Visitantes importunos

Meia-noite e meia. Adela estava prestes a se despedir de Sir Arthur Darrington, que fizera uma visita surpresa à livraria, quando viu um grupo de figuras de moletom e capuz começar a se aglomerar do lado de fora da loja. Para não deixar dúvidas sobre quem eram e o que queriam ali, àquela hora da madrugada, os moletons estavam estampados com a capa do mais recente livro do autor, "Fadas entre nós".

- Parece que vai ter a oportunidade de encontrar seus fãs em primeira mão - divertiu-se Adela. - Talvez possa ficar mais alguns minutos e me ajudar, dando alguns autógrafos.

- Bem... creio que ao menos posso convidá-los a entrar - ponderou Sir Arthur, dando uma piscadela para Adela.

O comentário pareceu totalmente inofensivo, mas algo na voz do escritor a fez mover a mão por baixo do balcão enquanto ele se dirigia à porta de vidro, diante da qual a aglomeração se tornava cada vez maior. Quando Sir Arthur estendeu a mão para a maçaneta, ela apertou um botão oculto. Imediatamente, uma treliça de ferro desceu do teto e isolou a porta de vidro do exterior. A multidão encapuzada recuou imediatamente.

- Acho que não são seus admiradores, Sir Arthur - disse Adela, enquanto recuava em direção à porta que levava ao setor administrativo da livraria. Antes de passar pela porta e trancá-la por dentro, teve tempo de ver a figura do escritor escurecer e espichar-se, como se fosse uma coluna de fumaça negra com dois olhos vermelhos como brasa. Ainda pôde ouvir duas pancadas surdas na porta, mas a peça, construída em sólido carvalho, resistiu. Adela correu para o escritório e tirou o telefone do gancho; quando encostou o receptor ao ouvido, percebeu que a linha estava muda: havia sido cortada.

- E essa agora... - murmurou a jovem, olhando ao redor. O que poderia fazer naquele tipo de situação?

O seu treinamento de bibliotecária lhe dava algumas opções, mas não sabia se isto seria o bastante para enfrentar a criatura antiga e perigosa que estava no salão da livraria. Finalmente, lembrou-se de que a resposta bem poderia estar nas páginas do livro que aparentemente desencadeara aquela sequência de acontecimentos inusitados: o próprio "Fadas entre nós". De fato, Sir Arthur Darrington reservara um capítulo inteiro para proteção contra as artes malignas do Outro Lado. Cautelosamente, deixou a segurança relativa do escritório e atravessou o corredor que levava até o depósito onde estavam os livros da pré-venda. Ao passar pela porta que dava para o salão, teve a impressão de ouvir um resfolegar do outro lado, mas por ora estava protegida. O problema é que nem ela, nem a criatura, poderiam sair da loja.

Dentro do depósito, apanhou um exemplar de "Fadas entre nós" e sentou-se numa cadeira num dos cantos. Começou a ler o sétimo capítulo, o qual começava com a descrição de algumas das entidades mais perigosas que alguém poderia ter a má sorte de encontrar pelo caminho. O tipo que estava aprisionado ali com ela, era muito provavelmente um "powrie", uma criatura mortal capaz de mudar de forma (como ela mesma havia comprovado) para entrar em lugares aos quais de outro modo não teria acesso. Mas os powries, como Sir Arthur destacava, não eram normalmente encontrados no meio urbano, só em florestas, ruínas e lugares ermos; também não eram conhecidos por sua elevada capacidade de planejamento, preferindo simplesmente ataques surpresa brutais e diretos. A responsabilidade pela incursão à livraria certamente era obra de alguém acima do powrie na hierarquia do Outro Lado, inclusive com o recurso aos encapuzados que muito provavelmente seriam entidades subalternas à espera de uma oportunidade para espalhar o terror dentro do estabelecimento - e, não duvidava, destruir tantos exemplares de "Fadas entre nós" quanto pudessem.

O mais estranho - e assustador - é que mesmo o povo do Outro Lado temia os powries, pois estes não faziam distinção entre aqueles e humanos como presas. Se o idealizador do ataque havia conseguido colocar uma daquelas criaturas ao seu serviço e enganar durante alguns bons minutos uma pessoa treinada como Adela, deveria ser alguém extremamente poderoso.

Também não havia um estado de beligerância declarado entre o Outro Lado e o mundo humano; a expansão humana pela superfície do planeta certamente irritava o Outro Lado, pela necessidade de compartilhar ou ceder lugares que até então eram exclusivamente de uso deles; atritos tornavam-se quase inevitáveis, daí a necessidade de abrigos como as livrarias abertas 24 horas, mas isso nunca havia descambado para uma agressão tão explícita quanto aquela em curso.

Alguém do Outro Lado estava trabalhando para criar um incidente capaz de romper o frágil equilíbrio entre os humanos e o povo das fadas, mergulhando o mundo num conflito de proporções imprevisíveis.

- [24-11-2023]