Ninguém vai a Lugar Nenhum - Parte 1

— Saudações, sou Ninguém, nascido e criado nas entranhas do cosmos. Estou em busca de aventura, perscrutando horizontes desconhecidos. Busco um lugar em que todos negam existir. Procuro por lugar nenhum! Anseio por desbravar os confins do meu habitat, saborear novas experiências, envolver-me em fragrâncias e captar os sons que permaneceriam inaudíveis dentro do meu redoma habitual. — Declarou o jovem com uma paixão contagiante.

Ainda na flor da juventude, Ninguém lançou-se em uma jornada à procura do Lugar Nenhum. Uma terra envolta em incertezas, onde sonhos se desvanecem e almas se perdem na desorientação. Pelo menos, é o que sussurram os rumores. No entanto, o jovem discorda de todos os boatos, e impôs atravessar os limites do universo para provar que está certo.

Capítulo 1: Dia um de algum mês de mil e tantos anos.

O jovem era desprovido de medos, destemido diante do desconhecido, caminhava sem rumo, mas com uma clareza interior sobre onde ir. Conhecia seu destino. Ninguém, embora carecesse de amores, emanava amabilidade. Amigável, apesar da ausência de amigos. Feliz, apesar da falta de motivos. Em sua jornada, encontrou planetas e cometas, alguns tão pequenos que caberiam na palma de sua mão.

Capítulo 2: Planeta Myrodiá.

Ninguém pousou em Myrodiá, um planeta de tamanho intermediário, profundamente acolhedor, enchendo seus pulmões com os aromas desconhecidos que o envolviam. Embriagado por essa mistura olfativa, o jovem avançou, desbravando aquele novo mundo. Ele experimentou uma gama de fragrâncias, desde flores e alimentos até odores de coisas das quais ele sequer sabia que tinham aroma. Encontrou cheiros cativantes e outros repugnantes, dos quais preferiria não tê-los conhecido.

Caminhando até um campo florido, repleto de uma diversidade tremenda de aromas, que variam dos mais marcantes aos mais sutis, Ninguém se deparou com um aroma particularmente impressionante. De flor em flor, de aroma em aroma, ele encontrou a mais bela do jardim, a mais delicada e perfumada. Ao tocar em sua base de para colhê-la, foi interrompido.

Capítulo 3: Peônia

— Ei! Um momento, quem é você e o que você está prestes a fazer? — disse a flor, assustada.

— Chamo-me Ninguém, e vou levar-te para minha casa, pois gostei do teu aroma.

— Não podes levar-me a tua casa! Isto seria um sequestro. — Retrucou a bela flor.

— Porque? — Questionou o jovem, pois aquele aroma realmente o agradava. — Tu és a flor mais bela e aromática dentre mil outros aromas.

— Fico lisonjeada — disse a flor. — Mas não podes tirar-me daqui, esta é a minha casa. Gostaria que lhe tirassem da tua casa?

— O universo é minha casa. — Comentou o rapaz. — Já que não posso te levar comigo, poderia me dizer como te chamas?

— Peônia, sou solitária por aqui. Há diversas rosas, tulipas e girassóis, todos conversam entre si, mas resta apenas a mim, Peônia, a única do jardim!

— Se é tão solitário, por qual razão permanece aqui? — Questionou o rapaz.

— Porque esta é minha casa. Nasci e cresci aqui, e aqui morrerei. Por qual motivo sairia de minha casa?

— Seu verdadeiro motivo desconheço, portanto, se deseja aventura, companhia e diversidade, venha comigo! Estou em busca de Lugar nenhum e minha viagem será longa. Tenho certeza de que não ficará entediada — alegou.

— A proposta é tentadora, eu admito, mas não quero causar-te incomodo — respondeu a flor, educadamente.

Ninguém encontrou algo semelhante a um vaso e replantou Peônia sem problemas. A flor acomodou-se e sentou-se confortável dentro do recipiente.

— Incômodo algum me causas Peônia. E então, pronta para partir? — Perguntou à formosa flor.

Com um simples gesto positivo, os dois partiram daquele planeta. Ninguém agora carrega consigo seu cheiro favorito: o aroma de uma Peônia.

Capítulo 4: Dia dois de algum mês de mil e tantos anos.

O jovem e sua flor continuam sua jornada pelo vasto universo, imersos em um diálogo fascinante:

— Disseste que estás à procura de quê? — Questionava Peônia.

— Lugar nenhum — respondeu brevemente o jovem. — Pois acredito que seja um lugar repleto de respostas para perguntas que ainda nem estão formuladas!

