O SER e o TER

O SER e o TER

Miniconto - Darcy Brito

-

- Olá, amigo TER, quer trocar de lugar comigo?

- Por que, amigo SER?

- Porque SER é muito difícil. Não me sustento, a toda hora tenho que mudar.

- Explique-se, amigo SER. Se você muda então você não é, apenas está.

- Como eu posso ser tantos ao mesmo tempo? Às vezes sério, às vezes alegre, às vezes triste. Para eu ser precisaria ficar indiferente, introspectivo, sossegado.

- Ah! Mas não seria monótono? Veja eu. A toda hora uma novidade! Tenho muitas coisas e estou sempre querendo mais. Se abuso de uma coisa logo surge outra. Não paro. Insatisfação é o meu nome. Mas, pensando bem, essa inquietação é muito cansativa também. . Você não iria gostar.

- Poderíamos fazer uma experiência. Se só SER é monótono e só TER é cansativo poderemos nos associar. Quando você cansar de tanto TER eu lhe empresto o meu SER para você sossegar e você me empresta o seu TER para eu fugir do SER.

- É arriscado amigo. Você pode não ter retorno, pois quando se tem dificilmente se quer perder. O mais difícil é o desapego para voltar a ser.

- Arrisco experimentar se você topar. Quem sabe vai ser uma boa experiência para nós dois? Além de divertido.

- Façamos o seguinte: vou parar por uns tempos o TER. E você escolhe algumas coisas que eu já tenho e fica com elas. Se eu não sentir falta delas nem desejar outras, por enquanto, é sinal que poderemos fazer um acordo. Eu assumo o seu SER, provisoriamente, só para experimentar, combinado?

- Combinado. Vamos ver o que você tem, ou o que me interessa.

- Fique à vontade amigo SER. Escolha o que quiser, mas lembre-se de devolver caso eu solicite. Vou fechar os olhos e ficar na minha enquanto SER e você TER.

E assim foi feito.

O Ser ficou inebriado com os bens materiais do Ter e incorporou tudo: Carrão, celular avançado, roupas de grifes, televisão de última tecnologia, cartão de crédito, etc. Pegou tudo, se vestiu bem, entrou no carrão, e saiu para dá umas voltas, andou por vários lugares, fez novas amizades, conquistou vários amores, e nem lembrava mais do SER , que tinha deixado dormindo.

Cansado de esperar, o SER perguntou se não estava na hora de devolver o que tinha tomado emprestado do TER.

-Ainda nem comecei a sentir o gostinho do TER e você já está me cobrando? Durma mais um pouco.

- Tudo bem, fique à vontade. O Ser está me deixando mais leve, acho mesmo que estava precisando de um descanso, de um relaxamento.

- E eu de uma injeção de ânimo. Vou trocar de carro, celular, e comprar roupas novas. Quando chegar a hora lhe devolverei tudo.

- Não demore muito porque você corre o risco de não me encontrar quando voltar.

Mas o TER nem ouviu o que o Ser falou, e continuou nas suas aventuras e buscas de novos bens materiais. Até que um dia se viu com um problema muito sério de saúde que fez seu corpo definhar, e mesmo usando todos os recursos que tinha tomado emprestado do Ter, de nada adiantou. Foi quando ao se olhar no espelho, e não se reconhecer, perguntou:

Quem é você?

E o espelho respondeu: eu sou o SER, que esperou muito tempo por sua volta.

E onde está o TER?

Eu é que pergunto, onde está o TER?