Como deveria ser o outro caminho
(Baseado em fatos fictícios)
Eu gosto muito do silêncio verdadeiro das madrugadas. Quando a cidade quase inteira está dormindo. Poucos lugares fazendo barulho, conversas intermináveis a respeito de bobagens do cotidiano. Eu gosto de admirar o lívido sentimento da ausência de palavras e de gente.
Minha residência fica longe do centro, mas todos que vão ao centro da cidade, passam pela porta da minha casa perfeitamente construída para evitar o barulho exaustivo das ruas: carros, motos, pessoas, cachorros, crianças; o terror das viaturas policiais e das ambulâncias neurastênicas.
Minha doce mãe era uma mulher autêntica em suas virtudes, tanto que no primeiro ano de casamento notou que o seu marido, meu pai, não era digno de sua existência de esposa. Logo ficamos sozinhos, minha mãe e eu. Ela trabalhava muito: professora de reforço escolar, revendedora de cosméticos, roupas íntimas. E eu assistindo desenhos, ouvindo músicas de melhor qualidade como: MPB, Bossa Nova, os discos de Sinatra, Roberto Carlos, Agnaldo Timóteo. Muita qualidade de voz e canção se espalhavam pela nossa residência.
Um dia, creio que em janeiro, ela me deixou para ir ao infinito celeste que há em outra dimensão. Fiquei aqui solitário, magoado com a vida, com o mudo, com as pessoas. Quanto mais tempo ficava longe de seres humanos, menos problemas eu deveras tinha.
Doei todos os discos de vinil que tínhamos, o som 3 em 1 da National. Doei por não aquentar ver os elepês já gastos e amontoados num canto do quarto. Comprei um computador, o advento da internet gerou-me uma lista das melhores canções que faziam parte de minha infância, adolescência e agora a fase envelhecida de meu ego.
Moro numa casa sozinho. A solidão é um fragmento primordial para quem não aceita conviver com outros que pensam e agem anos luz diferentemente da gente.
Posso gritar, dançar, chorar, arrotar, peidar, ficar pelado, levar a garota mais perfeita naquele momento e ver ao céu estrelado gozando o melhor que a vida pode presentear para um solitário humano nesta terra de fantasias.
Há dois caminhos diante de nós e eles são fáceis de encontrar, mas difíceis de escolher. Só iremos saber o melhor quando a gente acorda e sente que há um sol de verão numa tarde primaveril e alimentada numa noite de outono entre as manhãs de inverno.
Numa noite dessas que a gente sofre por estar pensando demais nas guerras humanas validadas por bestas feras, eu olhava na parede vetusta de minha pequena biblioteca a fotografia amarelada onde se registrava importantes pessoas de minha vida: minha mãe, minha avó, minha tia e meu cachorrinho Pretinho. Era tanto silêncio que eu ouvia o borbulhar de meus neurônios e o pulsar arquejante de meu coração. Era tanto silêncio que a saudade me empregava e as mãos trêmulas desobedeciam quando eu tentava pousá-la para escrever o último poema.
Tenho medo da morte. Não o medo de desconhecer para onde iremos, mas o medo de saber que o nosso corpo irá virar aquilo que a gente não aquenta imaginar. A gente se vai materialmente e quando deixa algo de interessante marcado aqui, pode ser que se eternize mediante as lembranças. É triste vivermos e não marcar sua existência neste mundo. Pelo menos positivamente. Eu creio que meus poemas, minhas anotações, minhas aspirações, meus ideais serão sempre, mesmo que pouco, lembrado por alguém que passou em minha vida.