Ellohen - Capítulo 1
Nos limites do reino de Andher, a aurora se despertava em toda a sua magnitude. A primeira luz do dia banhava a paisagem com um brilho dourado, enquanto a suave brisa acariciava as árvores, que se curvavam em reverência. Folhas verdejantes dançavam no ar, seguindo um ritmo harmonioso e encantador. Era uma manhã de uma beleza indescritível, um convite à contemplação e inspiração. Os Boques de Tür, com suas árvores ancestrais e a serenidade que permeava cada centímetro daquela floresta sagrada, compunham um cenário de tirar o fôlego. O lago cristalino de Balöar refletia o céu com perfeição, suas águas serenas convidando os viajantes a se perderem em suas profundezas. E as imponentes montanhas de Avaronte, majestosas e grandiosas, pareciam tocar o próprio céu. Aquela tríade natural era reverenciada pelo povo como a Tríade da Alvorada, símbolo de pureza, inspiração e mistério.
Em meio àquela atmosfera encantadora, dois jovens se moviam silenciosamente entre as árvores, cada passo calculado, arcos e flechas firmemente empunhados. Seus olhares estavam fixos em um ponto distante, como se enxergassem além do que os olhos comuns podiam alcançar.
- O que você acha, Hyta? – sussurrou o jovem magricela de olhos azuis da cor do lago cristalino de Balöar, claramente aguardando a aprovação de seu companheiro.
- Acho que esse serve. Deve dar o bastante para o banquete. – respondeu o outro em baixo volume de voz, mas com um ar de certeza, embora parecesse, mesmo que por uma fração de segundo, que não havia tanta confiança assim. – Muito bem, Ellos! Você cerca pela minha esquerda, mais adiante, para um disparo de segurança. Caso o meu não seja o suficiente. – concluiu o jovem Hytanör enquanto assentia com a cabeça para Ellos, que prontamente retribuiu o aceno ajeitando o par de óculos que relutava em deslizar por seu longo e esguio nariz.
- Certo! Vou indo...
E lá se foram, em suas estratégias para buscar o banquete que serviria de moeda de troca por um punhado de corins, talvez o suficiente para poderem se divertir no grande evento que se avizinhava. Era um dia animado para o reino de Andher, protetorados adjacentes, tribos e caravanas de muitas partes do continente de Vandar convergiam mutuamente em andança para a celebração do dia. O Festival das Sete Luas ascenderia pela primeira vez em muitos anos o seu Millör Primordial. Mas para Hytanör, era apenas um dia como outro qualquer: bebedeiras, boas conversas e histórias para se contar. Nada mais. A animação de verdade estava neste momento da atividade de caça, fazendo o que gosta e na companhia de um bom amigo.
Ellos movimentava-se sorrateiramente por entre as plantações a fim de não emitir qualquer tipo de ruído. Embora muito esforçado, era nítido a pisada forte e desajeitada que Ellos produzia na caminhada até sua posição, deixando marcas que qualquer rastreador, recém-ingressado de um atenari, poderia identificar até mesmo em dias de tempestades. Hytanör sorriu levemente com alegria genuína enquanto via o amigo esgueirando-se por entre as matas desengonçadamente. Claramente não havia nascido para fazer aquilo, mas o fazia por amizade, para estar presente e apoiar seu amigo.
- Bom, vamos lá... agora é comigo. – falou Hytanör consigo e concentrou toda sua atenção no cervo consideravelmente grande e imponente, à apenas alguns metros de distância. Com uma força fora do comum para sua idade, Hytanör tensionou a corda do arco para trás o máximo que pôde e levou seu punho esquerdo para frente a fim de balancear a força que empreendia do outro braço. A flecha descansava, preparada, na mão firme de Hytanör. O rosto gélido e esguio, porém belo para os padrões, juntamente de sua expressão austera e serena gerava um forte contraste que resumia bem sua personalidade. Seus longos cabelos escuros como a noite pareciam estar acompanhando os movimentos de preparação, balançando ao sabor do vento, prontos para acompanhar a flecha em sua trajetória, enquanto seus olhos verdes-escuros espelhavam a imagem do cervo distraído e pacífico com tanta determinação que um simples piscar de pálpebras poderia estragar aquele momento.
