MECSTAR — O APRENDIZ DE HERÓI • 20

• Capítulo 20 — A Caminho de Thar-Dragão •

Quando as primeiras gotas começaram a cair, decidimos parar. Meus olhos fixaram-se no céu, na esperança de avistar a nave em forma de abóbora do Bongo.

Ixxy examinou o terreno à nossa frente com um binóculo e deu um suspiro.

— Teremos que seguir a pé. O terreno é bastante acidentado e vai ficar cada vez mais lamacento à medida que avançarmos.

— Certo, e onde você vai deixar a moto? Não parece haver um estacionamento por perto.

— Vou deixá-la por aqui mesmo. — Enquanto falava, ela retirou uma capa da bolsa e a colocou sobre a moto. — Espero que a capa a mantenha camuflada. De qualquer forma, é um risco que vamos ter que assumir.

Ela tirou um tablet da bolsa e o consultou.

— As informações da internet de Bolaranja sobre esse tal Thar-Dragão são escassas. — Disse ela. — Parece muito mais uma lenda que algo real.

— Uma lenda? — Indaguei. — Eu nunca ouvi falar. Não me lembro de já ter tido alguém para me contar qualquer história antes de dormir de qualquer forma.

—Existe um mito que explica as chuvas constantes nessa região. Você vê aquele pico ali? — Ela apontou para o cume da montanha mais alta, envolta por nuvens escuras e cheias de raios. — É onde o dragão mencionado pelo seu Sábio supostamente vive. Dizem que um bruxo trevoso roubou o único ovo da Thar-Dragão e lançou um feitiço climático nas montanhas para impedir que ela, uma salamandra do fogo, pudesse persegui-lo. Se a chama que arde sobre sua cabeça se apagar, ela morrerá...

— É uma história surpreendente. Nunca imaginei que Thar-Dragão fosse menina.

Ixxy respirou fundo e continuou:

— A caverna mais conhecida como entrada para a montanha de Thar está virada para o sul. Acredito que é para lá que devemos ir. — Ixxy olhou para o céu — Nunca pensei que houvesse uma região chuvosa nesse planeta infernal, e acabei não me preparando para isso.

— Mas isso você deixa comigo! — Retirei meu guarda-chuva da bolsa e o estendi como uma gloriosa espada (como a imagem que tinha no meu querido Como Ser Um Grande Herói). E nesse momento, lembrei-me de que o sábio também havia sugerido que eu comprasse uma arma comum, mas acabei esquecendo.

Abri o guarda-chuva e, magicamente, as gotas de chuva ao nosso redor pararam de cair.

— Esqueci de comprar uma arma, mas pelo menos não esqueci o guarda-chuva! —comentei, orgulhoso.

Ixxy olhou para o objeto em minhas mãos e arqueou uma sobrancelha.

— É realmente um guarda-chuva peculiar — ela observou.

Eu sorri, empolgado para compartilhar a história por trás dele.

— Ah, esse guarda-chuva! Eu o adquiri de um comerciante maluco durante minhas viagens intergalácticas. Ele afirmou que tinha poderes especiais, mas nunca tive a chance de comprová-los. Quem sabe hoje seja o grande dia de descoberta...

Antes que eu pudesse continuar, Ixxy me interrompeu com um olhar divertido.

— Você já me contou que o comprou em Solavanco, engraçadinho — ela disse, sorrindo com o canto da boca. Seu sorriso mexeu com algo dentro de mim, senti minhas orelhas esquentarem. Decidi mudar de assunto rapidamente.

— Luna, consegue sentir o cheiro insuportável daquele energúmeno do Bongo? — perguntei a minha amiga peluda.

Luna deu um latido, balançou o rabo em forma de S e começou a farejar o ar. Após alguns segundos, ela latiu novamente e saiu andando na frente.

— Parece que meu bichinho é mais útil que o seu. — provoquei, sem pensar antes de falar.

Puff me olhou com a cara amarrada de gato gordo dele.

Ixxy riu, e me olhou como se eu fosse um idiota, e correu atrás de Puff, que já seguia Luna, ambos sujando os pelos no chão molhado.

À medida que nos aproximávamos da montanha, percebemos que a chuva cessava apenas em um raio de três metros ao nosso redor. Fora dessa espécie de campo de força anti-chuva, a tempestade continuava a desabar cada vez mais intensamente.

