COLEÇÃO SANGUE ESCRAVO - EMPRESAS FERRET
Quando ele entrou, houve suspiros e risinhos nervosos. Mas ele nem reparou na mudança do ambiente ou simplesmente ignorou. Mas sua cara em branco só trazia mais comoção entre as funcionárias do setor. Alto, forte, sério e lindo. Ângelo era o guarda-costa de Petres. Em dois minutos ele revistou a sala de reuniões e voltou para a lateral da porta, aguardando a entrada das outras pessoas.
Logo depois veio Mary. A pequena e doce Mary, a assistente pessoal e escrava de sangue de Petres. Arrumou alguns papéis na mesa e sumiu no interior do escritório assim como apareceu.
Sem fazer alarde, uma linda mulher de aparência jovem , mas com uma postura de mulher madura e sofisticada entrou. Soff Ferret. Ela era loira de olhos cor de mel e ricamente vestida, e destilava feromônios de bem-estar por onde passava. Seguida por seu assistente pessoal e escravo de sangue Rubens; jovem, alto, forte e extremamente bonito que carregava uma sacola com um gatinho persa chamado Feliz. Ela acomodou-se à mesa de reuniões com graça, como se estivesse em um dos restaurantes chiques que costumava frequentar. Sua atividade principal era trabalhos de caridade. Ativista social, vivia por suas crianças órfãs. Promovia campanhas e fazia doações para várias instituições. Sua causa era bem-vista pela sociedade humana e era acompanhada por zilhões de seguidores em redes sociais. Ela era uma influencer digital. Mas essas atividades não arrecadava dígitos para a Empresa Ferret. No entanto, seu hobby lhe trazia muitos dividendos. O Atelier de Soff. Era conhecido por suas esculturas exclusivas em portas e janelas, e restauração de peças e móveis antigos. Seus trabalhos eram vendidos por uma fortuna. Eram apreciados e disputados só pela parte da sociedade que possuía recursos para adquirir obras de arte. Sendo assim, seu atelier era uma fonte muito lucrativa para a família Ferret.
O próximo a entrar foi o próprio Petres Ferret. Baixo, barrigudo e careca. Mas possuidor de lindos olhos azuis que encantavam principalmente a sua mulher Soff. E de um semblante que impunha respeito. Mas quando necessário, liberava feromônios de simpatia. E apesar de pouco estar presente na sede, era o manda-chuva da Empresa e o patriarca da família.
A Empresa Ferret era um Grupo empresarial, uma holding, que abarcava várias empresas em uma só. Os associados nada mais eram que os próprios filhos. E cada filho possuía uma ou mais empresas de funcionalidades diferentes.
Entre todas as outras, a família Ferret era a que mais beneficiava a Comunidade do Sangue Escravo. Já que, eles eram descendentes diretos dos pioneiros que a fundaram. Por isso se sentiam responsáveis em garantir a segurança de seus cidadãos.
Era tradição que, ao completar a maioridade, cada filho investisse em um negócio que viesse ser útil tanto à Comunidade como a própria família. Sem esquecer de prestar uma assistência social a seus maiores fornecedores do Elixir Eterno: o homem.
A Comunidade do Sangue Escravo teve origem pela necessidade de se possuir um ponto de apoio para seus cidadãos, independente do local onde moravam e do que faziam para viver. E, apesar dela não ter uma forma física, era forte e mantinha todos unidos pela sobrevivência. E a única exigência para ter direito a se proclamar um membro dessa Comunidade era ser de uma espécie geneticamente modificada pela própria natureza, e beber sangue fosse a sua maior necessidade para se manter vivo.
