Eternidade Suspensa
Chego exatamente as 7:17 na padaria. Chego nesse horário todos os dias e sento na mesa de canto. Ela é longe da TV o bastante para que eu não ouça as notícias, as quais são sempre as mesmas. Quase as decorei. O sabor e o cheiro do café queimado de manhã são algumas das poucas coisas que ainda me deixam satisfeito nessa vida.
A atendente pergunta o que quero comer às 7:21. Ela deveria se lembrar de mim, mas não… Peço, como de costume, um café preto sem açúcar e um pão na chapa.
Um pedido simples, mas que sempre dá errado. Já até estou acostumado a tomar café com açúcar…
Abro meu maldito bloco de notas e começo a pensar em como terminarei esse dia. Há algumas palavras sombrias e desesperançosas nesse bloco de notas, e quase todas estão com uma marcação de que já foram feitas.
Já faz o quê? Dez anos? 100?
Seria o purgatório ou é isso que acontece quando todos se esquecem de você ou alguma divindade começou a brincar com a minha existência e também se esqueceu de mim. Não sei ao certo o que causou isso, mas estou preso nesse mesmo dia há muito tempo.
As primeiras vezes que revivia o mesmo dia foram emocionantes. Sem medo das consequências, experimentei inúmeras aventuras e desafios. No entanto, o peso do tempo passou a me corroer, me deprimir. Ninguém parece se lembrar de mim, e essa falta de conexão humana é sufocante. Se eu dormir ou morrer, tudo recomeça.
Estou determinado a encontrar uma saída, mas minha esperança já está quase extinta. Testo diferentes formas de encerrar minha existência, acreditando que talvez a morte seja a única liberdade desse purgatório sem sentido.
Quando o meu pão chega, dou a mordida, o pão está quente, tomo o café, mais quente ainda, queimo o céu da boca, mas…
— Moça, MOÇA! — Ela se vira e diz
— Ah, me lembrei de você. O seu café chegou certo hoje?