Logo em seguida, todos começaram a comer tranquilamente, com exceção da rainha Darci, que lançou um olhar descontente, indicando que não aprovava o que estava diante dela, já que isso ia contra as tradições do castelo.
Quando o café da manhã estava quase chegando ao fim, Kiara fez sua entrada na cozinha.
- Ah, finalmente alguém decidiu se juntar a nós. - Brincou Marley.
- Parece que você chegou um pouco tarde; estamos quase acabando. - Acrescentou Beckie.
- Não estou aqui para comer; já fiz isso em casa. - Disse Kiara, num tom curto e direto.
Kiara, uma mulher de cabelos completamente escuros e olhos verdes cintilantes, geralmente estava de mau humor, e hoje não seria diferente de qualquer outro dia.
Quando Kiara se aproximou da mesa, um estrondo alto veio do lado de fora, assustando a todos. Maurice e Erick rapidamente se levantaram e foram até a janela para verificar o que estava acontecendo. O barulho era incomum, uma vez que a área externa era tóxica e perigosa há anos, impossibilitando a presença de qualquer pessoa.
Maurice abriu a cortina com cuidado e ficou surpreso ao ver um grupo de pessoas na porta do castelo, vestindo roupas surradas e máscaras para proteger-se da toxicidade do ar. Essa cena era inacreditável, pois fazia anos desde que alguém se aventurara do lado de fora.
Diante da cena surpreendente do grupo de pessoas do lado de fora, a Rainha Darci exclamou preocupada e empurrou Erick para ver o que estava acontecendo. Ela também ficou chocada com a visão. Maurice, por sua vez, perguntou à sua mãe sobre o próximo passo.
Vamos descer para o grande salão. Leve algumas tropas e abra a porta. - respondeu a Rainha Darci com seriedade - Vamos ver o que eles querem de nós.
Com a determinação da rainha, todos se levantaram da mesa e se prepararam para se dirigir à porta do castelo. O alarme do castelo disparou, criando uma tensão nunca antes vivenciada.
Erick e Maurice, líderes da guarda real, montaram um grupo de cinco homens e acompanharam a rainha, Marley e Kiara pelo corredor que ligava a cozinha à sala de estar do castelo, descendo as escadarias. No entanto, Fred ficou irritado e frustrado, pois Marley não permitiu que ele se juntasse ao grupo, por questões de segurança.
Enquanto isso, as batidas dos visitantes inesperados continuavam lá fora, evidenciando a impaciência e o desconforto do grupo que enfrentava um clima hostil. A situação estava ficando cada vez mais tensa e intrigante.
As tropas já estavam prontas atrás da porta, aguardando permissão para abrir e interagir com os visitantes inesperados. A porta principal do grande salão, sendo o único acesso para o mundo fora do castelo, era maciça, feita de madeira nobre, reforçada com várias fechaduras. Esta entrada, altamente segura, raramente era aberta.
A rainha ordenou a abertura da porta, mas Marley interrompeu o processo, levantando a preocupação de que abrir a porta sem saber quem eram poderia resultar em um ataque. Kiara concordou, e após um breve debate, Maurice se ofereceu para falar com os estranhos.
Enquanto discutiam, mais batidas ressoaram na porta, Maurice decidiu agir.
- Quem está aí? O que querem?
Uma voz feminina se fez ouvir.
- Saudações, sou Lility. Provenientes de um distante reino, sofremos as devastações de uma maldita guerra. - Lility inspirou profundamente, prosseguindo com serenidade - Imploramos por refúgio, pois meu povo enfrenta a fome e sofre sob o fardo do ar tóxico lá fora... Permitam-me indagar, possuem um regente, um rei ou uma rainha? Desejaria falar com essa liderança para pleitear ajuda em nome do meu povo.
A situação se tornou mais complexa com essa revelação. O destino dos visitantes agora estava nas mãos dos residentes do castelo, que precisavam decidir como lidar com a situação delicada.
Maurice virou-se para Darci, que exibiu uma expressão de desagrado.
- Mãe, eles desejam falar contigo.
- Eu não irei falar com ninguém! - A rainha declarou irritada - Recuso-me a interagir com esses intrusos indesejados, não desejo a presença deles em minha casa, e ponto final.
