A última parada
As nuvens desapareciam do céu, dando lugar ao infinito estrelado irradiante. No rosto de Marquinélia o cansaço de uma tarde árdua. Ela roía a unha o tempo todo, cuspindo cada pedacinho ao vento; estalava muito os dedos. Marquinélia não conseguia entender o porquê de tanto atraso, o motorista costumava ser pontual. Finalmente o ônibus chegou, um sorriso cansado despertou-se no seu rosto. Lá se vai mais um dia.
A beleza de Marquinélia era estonteante; seu sorriso era celeste, calmo como um dia de chuva fina. Quando a moça conversava, todos paravam para escutá-la, de tão calma, determinada e eloquente que era.
No entanto, depois das desavenças com Carlos Eduardo, indignou-se com a vida. Reclamava de tudo. Aquela menina doce e prestativa tornou-se muito amarga. E quando não se sentia bem, ia lá no salão, pedia para que lhe cortasse o cabelo, fizesse umas mechas; outras vezes, para que lhe tingisse com castanho escuro. Parecia um castigo atribuído às suas belas madeixas, agora ressecadas. E a moça que outrora despertava olhares, agora vive encurvada, com pensamentos de dor.
Começaram a ferver ideias de que seu amor não voltaria, ainda mais que estava de caso com a elegante colega de classe, Helena. Uma mulher firme e bem decidida na vida. Já na sua segunda graduação, Direito. Era daquele tipo de mulher maravilha: sempre tem tempo para trabalhar, estudar, malhar e cuidar da pele. Formada em Contabilidade, atendia vários clientes, o que lhe gerava um bom dinheiro. A garota dos sonhos. —Como que Edu, apelido carinhoso que a Marquinélia deu a Carlos Eduardo, não se encantaria com tamanha formosura, tipo morena tropicana. Incutiam cada vez mais dentro de si tais pensamentos. Por causa deles, passou a mutilar a alma com imagens horrendas a respeito de si mesma.
Na parada de ônibus, Marquinélia mordia os lábios, estalava os dedos. Não fazia ideia, não havia intuição, do que lhe poderia acontecer. Mas se esperançava para chegar logo em casa, para findar seu cansaço triplicado.
De repente, o telefone tocou. Ela sacudiu e mexeu a bolsa, até que encontrou o celular; aparecendo na tela número privado. Mas desistiram da chamada. Ela suou frio… começou a pensar se seria aquele seu colega…, mas agora o que ele queria, e já no final do expediente. Não bastava passar o dia todo ouvindo saliência, deboche…
Tão de repente, seu rosto fora banhado de lágrimas, despertando dentro de si uma sensação de consolo. Quiçá sua intuição estivesse lhe dizendo que algo de bom estaria por vir.
O telefone começou a tocar novamente, número privado na tela. “Será que atendo, meu Deus?”, pensou rigidamente.
As palpitações aumentaram mais ainda, não resistiu. Logo desmoronou, os pés gelaram… “e o ônibus que nunca chega”, pensou com tamanha aflição. Atendeu.
A alegria despertou-se nos seus lábios, era Carlos Eduardo, seu grande amor, sua eterna paixão sem limites, que sempre lhe trazia um mar de fantasias. No entanto, a ligação caiu. De repente, ela escutou alguém se aproximando. Aquela parada escura e deserta lhe causava um calafrio, arrepios dolorosos. Um aperto intenso no peito foi lhe deixando sem ar. Contou até dez... e foi inspirando e expirando.
Alguém balbuciou devagarinho no seu ouvido:
— Estou aqui, vim lhe buscar, minha menina, e está com aquele vestidinho que sempre lhe peço, hein?! Aquela calcinha vermelhinha, de um fiozinho? Ah! Ah, ah, ah.
—Pus, sim, meu bebezão, para me lembrar sempre de você.
Sentiu-se contente, totalmente estremecida, com tanta ganância por aquele homem. Entretanto, um buzinaço fez com que a sua “ficha caísse”.
A moça cochilava na parada. Já havia passado das dezenove horas e nada de seu ônibus chegar. Minutos depois, sentiu uma dor no peito, saudade dele. Pensava não se importar mais com passado, se ele se casou com a Helena, se teve filhos! Ela só queria uma oportunidade para viver momentos com ele.
Mas tão de repente, um intenso vento, vindo do Norte, arremessou a lixeira que estava ao lado, derrubou um outdoor. Marquinélia sentiu-se muito desamparada, tremia de tanto terror. Uma chuva torrencial começou a alagar aquele lugar, pedras de gelo desabavam. Até que finalmente um carro se aproximou, alguém lhe ofereceu carona. De pronto, ela aceitou. Era Carlos Eduardo.