Pedras do poder e do amor

Era uma vez uma pedra encantada capaz de conceder poderes quase ilimitados a seu portador. Guerras foram travadas para obter esse tesouro e todos os seus donos usaram-no de maneira egocêntrica. Por isso, aventureiros roubaram a preciosidade e usaram sua magia para dividi-la em duas e escondê-la na natureza novamente. Assim, cada metade teria muito menos força.

 

Após divididas, as partes começaram a ser vistas diferentemente. Pois as pessoas achavam que, ao serem partidas, seus poderes se perderam. Sugiram então várias associações entre as pedras e almas gêmeas, e logo todos os poetas se apaixonaram por elas. Muitos ricos enfeitiçados pelo amor já tentaram encontrar as duas para presentear o alguém querido.

 

Mas assim que descobriram ainda haver magia nelas, mesmo em menor intensidade, as brigas começaram de novo. Os donos das pedras foram corrompidos pelo poder e muitas pessoas foram roubadas ou mortas por terem uma delas em sua posse. Raramente as metades ficavam juntas. Afinal, já era difícil manter uma, que dirá duas?

 

Não era todo mundo que sabia da pouca magia restante nas pedras divididas e alguns cientes eram descrentes. Ademais, com o avanço tecnológico, aqueles feitiços mais simples já não eram tão atraentes. No fim, foi só uma introdução para entenderem a história da Tatiana e do Juliano…

 

Aconteceu quando as mulheres tinham muito menos direitos do que atualmente. Por isso, elas tudo que podiam fazer era servir seus maridos. Não era uma situação muito agradável para Margarida, mas ela não fazia do tipo revolucionária. Sempre tentou estar dentro dos conformes e ensinou sua filha, Tatiana a fazer o mesmo.

 

Infelizmente para a mãe, seguir as regras não foi o suficiente para uma relação harmônica com seu marido. Foram muitas brigas até que, enfim, ele deitou-se com outra. Descobrindo isso, Margarida ficou irada e tratou de denunciá-lo a todos que conhecia. Esperava ao menos manchar a imagem deve, porém o tiro saiu pela culatra. Colocaram a culpa nela, insinuando ter seduzido de menos seu companheiro.

 

Fazendo ou não o tipo revolucionário, aquilo foi a gota d’água. Cega pela raiva de uma pessoa traída e abandonada, matou o pai de sua filha. Foi facilmente descoberta, até porque nem por um segundo tentou esconder suas atitudes. Ficou presa até o dia da execução, pois sim, naquele lugar era olho por olho e dente por dente.

 

Seu único consolo era ter salvado seu bem mais precioso: uma das metades da pedra encantada. Poderia usar aquele tesouro para escapar, porém a culpa por seu crime a corroía e ela preferiu dá-lo à sua filha, a qual em breve seria órfã.

 

— Minha querida, pegue este colar e fuja, o orfanato é inútil. Você já tem 13 anos, ninguém lhe adotaria. Este pingente é uma das metades da lendária pedra encantada, graças à sua magia, conseguirá viver bem. Procure a outra metade e terá o poder absoluto.

 

— Pedra encantada lendária? Poder absoluto? Do que está falando? Mãe! Mãe! — gritava a mais nova enquanto puxavam a mulher para longe.

 

Não restando outra perspectiva para Tatiana, ela colocou o colar e tentou descobrir como usar sua magia. Como não conhecia a lenda, não sabia nem com que tipo de preciosidade estava lidando. Temia jamais conseguir manipulá-la e ficar na pobreza.

 

Para sua sorte, era bem simples. Não era necessário nenhum conhecimento de alguma língua morta, a pedra era capaz de sentir os desejos de seu dono atual e atendê-los. Algo muito prático, que ela só descobriu depois de estar dois dias sem comer e receber subitamente algumas fatias de pão. Restava praticar o controle sobre os feitiços e partir em busca da outra metade.

 

Já não havia mais esperança para si, não tinha família, não tinha dinheiro e não tinha habilidades manuais. Encontrar a outra metade da pedra deu-lhe uma nova razão de vida e, se o poder que conseguiria controlando as duas partes fosse tão grande assim, poderia trazer sua mãe de volta e dar-lhe uma vida de rainha.

 

Sua progenitora já tinha sofrido muito e a única coisa que mantinha Tatiana ligada a uma causa era salvar-lhe. Poderia aparecer no dia do enforcamento e levá-la para longe com seus poderes de feiticeira, mas seria uma solução temporária bem ruim. Afinal, iriam tornar-se fugitivas e aquela pedra não tinha tantas possibilidades assim, apenas conseguia evocar alguns itens.

 

O problema seria encontrar a outra metade, poderia estar em qualquer ponto do mundo. Talvez estivesse com os moradores da casa pela qual acabara de passar. O desespero dominou seu corpo. Todavia, as pedras não eram associadas às almas gêmeas por acaso. De algum modo ainda estavam conectadas, e Tatiana sentiu isso. Enfim, havia uma pista para a outra metade.