— Lugar nenhum! O refúgio dos desiludidos, perdidos e trapaceiros? Ora, por favor, diga-me que isso é uma piada de mau gosto! — Exclamou a flor, espantada.

— São apenas boatos, minha flor, apenas boatos. Eu espero provar que todos estão errados. — Disse o jovem, apontando sua rota para outro planeta.

Aflita, a flor desfaleceu nos braços do rapaz e começou a murchar lentamente. Ninguém acelerou em direção ao planeta mais próximo e aterrissou sem muita reflexão.

Capítulo 5: Planeta Íchos

Chegando ao planeta, Ninguém foi aficionado por um zunido breve e agudo, seguido por uma cacofonia de sons provenientes de várias origens. Cantos de pássaros, a melodia suave da chuva e outras harmonias invadiram seus ouvidos. Agora, ele podia ouvir o sofrimento de Peônia, que murchava lentamente em seus braços.

— Peônia, minha flor, qual é o som que te alegra? — Indagou Ninguém, com preocupação.

A flor, enfraquecida e debilitada, respondeu com uma voz rouca e baixa, inaudível para Ninguém.

Pela primeira vez, o jovem sentiu medo, algo desconhecido. Era como se um aperto forte comprimisse seu peito, medo de não sentir novamente o aroma de sua amada Peônia, medo de perdê-la.

Explorando minuciosamente o planeta, Ninguém encontrou uma fonte sonora, uma caixa que emanava sons pelos ares. Um desses sons, uma música clássica, a Quinta Sinfonia de Beethoven, ecoava pelo espaço. Peônia recuperou um pouco de cor ao ouvir a melodia, embora continuasse murcha.

Enquanto descobria outros sons ao seu redor - o som dos mares, os cantos encantadores das sereias, o farfalhar das folhas das árvores - No entanto, Ninguém não esqueceu sua missão naquele planeta: ajudar Peônia.

Completamente abatida e enfraquecida, a flor perde uma de suas pétalas, como se fossem lágrimas de sofrimento.

— Baleias — comentou Peônia, extremamente debilitada, retornando ao seu adoentado silêncio.

O rapaz não obteve respostas, apenas gemidos de sofrimento. Então, se pôs a interrogar cada um dos sons do planeta, mas permaneceu sem respostas.

Frustrado, o jovem sentou-se à beira do mar. Ali, escolheu o som do oceano, um dos sons que mais o encantavam. Subitamente, Peônia desabrochou com intensidade e esplendor, revelando sua verdadeira essência, uma flor mais vibrante do jardim.

— O que aconteceu? O que te deixou tão animada? — Perguntou Ninguém, expressando sua tremenda preocupação.

— Como não podes ouvir a linda canção das baleias jubarte? — Exclamou Peônia, transbordando de euforia.

O rapaz fechou os olhos e se concentrou. Em meio ao silêncio, iniciou-se uma melodia suave e delicada de dentro do mar, o canto da baleia jubarte, proferido com uma graciosidade indescritível.

Peônia brilhava, resplandecendo como uma estrela, rejuvenescida pela canção do majestoso animal.

— Sinto o tempo congelar ao ser presenteada com esta canção — expressou a flor, em um tom de pura paixão.

Capítulo 6: Senhorita Concha

— Venha até mim, venha — ecoou uma voz desconhecida. — Gostas do som dos mares?

Ninguém se abaixou, buscando a origem da voz. Encontrou a fonte sonora: uma concha. Respondeu à estranha fonte sonora:

— Sim, de fato, o som dos mares me cativaram. Mas por que você me pergunta isso? — Indagou o rapaz à Senhorita Concha.

— Sou a Senhorita Concha, e posso oferecer o som das éguas, se me carregares contigo — Propôs a concha.

— E há mais — Acrescentou a senhorita Concha, procurando persuadi-lo. — Posso também fornecer-lhe o canto das baleias que ouviste. Se tiver dúvidas, coloque-me perto do seu ouvido, e verá que não falo em vão.

Ninguém apanhou Senhorita Concha e a aproximou em seu ouvido, como ela havia sugerido. O sussurro da concha o encheu de alegria, embora não compreendesse plenamente a razão desse sentimento.

O jovem repleto de admiração e surpresa, respondeu à talentosa Concha:

— Seu sussurro é idêntico ao som dos mares. Mas o que a torna única entre as demais conchas aqui? — Perguntou ele.

— O que me diferencia das outras? — Repetiu a pergunta, fingindo não ter compreendido a pergunta. — Assopre-me e chame Peônia para testemunhar.