A mira estava precisa, ventos favoráveis, visão clara e sem obstáculos e a força na medida certa. Nada poderia impedir Hytanör de acertar seu alvo, agora estático. No segundo em que os dedos começaram a se desgarrar lentamente da corda, uma surpresa que tomou seu corpo, o fez disparar antecipadamente para uma direção inesperada.
- Haaaaaa!!! – ouviu-se de uma voz feminina não tão desconhecida enquanto a mão pousava sobre seu ombro direito.
- Aaaaaahhhhhh!!!!
O susto desestabilizou Hytanör a ponto de desequilibrar-se por um instante e cair de joelhos na mata virando-se rapidamente para ver o que tinha acontecido. Mas quem havia o atrapalhado? Sua fúria já estava no limite. A ponto de... – Mas quem...? – pensou e neste momento viu a bela jovem, de cabelos longos e loiros reluzentes cuidadosamente trançados, segurando ferozmente a gargalhada pela situação cômica causada – Lori... O que você...? – indagou Hytanör ainda atônito pelo susto.
- Desculpa, Hyta, mas não resisti! – a contração do sorriso genuíno estampado em seu rosto era tão grande que praticamente escondia seus olhos por detrás das pálpebras. – Eu vi vocês aqui tão concentrados e... Aí, pelos Selüs! – a jovem de uma beleza ímpar e olhos azuis cristalinos, agora nítidos e arregalados, estava sem palavras. - Hyta… O Ellos! – tremulava ela enquanto apontava sua delicada mão branca como a neve do sul de Vandar em direção a Ellos, que a essa altura estava saltitando com um pedaço de pano de sua roupa rasgada em uma de suas mãos. A flecha agora instalada na árvore onde ele se escondia revelava que por pouco Hytanör não acertara uma de suas... nádegas! Ellos ainda agitado e de olhos esbugalhados voltava correndo para perto dos dois enquanto o cervo disparava desesperadamente em direção a parte mais densa da floresta.
- Ellos! – exclamou Hytanör
- Talácci! Você quase acertou a minha bunda, Hyta! – esperneou Ellos.
- É... desculpa, Ellos! Não foi por querer, ela me...
- Olha a boca, Ellos! – repreendeu a jovem.
- Talácci, Lori! Por que fez isso? – retrucou Hytanör que de um instante de preocupação passara para o estado de ira.
- E você também! Jovens, educados e respeitosos, que são o futuro de Sant Sovhen não podem faltar com modos. – tentou Lorihenne dar uma lição que mais parecia uma inteligente manobra para mudança de alvo do assunto.
- Verdade, Lo...
- Quieto, Ellos! – assim ele interrompeu o sorriso no canto da boca de Ellos que começara a se formar - Não venha com essa! – continuou ele apontando agora para Lorihenne que o olhava com um ar sabidamente falso de inocência. – Perdemos nosso provedor de corins! E agora?
- Calma, gente! Eu posso conseguir um cervo para vocês. – a jovem que usava roupas leves de um tecido nobre e adornos prateados, claramente de uma càthedra de alto escalão, levantou e balançou os braços como que se tivesse encontrado a solução para a situação. – Não precisam ficar se matando de tanto caçar.
- Você sabe que não gostamos disso, Lorihenne. Não é por isso! Gostamos da caça e do sentimento de aventura que o momento nos proporciona. Não é, Ellos? – argumentou Hytanör com o tom de voz elevado e agora encarando Ellos, que ainda segurava o pano de suas vestes rasgado. Sua roupa não era de nobre, mas era de uma boa proteção de couro, diferente de Hytanör que sempre usava roupas de baixíssima proteção, mas que lhe garantiam mais agilidade.
- É...