 

As indicações eram bem enigmáticas e ela sentia que nunca conseguiria, mas era melhor um objetivo impossível do que nenhum. Usou o poder para evocar um barco capaz de atravessar o oceano, porque seu pressentimento era de que a outra metade estava muito longe dali, em outra terra e outro mar.

 

O tédio foi seu maior inimigo, pois conseguia materializar roupa, comida, água e o que mais fosse necessário. Não sabia ler, então tampouco adiantaria conseguir um livro magicamente. Devido a isso, todo o seu tempo era dedicado em dominar os poderes do amuleto e decifrar a estranha conexão entre as metades. Já que provavelmente precisaria enfrentar alguém poderoso para alcançar seu desejo.

 

Juliano era um sujeito das ruas e nunca teve uma família ou, se teve, não se lembrava. Cresceu no orfanato, do qual fugiu aos 10 anos. Sua vida melhorou muito a partir dali, porque foi quando encontrou um dos bens mais valiosos de todo o mundo: uma das metades da pedra encantada lendária.

 

Depois de ter a posse do artefato, jamais teve alguma dificuldade na vida. Fugiu do orfanato para ser líder dos bandidos na rua. Ele era um homem temido no bando, pois a pedra lendária lhe dava poder o suficiente para acabar com quer que se opusesse a ele. Os invejosos torciam todo dia para que alguém com a outra metade aparecesse e o enfrentasse, porque apenas essa pessoa teria alguma chance contra ele.

 

Apesar do perigo de expor a pedra para qualquer um roubar, ele nunca a tirava de perto de si. Nem mesmo para tomar banho. Assim, estaria sempre acessível quando precisasse e seria mais intimidante do que seu corpo cru, considerando seu porte físico ordinário.

 

Algo que talvez o tornasse menos vilanesco fosse o fato de não ter saído em uma busca da outra metade da pedra, como muitos de seus donos antigos já haviam feito. Ele sentia-se como um rei em seu pequeno bando de bandidos e isso parecia ser o bastante no momento. Mas seria o suficiente para sempre?

 

Tatiana não soube como agir quando finalmente encontrou o grupo. Ela deveria parecer fraca e não levantar suspeitas ou parecer imponente para ser temida e respeitada? Gastava seus últimos minutos antes de entrar no beco torcendo para a pedra estar perdida e não ser necessário enfrentar ninguém.

 

No fim, decidiu não levantar suspeitas e entrar com a maior cara de donzela perdida, o que se mostrou um erro. Mal entrou no beco e já estava rodeada por homens, todos de faca na mão. Ela já estava pronta para usar magia e encarar aquele grupo, quando viu alguém com um colar similar ao seu. Se ele não tinha a outra pedra no pingente, não sabia quem tinha.

 

— Ora, ora, ora… O que temos aqui… — Juliano caçoava. — Ela não parece ter nada de útil para pegarmos, mas cavalo dado não se olha os dentes. Vai servir para alguma coisa. — Ele tinha um olhar de malícia. — Afinal, tem um belo corpo… Como é seu nome coisinha bonita?

 

Tatiana percebeu que precisava parecer intimidadora para conseguir a pedra. Deveria revelar-se como uma forte e grandiosa feiticeira, alguém que assustasse aquele homem. Ela deveria ser a imponente dona da outra metade da pedra encantada lendária.

 

— Eu sou Tatiana, portadora de uma das metades da pedra mágica e vim aqui para pegar a sua parte e alcançar o poder absoluto. — gritou determinada e, logo depois, usou seus poderes para livrar-se do cerco.

 

— Nunca imaginei que fosse tão fácil achar a outra metade, jamais pensei em tentar temendo ser impossível… Que ironia! Não podia ser mais fácil. Além do pedaço vir até mim, veio no corpo de uma mulher! — ele disse rindo. — O poder absoluto já é meu.

 

Ninguém sabe direito o que houve depois, são tantas versões que eu não teria como contar uma delas tendo certeza de que é a verdadeira. Quando os donos das metades da pedra lendária enfrentaram-se, foi poder demais para meros mortais como eu, você ou os meninos que seguiam Juliano conseguirem sair ilesos.

 

Contudo, se querem ouvir um final romântico para a batalha dos dois feiticeiros das almas gêmeas, fiquem sabendo que quase todas as versões concordam que o feitiço de Tatiana matou Juliano ao mesmo tempo em que o feitiço de Juliano matou Tatiana.

 

Imagino que queiram saber o que aconteceu com os dois pedaços, pois bem. Ao descobrirem que os dois estavam mortos, todos os seguidores do falecido começaram a brigar entre si para ficar com as pedras. Era uma confusão total, alguns deles caíram desmaiados, outros estavam com todo o corpo sangrando.

 

O destino que as pedras receberam na verdade foi bem bobo. Os homens estavam tão preocupados em acabar com os oponentes que os corpos de Tatiana e Juliano ficaram esquecidos até o último cair. No fim, as pedras perderam-se novamente por muito tempo, porque quem encontrou os corpos jamais poderia imaginar o poder guardado nos pingentes daqueles colares.