Ninguém vai a Lugar Nenhum - Parte 2

Capítulo 9: Dia quatro de algum mês de mil e tantos anos

Todos despertaram, haviam presenciado algo jamais visto anteriormente. Todos pareciam normais fisicamente, entretanto não eram mais os mesmos.

Os três continuam sua jornada. Ninguém refletia sobre as palavras da voz misteriosa e sentia algo familiar, uma conexão.

Peônia estava inquieta, nada disse, apenas suspirou com impaciência. Queria contar a Ninguém sobre o que deveria fazer, ou melhor, para onde deveria voltar.

A Concha permanecia em silêncio, não cantava, não falava, não soprava. Apenas existia, como uma concha comum deveria ser.

— Eu preciso voltar — disse Peônia de repente. — Preciso retornar ao meu lar, ao meu planeta.

Ninguém, confuso, questionou a decisão repentina de Peônia:

— Por qual motivo? Ainda temos que chegar a Lugar Nenhum, e você me disse que me acompanharia até o fim.

— Porque eu preciso, — respondeu Peônia. — Não posso seguir vagando pelo universo, conhecendo novas pessoas e planetas, sem antes me conhecer realmente.

— Mas conhece a ti mesma, tu se chamas Peônia, e contou-me que viria comigo. — Retrucou, com voz alterada.

— Eu digo que não me conheço. Não sei quem fui. Passei anos e anos da minha vida sozinha, apenas pensando em sair daquele planeta. Agora que saí, percebo que dependo dele, não posso abandoná-lo. Olhe para mim, Ninguém, como não percebe? — Disse a flor, enquanto apontava para suas pétalas murchas e sem vida, em estado crítico. — Estou apodrecendo aos poucos, dia após dia, como este planeta.

Ninguém ficou indignado. Como não havia percebido? Peônia estava sofrendo, estava morrendo aos poucos. Seu aroma já não era o mesmo, estava fraco e quase imperceptível. Sua voz doce e delicada estava fraca e rouca. Suas belas pétalas radiantes estavam caindo uma a uma de seu vaso. Restava apenas uma última pétala. A última pétala de Peônia.

Ninguém e os demais decidiram retornar a Myrodiá, o planeta de Peônia, para tentar revitalizar a flor e assim concluir sua jornada.

Capítulo 10: Dia dois no Planeta Myrodiá

Ao chegarem no planeta, os três foram confrontados por uma cena desoladora. O ambiente a sua volta estava cinza, árido e sem vida, completamente desprovido de qualquer aroma. Era evidente que o planeta dos cheiros estava em declínio, morrendo aos poucos.

Observando as rachaduras que se espalharam por todo o planeta, Ninguém percebeu que todas convergem de um único ponto: o jardim de sua Peônia. Determinado a ajudar, Ninguém pegou Peônia e colocou-a de volta no solo onde havia sido retirada anteriormente. Em questão de segundos, a flor começou a se recuperar, suas cores vibrantes retornaram, seu aroma encheu o ar e as rachaduras se dissiparam. O planeta voltou a pulsar com vitalidade e beleza.

Peônia expressou gratidão a Ninguém por compreender a situação, mas lamentou que não poderia continuar a jornada ao seu lado. Ninguém baixou a cabeça, contemplando a pequena flor com serenidade.

Para assegurar que não havia abandonado Ninguém por completo, Peônia ofereceu-lhe uma de suas delicadas pétalas, para que pudesse levar consigo o aroma que tanto encantava-o, onde quer que fosse.

Ninguém pegou aquela pétala, delicada como vidro e guardou-a com carinho. Um sentimento indescritível preenchia o peito de Ninguém, o jovem deixou o planeta para trás, e continuou seguindo em direção a Lugar Nenhum, com seu propósito renovado.

Capítulo 11: Dia cinco de algum mês de mil e tantos anos

A concha permanecia em silêncio, sem dizer uma palavra, e Ninguém decidiu questioná-la sobre o motivo de sua quietude.

— O que lhe aflige a bela Concha? — Perguntou com curiosidade.

A Concha permaneceu calada, sem emitir nenhum som, e Ninguém continuou a questioná-la.

— Porquê me ignoras? Não vais mais imitar o som dos mares ou baleias? — Prosseguiu.

A resposta da Concha foi sincera e triste:

— Sou apenas uma concha comum, não sou capaz de produzir som algum.

— Não és apenas uma concha, tu és uma concha especial, capaz de produzir o mais belo canto das baleias-jubarte. — Insistiu.

Então a Concha tentou, tentou e tentou, mas para sua surpresa, som algum pronunciou.

Ninguém ficou confuso e questionou novamente:

— Concha, o que houve? Onde está seu lindo som?

A concha, isolada em silêncio, havia retornado à sua verdadeira natureza, sendo apenas uma concha comum. Nada estava errado, tudo estava como deveria ser, afinal, ela havia desobedecido a grande voz, e um castigo nela se propagou, fazendo-a perder seu dom.