O rapaz seguiu as instruções, chamou Peônia e assoprou a concha. Ao som do sopro, Peônia brilhou intensamente, resplandecendo. A Senhorita Concha reproduziu com perfeição o canto das baleias.

— Então, jovem Ninguém, posso acompanhar sua jornada? — Indagou a Senhorita Concha, orgulhosa.

Com um gesto afirmativo, os três partiram daquele planeta. Ninguém e Peônia agora carregavam consigo seus sons favoritos: o som dos mares e o canto das baleias.

Capítulo 7: Dia três de algum mês de mil e tantos anos.

Os três continuaram sua jornada, e ao longo dela testemunharam diversos planetas, cometas e estrelas. Peônia espalhava seu aroma delicado pelo universo, Senhorita Concha sussurrava o canto das baleias enquanto Ninguém sentia algo incomum dentro de si. Enquanto as duas permaneceram viajando, Ninguém se tornou-se imóvel, sem dar mais um passo. Peônia e Concha voltaram em direção a Ninguém e o questionaram sobre o que estava lhe perturbando.

— Sinto-me estranho. — Respondeu. — Sinto que estão me arrancando algo: Minha essência, o meu… eu.

Após essas palavras, as duas compreenderam o que Ninguém estava tentando expressar. Era como se algo estivesse em falta nelas, como se um vazio se abrisse no âmago de seus seres. Esse vazio se expandiu implacavelmente, até que em um instante, os três se dissiparam por completo.

Capítulo 8: Grmnnu Luhae

Os três surgiram em algo semelhante ao vácuo: sem sons, sem luz, sem aromas, sem matéria, sem vida, apenas com seus pensamentos. Ou o que restou deles.

I

Ninguém

— Olá? — Disse Ninguém em busca de obter alguma resposta. — Onde estou? — Sua voz ecoou pelo ambiente vazio e não retornou a ele, como se naquele lugar peculiar não existisse um fim.

Uma presença tomou conta do espaço, transformando a escuridão em claridade pura e inquietante. Juntamente dessa presença, uma voz prosseguiu:

— De tempos em tempos o desconhecido assim se mantém, quem és tu? Nobre viajante chamado Ninguém. — A voz reverberou em cada átomo do corpo do jovem.

Ninguém tentou pronunciar palavras, mas falhou repetidas vezes. Suas respostas permaneceram apenas em seus pensamentos, e a voz parecia compreendê-las.

— Minha dúvida não é sobre seu desejo, quero saber o que estás disposto a sacrificar, isto é o que de fato almejo. — A voz comunicava-se de maneira enigmática e misteriosa, porém, Ninguém conseguiu entendê-la.

Ninguém respondeu novamente em pensamento, e a voz ouviu atentamente cada palavra.

A voz mostrou perplexidade com a incompreensão do jovem. — Seus gostos não são eternos. O que está vivo hoje, um dia morrerá. O que é novo agora, em breve envelhecerá. E o que está de passagem, assim permanecerá. Tudo o que de fato necessitas, dentro de ti sempre estará. — A voz enigmática e rítmica foi breve e profunda. Suas palavras acabaram despertando algo novo em Ninguém, ou melhor, transformou Ninguém em alguém.

Antes mesmo de receber alguma resposta, a voz concluiu:

— Procure pelo seu sacrifício. Procure pelo que têm em comum. Procure por…

II

Peônia

Peônia buscou desesperadamente por todos, seu aroma era inexistente naquele lugar e seu vaso havia se perdido naquela imensidão vazia. Uma de suas pétalas partiu de seu corpo e aos poucos as outras começaram a ceder.

A voz enigmática surgiu para Peônia e disse:

— Não podes ser carregada pela eternidade. Deves permanecer onde pertences de verdade. — Aquelas palavras atingiram Peônia como golpes, e duas de suas pétalas partiram.

Peônia caiu em silêncio, enquanto a voz continuou calmamente: — Deves abandonar tudo que é óbvio. O seu destino é tornar-se caleidoscópio.

III

Concha

Ao contrário dos demais, a Concha não se deparou com um vazio completo, ela estava em um lugar que se assemelhava à sua casa, estava em frente ao oceano.

A voz misteriosa não teve cordialidades e logo proferiu:

— Não poderás seguir com cantos dos outros, reconheça aqueles que merecem suas pratas e ouros.

A Concha compreendeu a provocação breve da grande voz, e sentiu-se arrependida, então calou-se.

Gabriel Lofy
Enviado por Gabriel Lofy em 12/11/2023
Reeditado em 24/11/2023
Código do texto: T7930372
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