- Mãe, como a rainha deste castelo, é crucial que os atenda e forneça uma resposta. - Maurice insistiu.
- Não quero manter conversa. Comunique-lhes que não me sinto inclinada a recebê-los.
Enquanto Maurice se preparava para transmitir a decisão de sua mãe, Marley interveio.
- Rainha, espero que compreenda, mas você viu o estado em que eles estão? É impossível ignorar isso. Não podemos deixá-los à mercê do destino. Precisamos agir.
A rainha permaneceu em silêncio, visivelmente contemplativa.
- Concordo com Marley. - Beckie acrescentou com firmeza - E se fosse o nosso povo nessa situação? Temos que demonstrar compaixão e permitir que entrem.
A tensão no grande salão era palpável, enquanto os líderes do castelo debatiam sobre o destino dos visitantes. A decisão dependia de Darci, mas a sensação de perigo ainda pairava no ar.
- Abram a porta - ordenou a rainha Darci com firmeza - Quero falar com eles pessoalmente.
Maurice, preocupado, questionou: - Tem certeza disso, mãe?
A rainha respondeu com confiança: - Absoluta.
Darci chamou Erick e mais um soldado que estavam presentes no grande salão para acompanhá-la, enquanto mais dois soldados se encarregaram de abrir a imponente porta de madeira. Finalmente, ela saiu, enfrentando os visitantes inesperados que aguardavam do lado de fora.
Ao dar os primeiros passos no exterior, a rainha encontrou-se cara a cara com Lility, a mulher que havia conversado com ela pela porta. Ela notou uma mulher alta e morena, de olhos azuis, que a encarava com confiança. Lility usava uma máscara para proteger-se da toxicidade do ar e trajava trapos velhos, assim como os outros membros do seu grupo.
Darci, enquanto observava atentamente os visitantes, percebeu a presença de um homem albino entre eles. Esse indivíduo, de constituição rechonchuda e olhos azuis penetrantes, chamou sua atenção. Ele estava oculto sob os trapos desgastados e também usava uma máscara, mas seus olhos mantinham um olhar fixo no rosto da rainha.
Curiosa e intrigada, Darci começou a se questionar sobre a presença do homem e o que ele poderia representar no meio dessa situação. No entanto, seus pensamentos foram interrompidos quando o homem repentinamente desviou o olhar, fixando-se no andar de cima do castelo, especificamente na janela onde Fred estava. Fred observava tudo o que acontecia lá de cima, sua raiva evidente enquanto seus olhos estavam fixados em Stephen.
As palavras de Fred ecoaram por uma das janelas do castelo onde ele estava, carregadas de desespero e medo. Era evidente que ele estava firmemente contra a ideia de permitir a entrada dos visitantes.
- Não permitam que eles entrem! Não permitam que eles entrem!
Marley tentou tranquilizá-lo, respondendo com calma:
- Vamos resolver isso da melhor forma, Fred. Mantenha a calma.
Maurice interveio, dirigindo-se a Fred:
- Fred, entendo que está preocupado, mas deixe que os adultos cuidem disso. Você é apenas um jovem e não deve se envolver nisso.
A tensão entre os residentes do castelo era evidente, cada um expressando suas preocupações e opiniões. O mistério por trás do homem e a reação intensa de Fred acrescentaram um elemento imprevisível à situação. A decisão a ser tomada poderia influenciar o destino de todos no castelo.
- Fique calmo, Fred! - ressoou uma voz no fundo do tumulto. Era o homem albino, cujos olhos azuis estavam fixos na rainha Darci. - Meu nome é Stephen, e sou irmão de Lility. Pode confiar que quando entrarmos aqui, tudo será tranquilo. Estamos dispostos a ajudar e até mesmo aprimorar seu castelo em sinal de gratidão, meu amigo.
As palavras de Stephen flutuaram no ar, trazendo um breve alívio à tensão que dominava o ambiente. Seus olhos, uma mistura de calma e confiança, fixaram-se nos rostos atordoados dos residentes. Darci, Marley e os outros olharam para o homem com surpresa, suas mentes girando enquanto tentavam entender as complexas camadas da situação.
Após as palavras de Stephen, os membros do castelo se reuniram novamente em um círculo tenso. Os olhares de desespero que vinham de Lility, Stephen e os demais acompanhantes deles eram palpáveis, refletindo a incerteza do momento.