Ninguém não conseguiu compreender, então decidiu levar a concha de volta ao planeta de origem para que ela possa ficar em segurança Ali, deixou-a entre as outras conchas, todas mudas, aceitando que aquela era a verdadeira essência delas.

Capítulo 12: Dia seis de algum mês de mil e tantos anos

Ninguém estava sozinho, perdido em meio ao vasto universo. Seu tempo parecia estar se esgotando, e ele começou a questionar se tudo aquilo realmente valia a pena. O universo era impiedoso e cruel, e um mísero jovem sonhador não tinha lugar nele.

No entanto, em meio a todos os seus questionamentos, Ninguém avistou algo flutuando no vazio. Não havia planetas, estrelas ou cometas por perto, apenas aquela “coisa” solta pelo universo. Intrigado, Ninguém se aproximou da coisa e sentiu uma aura gélida emanando dela. A “coisa" tinha um tamanho médio e sua forma assemelhava-se a um cometa, enquanto seu material era gélido como o inverno.

Ninguém tentou diversas formas de abrir a “coisa", mas era muito resistente. Após inúmeras horas de tentativas, o jovem estava prestes a desistir. Foi então, ao apoiar-se nela, que Ninguém sentiu um movimento suave, como um pulsar de coração. Além disso, Ninguém notou que a “coisa" estava diminuindo, como se estivesse derretendo.

A cada toque, a “coisa" derretia um pouco mais, o jovem envolveu-se na “coisa” como se fosse um abraço reconfortante Pacientemente ele aguardou ali, esperando até que a “coisa” derretesse por completo.

Capítulo 13: "A coisa"

Ao derreter completamente, Ninguém sentiu um contato próximo, semelhante ao dele. Ao abrir os olhos, o jovem se surpreendeu ao notar algo incomum. Diante dele estava um ser que compartilhava características semelhantes às dele, ou nem tanto.

A “coisa" não possuía caule ou pétalas como Peônia, nem produzia o som dos mares como a Concha. Em vez disso, ela tinha braços, pernas, cabelos, olhos, boca e diversas outras semelhanças com Ninguém. Curioso, Ninguém cutucou a “coisa" na esperança de obter alguma resposta.

— Ei! O senhor é extremamente mal-educado! Como se atreve a me acordar de maneira tão rude? — Disse a “coisa" com uma voz leve e sonolenta, porém com tom irritado.

— Olá “Coisa", desculpe-me se interrompi seu sagrado sono. Me chamo Ninguém e estou em busca de Lugar nenhum. — Disse o jovem impressionado com o que estava vendo.

A “coisa” suspirou, agora um pouco mais calma, e disse:

— Como ousa chamar-me de "coisa"? Eu possuo um nome, você deveria no mínimo ter perguntado. E não o perdoo por interromper meu sono, estava prestes a chegar na à melhor parte do meu sonho.

Ninguém estava intrigado pela combinação de beleza e grosseria que a “coisa" apresentava. Então decidiu seguir o conselho recebido e perguntou-lhe o seu nome.

— Então diga-me, como você se chama?

— Me chamo Atélis, é um prazer conhecê-lo. Agora que você me acordou, terás que me aturar durante toda sua jornada. — Disse Atélis com uma expressão de desafio, despertando ainda mais a curiosidade do rapaz.

— Não há problema algum, afinal, estou procurando novas companhias para me acompanhar, já que me encontro sozinho novamente. — Falou, relembrando de suas últimas despedidas.

Os dois seguiram adiante, e ao longo do caminho, Atélis bombardeou Ninguém com inúmeras perguntas: "Onde fica Lugar Nenhum?" "Porque está indo para lá?", e muitas outras. No início, Ninguém se propôs a responder, mas conforme o tempo passava, ele percebeu que a curiosidade de Atélis era insaciável. Ele tinha encontrado alguém ainda mais curioso do que ele próprio. Ninguém queria responder a todas as perguntas, e ela as dele. Então juntos, decidiram firmar um desafio: Buscar as respostas para todas as perguntas que os intrigava.

Capítulo 14: Atélis

Atélis era agitada, curiosa, vivia sem rumo, deixando a vida levá-la. No entanto, seu mundo tranquilo foi abalado quando uma e foi abalado quando uma enxurrada de perguntas começou a invadir sua mente. À medida que os dias se passaram, essas perguntas assumiram um aspecto existencial, como: "Por que estou aqui?" "Para onde estou indo?" "Quem eu sou?" Mas Atélis não tinha respostas para estas questões, e por isso decidiu ignorá-las.

Certo dia, ao despertar em um lugar desconhecido, Atélis sentiu que não estava mais em sua casa. O ambiente era ao mesmo tempo estranho e familiar. Uma voz ressoou no local, iniciando um diálogo com ela:

— O que te motiva, jovem errante? O que te impulsiona a seguir adiante? — Disse a voz, majestosa e imponente.