Por duas vezes a ponta metálica do guarda-chuva atraiu um raio que provavelmente teria nos liquidado. Senti o impacto forte nas mãos e um gosto metálico meio barroso na boca, mas nada além disso. Quando subíamos alguma ladeira e nos expúnhamos mais ao vento a chuva nos molhava de qualquer forma, carregada pelo vento.

Enquanto caminhávamos, Ixxy compartilhou algumas informações que encontrou em sua pesquisa.

— Segundo a lenda, a caverna de Thar é um lugar místico e perigoso. Dizem que pode está repleta de armadilhas e criaturas selvagens deixadas pelo bruxo maligno que roubou o ovo de Thar-Dragão.

A tensão aumentava a cada passo que dávamos em direção à montanha. Eu me sentia determinado a enfrentar qualquer desafio que surgisse no nosso caminho. Afinal, eu era Mecstar.

Chegamos finalmente à entrada da caverna principal, envolta em um ar misterioso e sombrio. Depois que cruzamos a entrada e adentramos alguns metros a chuva na entrada voltou a cair de modo que parecia uma cortina de água fechando a entrada da caverna. A caverna era uma abertura imensa na montanha, repleta de estalactites, estalagmites, musgo e todas essas coisas típicas de uma caverna.

— Caramba! Nem nos meus sonhos mais loucos eu imaginava que existisse uma caverna tão gigantesca assim! — exclamei, surpreso.

Ixxy riu e respondeu com entusiasmo:

— Isso é porque você nunca esteve no planeta Dan’rracor. Passei um ano inteiro lá realizando estudos com as lesminas noturnas cavernosas. Imagine só, eu, na época uma mera estagiária desastrada, tropeçando em pedras, caindo em buracos e escorregando nas rochas enquanto tentava perseguir essas lesmas viscosas. E a minha comunicação com elas? Eu emitia sons bizarros, esperando que elas respondessem. O que nunca acontecia. Acho que elas me acharam completamente maluca!

Eu senti uma pontada de inveja pelas experiências e aventuras empolgantes que Ixxy havia vivido enquanto eu permanecia preso na pacata Vila de Solavanco.

— Deve ter sido bem interessante. — comentei, tentando disfarçar minha inveja.

Ixxy sorriu, relembrando aqueles tempos.

— Olhando em retrospecto, até que foi uma época divertida. Só de lembrar de eu me equilibrando nas estalagmites como se fosse uma ginasta olímpica e escapando das armadilhas pegajosas das cavernas. Teve até uma vez em que fiquei presa no lodo e precisei ser resgatada por um colega de quem eu estava gostando. Imagina a minha situação? Fiquei morrendo de vergonha!

Eu caí na risada, mas alguma coisa mexeu dentro de mim quando ela falou do colega que a resgatara. Provavelmente eu teria falado alguma besteira se não tivesse avistado uma fumaça saindo do interior da caverna, muito próxima à entrada onde estávamos.

— Você está vendo aquilo? — apontei, curioso, um tanto apreensivo. Teria Thar-Dragão vindo nos receber em sua soleira?

Olhamos atentamente para a fumaça que se dissipava no ar. Uma mistura de curiosidade e apreensão tomou conta de nós.

Ixxy franziu o cenho, examinando a fumaça com um olhar investigativo.

— Isso não parece normal. Não tão próximo a entrada, pelo menos — ela ponderou, mordendo o lábio inferior.

Peguei minha Zitara, agora realmente arrependido por não ter comprado uma arma comum, e Ixxy retirou da bolsa uma pequena pistola laser azul.

— Fiquem aqui. — Disse Ixxy para Luna e Puff ambos obedeceram prontamente. Ixxy parecia ter realmente jeito para lidar com os animais.

Caminhamos cautelosamente até avistarmos, por trás de uma saliência na rocha. E lá estava a nave abóbora de Bongo, o Gordo, e lá estava o R2, em guarda, em frente à nave que soltava uma fumaça cinzenta.

— Mec, Mec, Mectá! Você por aqui! — disse ele me olhando com aqueles olhinhos brilhantes de rato robô.

— Achou que eu ia desistir fácil seu roedor de lata?

— Achei sim! Hi, hi, hi. Achei que você morreria umas dez vezes antes de conseguir chegar até aqui.

— Achou errado, sua ratazana de bordel!