- Você vai ficar do lado dele, Ellos?
- Não... quer dizer... Eu tenho que ir atrás do cervo! – disparou Ellos mais rápido que a flecha que quase o acertara antes, sumindo por entre os arbustos.
Hytanör suspirou e contou até dez antes de voltar a encarar a bela Lorihenne. Era difícil ficar bravo com ela. Sua beleza, que gerava suspiros na maioria dos jovens em Andher, também o afetava de tal forma que deixava Hytanör sempre muito desconfortável. Sua personalidade serena, extrovertida e responsável também impressionava o jovem, pois mesmo sendo uma amiga de càthedra mais elevada, ela sempre o tratara com igualdade e respeito. Esta combinação de beleza e personalidade deixava Hytanör muito desconfortável, mas ao mesmo tempo, o fascinava e o atraía. - Você me tira do sério às vezes, Lori! Sabia?
- Eu sei. - com um leve sorriso no rosto e um ar de serenidade que fez Hytanör expurgar a irritação de momento que transbordava em seu âmago. - Você até me chamou pelo nome. Lorihenne. Quase nunca me chama assim. Só quando está bravo mesmo. - finalizou ela com um sorriso genuíno.
- É... - engasgou-se ele - eu fiquei, por um instante. Mas é difícil com você. - o sorriso contagiante de Lorihenne causou mais uma vez um desconforto em Hytanör.
- Eu vim falar com você também sobre outra coisa. - revelou ela já retraindo o sorriso e serenando mais suas expressões.
- Sobre o quê?
- Meu pai... ele me perguntou de sua resposta sobre o ingresso no ateneu?
A face de Hytanör que já exibia um semblante de calmaria segundos atrás, agora transformara-se rapidamente em uma expressão de revolta diante do questionamento.
- Pensei que esse assunto já havia sido encerrado, Lori! Já disse a você! - o ateneu de Sant Sovhen sempre fora o maior objetivo de vida de Hytanör. Ingressar em uma instituição militar de tamanho renome traria uma vida de elevados padrões perante a sociedade, a mudança de patamar financeiro e a satisfação de ter uma vida repleta de conhecimentos e aventuras.
- Mas Hyta, pense bem...
- Já disse que não! Não quero ser beneficiado por ingressar em Sant Sovhen porque seu pai cobrou alguns favores. Não serei respeitado dessa forma. Já não basta ter o nome e a história de minha família me assombrando todos os dias? - exclamou Hytanör levando os olhos para o céu límpido e ensolarado refletido nas águas cristalinas do lago ao fundo, o que formava um cenário imponente e inspirador. No entanto, Hytanör não conseguia desfrutar da beleza daquela paisagem, pois a mancha de seu passado o perseguia e o assombrava. Ele evitava olhar diretamente para Lorihenne, como se buscasse esconder a sua vergonha.
- Eu sei que você tem sua ética e moral, Hyta. Mas não deixe o orgulho atrapalhar o seu futuro. - disse Lorihenne ao tempo que levava o toque de suas mãos macias ao esguio rosto de Hytanör, inclinado e direcionado para as nuvens que bailavam pelos céus límpidos, trazendo-o para a direção de seu olhar. - Não é demérito nenhum você receber ajuda quando precisa. - completou ela com uma voz carinhosa e afável.
O calor, agora, suave das mãos de Lorihenne envolveu o rosto de Hytanör, penetrando profundamente em sua alma e causando uma onda de emoções incontroláveis. Hytanör sempre se perguntara do porquê Lorihenne estar sempre lá, se importando e cuidando dele. Ela era uma figura ilustre na sociedade, com inúmeros admiradores a seus pés, então por que ele era o privilegiado com tanta atenção? Embora tenham sido amigos desde a infância, passaram-se dez anos sem se verem antes do retorno de Hytanör a região de Andher, mais especificamente à Vila de Taran. Quando crianças, haviam feito um juramento de amizade eterna, mas isso já fazia tanto tempo. Será que esse juramento ainda tinha algum significado? Muitas coisas mudaram e acontecimentos fatídicos cruzaram em suas vidas, mas Hytanör nunca se esqueceu de Lorihenne. Ele se perguntava se o que sentia por ela era recíproco, se sua amizade era apenas isso ou havia algo mais profundo e verdadeiro?