— Nada — pensou Atélis. — Apenas pensamentos me cercam. — Arrogante, continuou seu caminho e passou a ignorar a voz que tentava se comunicar com ela.

Desapontada com essa atitude, a voz aprisionou Atélis em um casulo de gelo, e seguiu dizendo:

— Nesta prisão terás o entendimento. Tudo que precisas é adquirir conhecimento.

Atélis, ficou presa no casulo de gelo durante muito tempo. Para ela, foi um simples sonho, porém, fora do casulo passaram-se milhares de anos.

Capítulo 15: Às Perguntas

Sentados em asteroides na galáxia de Cartwheel, os dois continuaram a lançar perguntas um ao outro:

— Qual é a sua idade? — Questionou Ninguém — Definitivamente, sou mais jovem que o universo e mais velha que um recém-nascido, — respondeu Atélis, com clareza.

— Quem é você? — Questionou Atélis, mesmo já tendo feito esta pergunta anteriormente.

— Já lhe respondi esta pergunta, chamo-me Ninguém. — Ninguém disse com exatidão.

— Você é tolo? Perguntei quem você é, e não seu nome. — Rebateu Atélis.

Os dois permaneceram trocando perguntas, passando horas, ou talvez dias saciando todas as dúvidas. O tempo parecia não existir para eles enquanto se conheciam profundamente, criando um vínculo especial. Reviveram momentos bons, ruins, tensos e amenos. Riram, choraram e discutiram. Eram importantes um ao outro, sentiam uma necessidade de conversar mais, era viciante.

Sem mais perguntas a fazer, os dois prosseguiram com sua jornada, jornada que agora não pertencia apenas ao jovem rapaz, mas também a Atélis, que havia adotado esse objetivo. Após milênios, a garota finalmente encontrou um propósito de vida: encontrar Lugar Nenhum.

Capítulo 16: Affectum

Após atravessarem galáxias e viajarem por incontáveis sistemas solares, Ninguém e Atélis pousam em um planeta muito comentado chamado Affectum. Ao pisarem em solo affectuano, os dois puderam perceber a forte aura única e emocionante que o planeta exalava. Era como se todas as emoções do universo convergissem naquele lugar.

No entanto, os dois não sabiam distinguir suas emoções, apenas sentiram gostos e sensações variadas, algumas muito vivenciadas, outras nem tanto, porém não conheciam seu real significado.

Cada parte do planeta representa um aspecto diferente de suas experiências, criando uma paisagem extraordinária e cativante.

Nos vales, encontrava-se a tristeza, com rios serenos de lágrimas que fluíam suavemente entre as árvores melancólicas. Ninguém já havia sentido isso, sentiu quando se despediu de Peônia e quando sua concha se calou. Atélis também já tinha presenciado a tristeza, quando foi aprisionada em seu casulo.

As montanhas de Affectum eram feitas de amor, algo que lhes deixava com sensação de conforto e alegria, sentimentos que os levavam a ter outros sentimentos. Os dois já haviam presenciado o amor, ao criarem seu forte vínculo, criaram também um afeto um pelo outro, um amor em sua forte amizade, esse era o significado da grande necessidade que possuíam um pelo outro.

Enquanto caminhavam lado a lado, testemunharam cenas incríveis. Em um campo de flores radiantes, sentiram uma intensa sensação de felicidade. Ao atravessar uma floresta serena, experimentaram a tranquilidade que preenchia o ar. Havia também o deserto da raiva, com dunas ardentes e tempestades de fúria. No planalto da ansiedade, os ventos sopravam rapidamente, e as nuvens pareciam dançar nervosamente no céu. Os dois tinham vivido e sobrevivido por todos esses sentimentos. Acompanhados ou não, todos estes sentimentos haviam passado por suas vidas.

À medida que exploravam o planeta dos sentimentos, o vínculo entre Ninguém e Atélis se fortalecia a cada experiência compartilhada. Eles riram juntos na alegria, consolaram-se nos momentos de tristeza e encontraram força um no outro nas situações desafiadoras.

No planeta dos sentimentos, Ninguém e Atélis encontraram a verdadeira essência do que é amar alguém. Eles sabiam que, independentemente de onde os ventos do universo os levassem, aquele sentimento jamais se apagaria. Era um amor que transcendia o tempo e o espaço, um amor eterno e indestrutível.

E assim, Ninguém e Atélis seguiram sua jornada pelo universo, não mais como meros companheiros de viagem, mas destinados a viverem aventuras emocionantes e inesquecíveis juntos, em busca de novos mundos, novas experiências e, acima de tudo, em busca de Lugar Nenhum

E assim, os jovens aprenderam uma lição valiosa em Affectum: as emoções são a essência da vida, e é importante vivenciá-las plenamente, sem medo ou restrições. Com isso em mente, os dois partiram do planeta, levando consigo as memórias de um lugar que o ensinou a abraçar a riqueza de seus sentimentos.

Gabriel Lofy
Enviado por Gabriel Lofy em 24/11/2023
Código do texto: T7939068
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