Logo após a entrada de Petres foi a vez de Damião Ferret chegar. Ele era o filho do meio entre os homens e vinha sozinho. Não precisava de assistente com ele, pois tinha muitos assistentes na palma de sua mão. Era só apertar um botão e tudo que precisasse estaria resolvido em alguns segundos. Ele era baixo, mas era mais alto do que o pai. Forte e roliço como um rolo compressor de músculos. Tinha cabelos levemente cacheados à altura do ombro, pele clara, olhos cor de mel igual aos da mãe. Vivia sorrindo. Era um rapaz alegre, sedutor e mulherengo. Um Don Juan. Possuidor de feromônios que provocava distúrbios emocionais e muitas vezes fazendo suas vítimas agirem como se estivessem sob o efeito do soro da verdade. Amava uma boa fofoca, uma discórdia, um fuzuê. Para ele tudo era diversão e tudo era registrado em seus arquivos. Pois sempre tinha uma câmara, uma máquina fotográfica ou um celular da última geração em mãos. Dono de uma rede de pequenos serviços de informática, todos interligados, tornando-se uma grande rede de comunicação. Ele praticamente estava em todas as casas, em todas as empresas, escolas, farmácias, hospitais, redes públicas: na polícia, bombeiros, gabinetes de políticos, salas altamente secretas. Ele invadia até a mente das pessoas se duvidasse. Tinha acesso a tudo e informava tudo que era necessário ser informado, e deturpava tudo que precisasse ser deturpado. Sumia com dados, trocava, modificava... Ele era uma pessoa importante para a Comunidade. Qualquer serviço que envolvesse tecnologia da informação, um hacker ou quando precisavam tirar aquela pedra do sapato era a ele que iriam procurar. E ele não cobrava pouco por isso.
Em seguida, entrou Ema Ferret. Ela era a filha mais velha das meninas. Detentora de feromônios que causavam deslumbramento, fascínio por ela. E era mais que bem-vinda à Empresa. Pois era ela que ficava à frente das documentações de todas as empresas dos irmãos. Era formada em contabilidade, administração e advocacia. Era a advogada sênior e assistida por um corpo de advogados, como também era ela quem administrava as finanças junto ao setor de contabilidade. Mas, além disso tudo, mantinha suas próprias empresas: a Agência de Empregos e o Banco de Sangue-Vivo. Através delas, fornecia funcionários humanos bem treinados para quem precisasse, e suplementos de sangue ensacados. Ou, também, aos mais exigentes, era enviado o sangue ainda em seu compartimento original. Porém, por esse fornecimento, o preço cobrado era mais alto, é claro! Esses serviços vieram a calhar aos civilizados cidadãos da Comunidade. Assim sendo, eles já não ofereciam riscos à vida dos humanos. E sem atividades que levassem humanos à morte, não havia suspeita de que eles existiam.
O próximo foi Rafael Ferret, o caçula dos homens. Tinha altura mediana entre os irmãos, e tinha músculos definidos, mas sem exagero, olhos cor de mel e cabelos curtos, castanho-aloirados, levemente cacheados. Parecia e vestia-se igualmente a seu irmão Damião; de maneira descontraída, roupas esportivas: camisetas, jeans e tênis. Dificilmente diriam que eles tinham um emprego, muito menos que eram empresários. Liberava o feromônio do encantamento, era como uma cobra antes de atacar suas presas. Tinha conhecimento em estrategia militar, adquirido durante sua estadia em alguns conflitos no Oriente Médio durante a Guerra do Golfo. E estava à frente de um grupo militante para encontrar e eliminar traficantes de sangue infantil, droga proibida e altamente viciante entre os membros de sua espécie. Ele era dono de uma rede de resort, os quais estavam distribuídos pelo mundo. Mas os principais estavam na América do Sul, sua área preferida de trabalho. Seus resort eram muito frequentados por turistas, e durante a baixa temporada eles se tornavam Colônias de Caça. Era quando os associados vip os frequentavam, à procura de aventura movida a adrenalina e muito sangue. Rolava muito dinheiro à sua porta.
– Estamos todos aqui? – perguntou Petres, já impaciente para começar a reunião.
– Acredito que Samuel já esteja chegando – respondeu Ema, já pondo em cima da mesa à frente de cada participante um folheto explicativo dos tópicos que iriam ser discutidos durante a reunião.