— Ei! Olha como fala — disse Ixxy. — Ele pode ser um robô, mas ainda é um ser vivo, e as leis de proteção animal se aplicam tanto a organismos biológicos quanto sintéticos, se você quer saber!

— Hi, hi, hi. Eu gostei que só dela!

— Cala a boca, seu...

— Calma, Mectá. — Disse Ixxy, pondo uma mão no meu ombro.

— É Mecstar!

— Eu sei — ela riu —, mas eu achei tão fofo, Mectá.

— Você me paga, sua ratazana! — Apontei a Zitara para ele, mas não consegui visualizar um raio de energia para trucidá-lo. Não faria aquilo, pelo menos não na frente de Ixxy.

Respirei fundo e falei:

— Bem, parece que temos uma trégua temporária. R2, o que está acontecendo aqui? Por que a fumaça?

O R2 emitiu alguns sons eletrônicos e, em seguida, projetou uma imagem holográfica que mostrava a nave em forma de abóbora atingida por um raio, depois, Bongo, o Gordo, atrás da nave, mexendo em alguns controles e causando uma explosão que ocasionou a fumaça saindo do motor da nave.

— Parece que ele está tendo alguns problemas técnicos, Mectá — explicou Ixxy.

— Onde está Bongo agora? — Perguntei.

— Hi, hi, hi, pelo tempo, ele já deve estar voltando com a esfera antiga nas mãos.

— Isso eu duvido muito! Ele não sabe o que eu sei! — Exclamei e então parei para refletir no que eu de fato sabia.

A bola de gude estava na barriga de Thar-Dragão, mas isso era... era... uma metáfora? Não, ele tinha usado a palavra "enigma". Se era um enigma, então a bola não estava literalmente na barriga do animal... como algo poderia estar na barriga sem, na verdade, estar lá? Por um instante, a resposta para o enigma brilhou em minha mente e desapareceu rapidamente quando avistei Luna farejando o chão próximo à nave abóbora.

— Ainda consegue sentir o cheiro fedorento de Bongo, Luna? —, perguntei. Ela latiu e correu três metros em direção ao interior da caverna, parando para me olhar. — Então vamos!

— Esperem! Vocês não podem passar! — Gritou R2.

— E o que você vai fazer, posso saber? — Ixxy falou, me surpreendendo. — Porque, até onde eu sei, animais sintéticos não podem causar danos injustificados a seres biológicos, sob pena de desmonte.

— Eu... eu... eu...

— Além disso, tenho o contato de dois policiais espaciais que estão vindo para cá agora mesmo...

— O quê?! — Eu gritei. — Você chamou aqueles malucos para cá? Para quê?

— Olha, Mecstar, só porque concordei em te ajudar não significa que eu esqueci do terrível crime cometido contra os suricatos...

— Mas... mas eu expliquei! Expliquei a importância da Bola de Gude Carambola para você! Agora, imagine se aqueles dois malucos resolvem confiscá-la.

— Se a lei assim determinar, que assim seja — ela deu de ombros.

— Mas e se eles estiverem do lado da Coroa?

— Não me pergunte! Eu não mandei seu amigo se tornar um criminoso.

— Ele não é meu amigo! Ah! Esquece. Vamos, Luna. Vamos enquanto ainda há tempo.

— Espere por mim! Não pense que vai escapar com seu amigo — sua resposta doeu em mim.

— Ele... Se você não confia em mim, por que me trouxe até aqui? Você estava apenas me usando para prender o Bongo, é isso?

— Calma, Mectá. Não seja tão dramático. A gente só fez uma viagem de moto.

Eu tentei respirar o mais fundo e lentamente que pude.

— Vamos lá. Vamos encontrar o Bongo. Eu pego a Bola de Gude Carambola e o Bongo é todo seu. Só peço que me deixe escapar antes daqueles idiotas chegarem.

— Fechado.

— E vou precisar da sua moto.

— E eu do seu guarda-chuva.

— Como é?

Ela deu de ombros.

— É uma troca justa. Você sabe quanto custou aquela moto?

— Ok. Vamos. Você tem uma lanterna?

Ela tinha.

Adentramos a caverna de Thar-Dragão, com Luna seguindo o rastro de Bongo, seguida por Ixxy e Puff, cujos olhos dourados emitiam um feixe de luz, iluminando o caminho à frente, e eu os seguindo na retaguarda.

Davyson F Santos
Enviado por Davyson F Santos em 09/07/2023
Código do texto: T7833124
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