As mentes dos residentes do castelo estavam abarrotadas de pensamentos conflitantes. As escolhas tomadas até aquele ponto ecoavam, e a promessa de ajuda e mudança trazida por Stephen pairava no ar, envolvendo-os em uma atmosfera densa de considerações.
Darci, com seu semblante real, mas preocupado, olhou ao redor da sala, capturando cada olhar. Era uma reunião crucial, onde as decisões que moldariam o futuro seriam discutidas.
Após todos pensarem bem, com a autorização de Darci, os visitantes foram admitidos no castelo. No entanto, à medida que entravam, suas atitudes começaram a parecer suspeitas. Alguns deles lançavam olhares furtivos, enquanto outros mexiam nervosamente em suas roupas. O homem albino, Stephen, permanecia atento a tudo, o que apenas aumentava a sensação de inquietude.
Enquanto os moradores do castelo os observavam com cautela, um dos visitantes abruptamente sacou uma arma e apontou para os soldados da guarda real, sinalizando a reviravolta iminente. Antes que alguém pudesse reagir, mais membros do grupo revelaram armas ocultas, e a situação evoluiu rapidamente.
Maurice, Erick e a guarda real foram pegos de surpresa, incapazes de conter o ataque repentino. As palavras de Fred agora ecoavam com uma intensidade assustadora na mente de todos.
O objetivo dos invasores era tomar o controle total do castelo e subjugar aqueles que já residiam lá. Sua ambição era tão desmedida que não buscavam apenas refúgio, mas almejavam a completa apropriação do castelo.
Um caos avassalador tomou conta do grande salão. Os visitantes que haviam fingido ser necessitados revelaram suas verdadeiras intenções, desencadeando um conflito violento que rapidamente se alastrou. O combate se espalhou, com objetos sendo arremessados e o som de disparos ecoando pelo ambiente.
Marley e Beckie agiram com rapidez, garantindo a segurança de Fred e Kiara, enquanto a rainha Darci observava o tumulto com determinação. O homem Stephen, antes um mistério, agora estava no meio da ação, sua atitude revelando um papel fundamental.
Enquanto a casa tremia com o som da guerra, as escolhas feitas até aquele momento agora determinavam o destino de todos.
A tragédia se abateu sobre o grande salão quando Erick foi atingido por um golpe fatal vindo de Lility. Ele caiu nos braços de Maurice, seu amigo mais próximo, cujos olhos se encheram de dor e fúria diante da perda repentina.
A intensidade do momento causou uma reação instantânea em Maurice, que exclamou com raiva contida:
- Eu vou me vingar por isso... Eu vou matar todos eles... Todos!
A devastação da perda de Erick, combinada com a traição e o caos que se desdobravam, havia empurrado Maurice para além de seu limite. A promessa de vingança refletia a profundidade de suas emoções, enquanto ele lutava para conter a ira que crescia dentro dele.
Naquele instante, O castelo se transformou em uma cena de caos e destruição que nunca antes havia testemunhado. O caos e a batalha haviam deixado marcas indeléveis, e a imagem que agora se desenrolava diante dos olhos da rainha Darci era uma que ela jamais imaginara. O sangue derramado e a devastação eram testemunha das escolhas tomadas e das consequências que se seguiram.
Enquanto o tumulto se dissolvia gradualmente, Darci olhou ao redor com uma expressão sombria, percebendo que abrir a porta do castelo para os visitantes havia sido um erro trágico . Era um momento de profunda realização para ela. A percepção de que seu castelo nunca mais seria como antes a inundou, trazendo consigo a compreensão de que tudo estava destino a mudar.
No meio da devastação e do caos, a promessa de ajuda e reconciliação de Stephen ecoava nas mentes dos presentes. As fundações do castelo, outrora um símbolo de segurança e harmonia, haviam sido abaladas de maneira irreparável, era inegável que as vidas de todos ali dentro nunca mais seriam as mesmas.
A rainha permaneceu parada e em silêncio por um momento, absorvendo a magnitude das palavras e dos acontecimentos que moldariam o futuro. E foi nesse momento que ela compreendeu que a paz que antes desfrutara em seu castelo nunca mais seria recuperada novamente.
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CONTÍNUA.
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Proximo capítulo: Capitulo I - Manhã Amarga.
cc