Sem que ninguém percebesse, um homem alto, magro, forte, de olhos azuis e cabelos pretos abaixo do ombro entrou na sala. Ele vestia paletó e gravata. Era o filho mais velho de Petres. Sempre muito sério. E quando precisava, exalava um feromônio que causava medo e muitas vezes era usado para repelir pessoas indesejadas. Gostava de estar sozinho, estudando ou pesquisando. Era formado em medicina nas especialidades de ginecologista obstetra , farmacêutico e geneticista. Mas seu interesse maior era a genética. Possuía uma rede farmacêutica onde muitos dos remédios utilizados por humanos, foram desenvolvidos em seu laboratório. Além dos remédios que lhe rendia muitos dividendos ele estava desenvolvendo um bálsamo capaz de prolongar a aparência jovem dos humanos; que foi nomeado de Balsamo da Beleza Eterna. E assim que esse trabalho fosse concluído, se tornaria uma mina de ouro. Mas ele também estava preocupado com a saúde dos humanos, por isso pesquisava e se preparava para combater uma possível pandemia; que, segundo uma pesquisa sobre a probabilidade de isso acontecer, poderia dizimar boa parte da população mundial. Então, era o mínimo que ele deveria fazer para tentar preservar o máximo que possível a vida humana. Pois não se podia prever o que causaria à Comunidade uma calamidade como essa.
Ao entrar, simplesmente disse:
– Só faltava Samuel? Já não falta mais, chegamos.
Todos o olharam, admirados. Trazia consigo Vera, a caçula das mulheres, que se vestia como uma empresária de sucesso. Uma cópia perfeita de Ema em miniatura. Sorria pelos quatro cantos de felicidade por estar ali.
– Mas qual o motivo de trazer Vera para esta reunião? – perguntou Petres, curioso.
Samuel se dirigiu à mesa e puxou uma cadeira para a irmã sentar.
– Vera está aqui para apresentar a proposta de uma empresa a qual pretende administrar. E eu estou apoiando a sua iniciativa.
Petres simplesmente não acreditou no que estava ouvindo. Vera só tinha doze anos, e segundo as leis da comunidade ela só completaria a maioridade a partir dos quinze.
– Vera ainda não tem idade para assumir uma empresa. Ela precisa completar seu currículo escolar. Não tem maturidade para lidar com os humanos, nem resolver problemas que, com certeza, aparecerão. Não creio que você, Samuel, esteja fazendo a escolha certa em apoiar essa iniciativa – Petres virou-se para Vera, segurou sua mão, mostrando-se afetuoso – apesar de estar muito orgulhoso por você, minha filha.
Ema que até então não tinha se manifestado, entregou nas mãos do pai o folheto que estava distribuindo.
– Na verdade, pai, Vera tem um talento incomum para gerir negócios. Além de que, seus feromônios incitam as pessoas a obediência, as tornando fáceis de serem manipuladas. E como o trabalho que ela escolheu tem tudo a ver com seus interesses específicos, que é a literatura, acreditamos que fará um ótimo trabalho.
Petres pegou o folheto e leu rapidamente alguns tópicos em que citava livros de literatura sobre vampiros. Assunto que Vera costumava ler com ávido interesse.
– Não estou entendendo, o que tem a ver a literatura com as nossas empresas? – ele perguntou, duvidoso.
– Assim como temos que estar encobrindo todas as notícias que falem sobre algum fato referente a nossa espécie, precisamos estar atentos às histórias contadas sobre os ´vampiros´ – Damião fez aspas com as mãos ao se referir aos personagens das ficções literárias, termo pejorativo sobre o seu povo – pois descobrimos - melhor dizendo - Vera descobriu que algumas delas estão se referindo a passagens que realmente aconteceram com entes da nossa Comunidade.
– Como assim? – Petres perguntou perplexo e preocupado com a novidade.
Rafael juntou-se aos irmãos tentando explicar ao pai o que estava acontecendo às suas costas.