Lori... eu... - antes que pudesse completar, Hytanör e Lorihenne foram surpreendidos por uma modificação repentina no clima tornando-o mais feroz e intempestivo. Ao tempo em que Ellos emergia por de dentro das matas do bosque e ofegante. O que gerou uma reação um tanto quanto esquisita por parte dos dois, como quando crianças pegos em uma das várias peças que pregavam.
Ellos não se importou, ou não percebeu. Seu semblante trazia muito mais aflição do que costumeiramente ele expressava.
- Hyta... a vila... - balbuciava Ellos, mas o ar que lhe faltava em seus pulmões não permitia que as palavras se encontrassem com facilidade.
- Calma, Ellos! O que houve? - Hytanör logo se prontificou a escorar o amigo direcionando-o a sentar-se repousando sob uma das árvores e assim recuperar o ar que lhe faltava.
Os três estavam agora imersos em uma atmosfera de perplexidade diante da repentina mudança climática. Uma chuva insperada e de gotas finas havia se abatido sobre eles, como se o céu chorasse lágrimas fugazes. O ambiente que antes era sereno e tranquilo havia se transformado em um cenário de tempestade imponente. O céu, outrora límpido e radiante, agora estava encoberto por densas nuvens carregadas, que se estendiam por todo o horizonte. A luz do sol, antes tão vibrante e acolhedora, era agora bloqueada pelos véus cinzentos que dominavam o firmamento. Relâmpagos rasgavam o céu, iluminando a paisagem com faíscas elétricas que brincavam no ar. O som do trovão ecoava poderosamente pelos arredores, fazendo tremer o solo sob seus pés. Cada trovão era como um rugido desafiador, despejando sua força e energia no ambiente. O estrondo retumbante era acompanhado por flashes de luz que cortavam o céu, criando um espetáculo aterrador, porém fascinante. A chuva, embora fina, caía de maneira implacável, como uma cortina de gotas cristalinas que se precipitava dos céus. Cada gota, ao encontrar o solo, produzia um ruído suave, mas constante, que se misturava ao barulho dos trovões e ao sussurro do vento agitado. As gotas salpicavam a terra e as folhas das árvores, criando um cenário de umidade e frescor, contrastando com o clima anteriormente sereno.
- Respire primeiro e depois fale com calma. - orientou Lorihenne agora ajoelhada ao seu lado e examinando-o meticulosamente em busca de qualquer sinal de concussão ou ferimento.
A respiração fora ficando cada vez menos acelerada nos instantes seguintes para logo após se sentir mais disposto a falar.
- Tem alguma coisa estranha acontecendo em Taran. - falando quase que desesperadamente. - Está uma confusão lá na vila. Não sei o que houve, mas parece que os Carmesin fizeram uma zona de proteção em torno de algo que eu nunca tinha visto antes. Não sei explicar! Uma forma de amital mágyko flutuante e que parece estar ligado de alguma forma a essa mudança do clima.
- Como assim, Ellos? Amital mágyko? Flutuante? - indagou Hytanör aflito enquanto seus olhos se encontravam com os assustados de Lorihenne. Embora aquilo parecesse surrealista demais para se crer.
- Eu sei que parece loucura, mas foi o que vi. - retrucou Ellos quando percebeu o espanto nos rostos de seus amigos e ao ouvir suas palavras em voz alta. - Ao perseguir o cervo, o avistei já perto da vila e aí foi quando eu ouvi gritos, discussões e um grande alvoroço entre os aldeões. As pessoas pareciam assustadas - a mão gélida e trêmula de Ellos agora repousava sob sua testa como se não quisesse deixar a cabeça se desprender do resto de seu corpo. - Não vi e nem entendi direito, mas a força mágyka daquele amital me deixou assombrado... não era um poder mágyko de um amital qualquer que estamos acostumados, era algo diferente, algo que me deixou temeroso. - revelou o jovem teimando em afagar suas mãos angustiadas.
