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O Chamado

 

Conheci uma garota maravilhosa de olhos vibrantes num castanho esverdeado, cabelos castanhos encaracolados e com aquele sorriso de “calma que vai dar tudo certo” que me pegou de jeito. Ela me chamou para ir visitar um ‘camping’ que ela e umas amigas iriam fazer perto de uma das belíssimas cachoeiras que tem na região de Serra dos Cristais.

 

Sou um cara muito curioso e aberto a novas experiências, mas, como os hormônios às vezes falam mais alto que a sagacidade, acabei exagerando um pouco.

 

Demorei um pouco para chegar ao local, mas o esforço valeu a pena. Quase não acreditei quando cheguei ao lugar marcado. Ela estava lá, linda, do jeito que veio ao mundo, sorrindo para mim enquanto se banhava no lago que se formava logo abaixo da queda d'água. Deixei minhas coisas próximas às dela, joguei minha camisa ao alto e mergulhei de cabeça em sua direção.

 

Não imaginava o quanto a água estava gelada... nem que havia uma rocha debaixo d’água!

 

O impacto me deixou atordoado... Estava entorpecido, sem entender ou saber direito o que estava acontecendo. Minha cabeça latejava devido ao impacto é já não sentia mais o meu corpo. Tudo foi ficando escuro e frio... uma escuridão e um frio tão intensos que parecia não ter fim.

 

Não sei quanto tempo se passou ou que estava realmente acontecendo. Ao longe, vagalumes dançavam na escuridão e cresciam como se fossem velas que iluminavam cada vez mais. Foram aumentando, crescendo... aquelas luzes tremulantes tomavam proporções quase que humanas, e suas chamas partiam de onde ficaria o coração, parecendo de certa forma com asas esvoaçantes.

 

Aqueles seres iluminavam bem o que antes era pura treva. Para mim, isso sim foi um problema! Pois antes, tudo era sombra e desconhecido. Agora, vejo formas fantasmagóricas e animalescas rastejarem por todo o lugar. Algumas, que mais pareciam homens vestidos com peles de animais e cobertos por musgos ou lama que apenas me observavam. Olhos vermelhos brilhantes me encaravam, como bestas esperando o momento certo para atacar a sua presa.

 

Olhei ao redor  e não saberia dizer se era dia ou noite. Havia um disco que brilhava parcamente no céu, mas as nuvens eram tão densas e escuras que embaçavam completamente a visão. Parecia que uma serpente gigante queria romper aquele véu de nuvens e devorar todo aquele lugar.

 

Aqueles seres brilhantes de luz tremulante apenas olhavam para mim. Eles também guardavam alguma distância. Isso parece ridículo, apenas nesse momento percebi estava flutuando logo acima do meu corpo inerte. Eu morri? Desmaiei? Que diabos estava acontecendo? Isso é um pesadelo? Fumei algo que deu ruim?

 

Aqueles seres flamejantes me passavam uma mistura de sentimentos conflitantes de medo e segurança. Não sabia o que eram ou de onde vinham, mas eram eles que não deixavam os outros seres trevosos se aproximarem.

 

Senti uma forte presença atrás de mim. Virei e me assustei com o homem de branco que brotara “do nada” bem ali do meu lado.

 

- Venha falar comigo – e ele me estendeu a mão com uma espécie de cartão, que brilhava na mesma cor dos seres que ouso chamar de “anjos”. Nesse objeto estava escrito Uriel e, no verso um círculo com várias coisas escritas.

 

Esses mesmos “anjos” começaram a se aproximar de mim. Mas o calor que vinha deles era insuportável. Não sabia se pedia para eles se afastarem ou se saia correndo dali. Deveria aceitar aquele cartão? As outras criaturas também se aproximavam cada vez mais, apenas para me mostrar o quão repugnantes eram: estavam cobertos de lama, lodo e carne podre, possuíam tentáculos, garras e membros disformes que surgiam dos bolos daquela matéria imunda. Eles pareciam me insultar, queriam me devorar, me prender, me consumir. Podia sentir que gritavam palavrões em minha mente, enquanto a imagem daquele homem de branco permanecia estática na minha frente segurando aquele cartão. Uma imagem que ficava cada vez mais translúcida.

 

Por puro e simples reflexo, peguei o cartão. Um choque junto com uma luz e um clarão me jogaram no chão novamente, como se fosse acertado por um raio.

 

Urrei de dor e levantei meus braços tentando sair dali, ou, quem sabe, tentar voltar ao meu corpo, rasgar o véu daquele pesadelo maldito e voltar a realidade?

 

O médico que acabara de aplicar o desfibrilador cardíaco olhou para mim. Por um instante nossos olhares se cruzaram e, naquele momento, pude ouvir claramente a frase: “O paciente retornou, graças à Deus! ”. Tive a impressão de que toda a equipe falou algo do tipo ao mesmo tempo. Contudo, o som não saía de suas bocas, mas sim ecoavam diretamente na minha cabeça.

 

Apenas fechei meus olhos. Parecia que tinha levado uma surra. Só acordei na manhã seguinte.

 

Acho que estou ficando louco, mas poderia jurar que estou lendo os pensamentos das pessoas. Na verdade, não sei exatamente no que acreditar: se ouço pensamentos alheios, espíritos ou se o impacto na minha cabeça me fez desenvolver algum sintoma esquizoide.

 

E, para completar esse pandemônio em que me meti, estou aqui por causa de cartão estranho que surgiu na minha carteira. Quem sabe esse tal Uriel vai me ajudar? Meu maior medo é de estar ficando louco... há momentos que posso jurar ver alguém pelo meu canto de olho e, se eu piscar muito rápido, às vezes surgem uns vultos em forma de gente meio que grudado nas pessoas. Melhor parar por aqui, senão eu mesmo vou me internar num manicômio.

 

Bem, essa roda de conversa é boa e eu já falei o porquê estou aqui. E vocês, por qual razão? Ele não vai atender a gente não?

 

 *    *    *

 

Nesse exato momento, meu corpo todo gelou, pois senti uma presença muito forte que falava na minha mente: "Fico feliz que tenha atendido ao meu chamado". Logo após, os demais participantes começaram a contar seus causos.

 

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Manassés Abreu
Enviado por Manassés Abreu em 09/10/2023
Reeditado em 03/04/2024
Código do texto: T7904516
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