– Na verdade, alguns dos humanos que tiveram contatos com um membro da nossa espécie e que tiveram suas memórias alteradas, estão conseguindo lembrar alguns trechos de suas desventuras. E, de alguma forma, essas lembranças estão sendo escritas como se fossem criações pessoais e se tornando literatura.
– Oh!!! – exclamou chocada Soff.
– Pois é – disse Samuel – pensamos em deixar estar como está, mas o nosso receio era que isso possa gerar um pânico mais tarde, quando os humanos venham achar coincidência demais que histórias parecidas sejam contadas em várias situações diferentes.
Petres se mostrou bem preocupado com a notícia. De fato, aquele acontecimento poderia desencadear uma curiosidade excessiva pelo assunto. E ter as histórias da Comunidade registradas, mesmo que fossem em livros de fantasia, poderiam trazer problemas para eles no futuro.
Depois de ponderar com um pouco de cautela, ele resolveu escutar a proposta.
– Pois bem, o que você, minha querida, gostaria de fazer para cuidar desse problema?
Vera nem acreditou quando seu pai lhe deu a palavra. Achava que eram só os seus irmãos que iriam falar por ela. Respirou fundo e com a coragem que sempre fora característica de sua personalidade, expôs todas as suas ideias.
– Bem, acredito que poderemos montar uma editora voltada para atender a este tipo de literatura. E fazendo um bom trabalho, e lançando bons livros, logo seremos um ponto de referência para todos os autores que estiverem com uma história nova para ser contada e não tiver quem os edite. Assim, teremos como ficar de olho nos novos autores. E se surgir uma história comprometedora, poderemos manipular a edição ou simplesmente deletar.
– Editora. Hummm! – Petres avaliou a proposta – Certo. Mas como você iria manter uma editora? Nós não montamos uma empresa sem visar lucro.
– Aí que está. Verinha tem se mostrando uma boa avaliadora de literatura. Poderemos ganhar dinheiro sim com a editora. E além disso – completou Ema – existe um planejamento de se comprar uma editora que já tenha uma estabilidade no mercado para ser nosso carro chefe, enquanto Vera trabalha nos bastidores em treinamento, para assumir no futuro toda a estrutura da editora.
Petres torceu a boca com as respostas. Pelo visto aquela reunião era para a efetivação de Vera como empresária. Ele estava satisfeito com seus filhos, eram todos muito inteligentes e traziam bons frutos. Tinha que confessar, não esperava que tão cedo sua caçula viesse a trabalhar e que trouxesse lucros para a família. Sem falar que, visava também, para sua surpresa, a proteção da Comunidade.
Sem que uma lágrima caísse de seus olhos marejados, Petres encheu seus pulmões e pôs-se de pé.
– Todos estavam a par a que se referia esta reunião – olhou um por um nos olhos com reprovação àquela rebelião familiar que ele já conhecia tão bem. Mas refletiu um pouco, pelo menos dessa vez, era por uma boa causa. Respirou fundo e continuou – mas, para minha satisfação, estão todos aqui para apoiar a decisão de Vera, que ainda nem tem idade para estar à frente de uma empresa. No entanto, pelo que vejo, não lhe faltará apoio para que seu empreendimento dê certo – ele olhou para Soff que se levantou e aceitou a mão para ela estendida – nós iremos dar aval para que seja montada a sua empresa, minha filha. E todo apoio que precisar terá de seus irmãos e de seus pais.
Vera vibrou de felicidade, dando pulinhos e abraçando os irmãos à sua volta em agradecimento. E, em um movimento sutil, apareceram taças e champanhe sobre a mesa que foram colocados pela eficiente assistente de Petres, a Mary. Um olhar discreto de aprovação de Soff provocou-lhe um leve sorriso de satisfação.
Petres levantou sua taça já cheia, sem conter o orgulho que sentia no momento por seus filhos e brindou a aquisição de mais uma empresa.
– E que venham mais filhos – disse sorrindo para Soff, que quase engasgou com o champanhe caro.
Todos riram com vontade, mas pelos olhares dos irmãos, Vera já era o fundo do tacho.