- "Vô!" - pensou anestesiadamente Hytanör em uma reação natural já que a Vila de Taran era onde residia juntamente de seu avô.
- Será possível uma fenda? Aqui? Tão perto de Andher? - aquelas palavras estremeceram a todos. Somente imaginar a possibilidade de uma fenda umbral tão perto de Andher era inimaginável e aterrador. Ouvia-se falar nos grandes feitos dos tridentes de Sant Sovhen em diversos cantos de ellohen, mas nunca houvera um caso de uma aparição de uma fenda tão próxima de algum reino ou protetorado.
Aquilo mexeu com Hytanör e Lorihenne que ainda se entreolhavam incrédulos diante do relato de Ellos. A dúvida e o temor pelo que pudesse estar ocorrendo tão perto permeava pelo semblante dos três. Ainda mais para Hytanör que não pensava em mais nada a não ser pelo bem estar de sua única família.
Hytanör encarou os dois e, com uma inesperada lufada de coragem e serenidade, escolheu as palavras com cuidado para seus amigos.
-Lori, você é a pessoa mais responsável e confiável que conheço. Por favor, leve Ellos de volta a Andher. Acredito que seu pai já deva estar ciente do ocorrido ou já estará quando você chegar. - direcionou ele demonstrando uma calmaria sincera nas palavras. - Confio em você para cuidar dele e tomar a decisão certa.
- Mas e você? - perguntou ela aflita.
- Vou à vila e procurar por meu avô. E tentar entender mais sobre o que está acontecendo. - respondeu ele com a maior firmeza e coragem possível e que poderia um dia ter. Era necessário e importante para Hytanör que nenhum de seus amigos corressem perigo por conta responsabilidades que não lhes pertenciam.
- Não! Você não pode ir sozinho! - exclamou Lorihenne exalando mais preocupação do que nunca demonstrara antes.
- É meu avô que está lá! É a única família que tenho. Tenho que saber o que está acontecendo. - explanou o jovem agora com suas mãos apoiadas em cada um dos ombros de seus amigos tentando lhes passar coragem e confiança. - E se os Carmesin estão lá é porque só pode ser algo sério.
- Nós vamos com você! - As trêmulas pálpebras de Lorihenne translucidava um misto de revolta e preocupação genuína. Talvez pelo fato de Hytanör sempre se pôr de escudo em situações de perigo, sempre disposto a minimizar qualquer tipo de dano ou impacto negativo aparente em sua vida.
- Isso! - se prontificou Ellos concordando ao tempo em que os dois já se prostavam de pé, irredutíveis a quaisquer que fossem os argumentos posteriores vindos de Hytanör.
- E ponto final! - concluiu ela antes mesmo de dar a oportunidade de Hytanör se contrapor.
Mesmo relutante, Hytanör sentiu aquelas palavras de forma confortante e encorajadora por sentir ali, mais do nunca, que tinha amigos de verdade. E também por saber que não convenceria os dois de mudarem de ideia.
- Tudo bem! Mas quero que prometam que não vão se arriscar. Não quero causar problemas para vocês. - consentiu ele percorrendo com seus olhares cada um dos rostos atentos, capturando a preocupação e a força indelével da amizade que haviam construído ao longo dos anos.
Então, os três partiram rapidamente em direção à Vila de Taran, ávidos por compreender a verdadeira natureza dos acontecimentos. Enquanto Hytanör corria, sua mente era tomada pelas memórias do seu amado avô, um homem de idade avançada, porém cheio de vigor, que sempre colocara os interesses da vila e de seu neto acima de qualquer ambição pessoal. Um ser gentil e afetuoso, que conquistara o coração de todos os moradores. Por que todos estavam tão abalados? O que seria essa poderosa "mágyka" mencionada por Ellos? Seria ela realmente uma Fenda Umbral? Essas questões ecoavam em sua mente, alimentando sua inquietação.
