Aquilo que perdemos no meio do caminho
Aquela era a melhor hora do meu dia. O interior da estação era muito diferente de tudo o que havia do lado de fora. Acho que todo lugar é assim, na verdade. Lugares e pessoas.
— Olá, Rose, onde vamos hoje? — disse a guia de trem.
— Oi, Bia! Não sei… Hoje quero descobrir novos mundos. — Não tinha certeza de que era isso que queria, mas tentei parecer convicta.
— Ótimo! Então, vamos lá. — Bia era alta e magra, com óculos de aro grosso, equilibrado na ponta do nariz, e vivia com um bloco de notas e uma caneta.
Atravessamos a estação sem pressa, olhando os trens e lendo as placas de destino. Todas extremamente interessantes, mesmo que algumas parecessem perturbadoras.
Bia apontou para um trem pequeno cuja placa dizia: Vale das Bonecas. Levantou as sobrancelhas em interrogação, então dei de ombros e entrei. Não parecia perigoso nem intimidador.
Sentei em uma poltrona na janela. Adorava ver o trajeto. Era minha parte favorita da viagem. Não o destino, mas a jornada.
O trem deu um tranco e começou a deslizar devagar, no início, e, depois, numa velocidade agradável, não tão rápido que desencorajasse apreciar a paisagem, nem tão devagar que a tornasse entediante.
O trajeto era sempre incrível. Vales escarpados, desertos aterradores, montanhas encantadas, oásis amaldiçoados, vilas adormecidas. Várias dimensões do espaço, tempo e universos paralelos.
E o trem atravessava tudo com elegância e conforto. E com uma guia particular, é claro. Bia anotava tudo. Nunca soube o quê. Escrevia rápido, sem desviar os olhos de mim.
A velocidade foi diminuindo gradativamente e eu sabia que estávamos chegando. Não gostava dessa parte. Sair do trem e entrar nos lugares.
Suspirei e levantei. Encararia com mais coragem e determinação daquela vez. Não voltaria correndo para o vagão assim que as coisas ficassem difíceis.
— Então, Rose, o que você vê? — A caneta estava pronta para escrever minha resposta.
— Vejo bonecas. De todos os tipos e formatos. Elas estão em grupos, parece que separadas por tipos de brincadeira.
Tudo parecia de brinquedo, o céu de um azul vibrante, o sol de plástico, árvores, grama, flores, casinhas, tudo de brinquedo. E as bonecas, todas do meu tamanho.
— O que sente olhando para elas?
— Ah, sei lá! Nostalgia, talvez. Quando era criança ia adorar esse lugar, mas agora é meio sem graça.
— Por quê?
— Ué, porque cresci, não me encanto mais com brinquedos. Acho que perdi a imaginação necessária para desfrutar de uma boa brincadeira.
— A vida real é mais interessante?
Olhei para ela, irritada.
— Bem, não, né. A vida real é uma droga.
— Por quê?
Ela sabia como me tirar do sério.
— Ah, você sabe… Trabalhar para sobreviver, trânsito, poluição, violência, desonestidade. Falta de alegria, amor, compaixão.
— E sempre foi assim?
— Acho que não. — Olhei ao redor, cheguei perto de um grupo de bonecas que estavam em um picnic. — Quando era criança, as coisas eram diferentes.
— O que acha que mudou?
Vi as bonecas sorridentes, contentes com suas guloseimas de plástico.
— Acho que parei de me encantar com as pequenas coisas. Tudo tem que ser grandioso, ter um sentido cósmico ou um valor absurdo para me encantar agora.
— Mas isso te trouxe felicidade?
Sentei com as bonecas. Peguei um pedaço de bolo. Fechei os olhos. Tentei lembrar como se brincava. Ao abrir os olhos, o bolo em minha mão era de verdade. Chocolate meio amargo, com recheio de morango.
O sol estava quente e o céu brilhante. As bonecas eram minhas amigas. Fazia anos que não tinha amigos de verdade, só colegas e conhecidos.
— Não… Só me trouxe frustração.
Bia fechou seu bloco de notas. Era hora de voltar, já havia entendido o propósito do Vale das Bonecas.
Embarquei no vagão e voltei para o meu lugar, pensativa. Quando eu havia perdido o real sentido da vida? Ainda havia muitos lugares para explorar, muito o que aprender, inúmeras formas de amadurecer e evoluir.
Voltamos para a estação, que estava vazia àquela hora. Havia sido uma viagem produtiva. Era hora de voltar para a realidade. Agora um pouco menos ruim.
— Fez um ótimo trabalho hoje, Rose! Te vejo na semana que vem.
Saí, como sempre, mais leve e contente. Esperando ansiosa pela próxima viagem.