Numa dança acelerada, os passos de Hytanör e seus companheiros se entrelaçavam entre as linhas imaginárias de seus pensamentos fervilhantes, ecoando o ritmo das batidas frenéticas de seus corações. A cada passo, a cada respiração, aumentava a temperatura de sua corrente sanguínea, um fogo ardente que impulsionava sua sede por respostas. E finalmente, diante de seus olhos atônitos, revelou-se a Vila próxima, envolta em uma aura de agitação e suspense. Uma multidão se amontoava ao redor de uma imponente barricada, uma pequena muralha que servia como fronteira entre a normalidade e o desconhecido, entre a segurança e o mistério. Era ali que Ellos tentara transmitir o inexplicável, e agora, Hytanör e seus amigos se uniam à multidão sedenta por respostas, prontos para enfrentar o que quer que se escondesse por trás daquela barreira impenetrável.
Uma serpente mágyka verde-florescente, com contornos luminosos e vibrantes, elevava-se do solo como uma entidade viva. Sua forma sinuosa e hipnótica estendia-se no ar, serpenteando e torcendo-se em movimentos graciosos. Os raios de luz que emanavam dela cintilavam em uma sequência deslumbrante de cores, pintando o céu como um espetáculo mágyko. Cada curva e cada dobra da linha de mágyka parecia pulsar com energia vital, enviando ondas sutis de amital que envolviam a todos os presentes. O vento que emanava dessa entidade etérea varria o ambiente, balançando árvores e levantando folhas em uma dança frenética. Os murmúrios e suspiros de assombro ecoavam entre a multidão, enquanto todos tentavam compreender a natureza extraordinária daquela manifestação. A visão deslumbrante da forma mágyka deixava uma impressão inextinguível na mente de cada espectador, revelando a magnitude do mistério que envolvia aquele evento. Era como se uma porta para outro mundo se abrisse diante de seus olhos, despertando a curiosidade e o temor diante do desconhecido.
Hytanör observou com olhos perspicazes a cena que se desenrolava diante dele. Enquanto a multidão se dispersava em uma mescla de medo e curiosidade, alguns aldeões se afastavam cautelosamente, buscando a segurança de seus entes queridos. Outros, movidos pela inquietação e pela necessidade de compreender o inexplicável, se aproximavam com passos hesitantes. A Guarda Carmesin, imponente e disciplinada, formava uma barreira firme entre os curiosos e o enigma silencioso. Seus mantos vermelhos e armaduras polidas refletiam a luz do sol, contrastando com o verde vibrante da mágyka que exalava do amital luminoso e imponente.
Como uma atração indissipável, a atenção de Hytanör se prendia aquela animalesca forma de amital oscilando no ar conforme a vontade dos fortes ventos. Como Ellos relatara, nunca tinha visto algo parecido na vida, mas misteriosamente sentia-se atraído na mesma proporção de sua inquietude, cada vez mais visceral.
Hytanör caminhou mais alguns passos em direção a multidão, mas o ar atmosférico estava denso, mais pesado e arrepiante a cada segundo na presença do amital misterioso. Um inesperado calafrio em seu corpo exacerbou-se quando da percepção de um som, quase que um cântico exótico, aos seus ouvidos, originado daquela existência. Era uma melodia distante, quase inaudível, mas que ressoava profundamente em sua alma. Enquanto a multidão ao seu redor parecia ignorar.
Aquilo deixou Hytanör paralisado, seus amigos o tentavam tirar do que mais parecia um estado de transe. Seu corpo parecia estranho, suas sensações turvas, mas havia algo familiar naquela experiência enigmática. Embora nada fizesse sentido naquele momento, Hytanör sentia uma conexão inexplicável com aquela presença desconhecida, como se estivesse sendo convocado por forças além de sua compreensão. Seria isso um chamado?