MARCAS DO AMOR

As ruas estavam extremamente vazias. As janelas todas fechadas.

Senti uma vontade enorme de conversar com alguém longamente.

Contar de minha tristeza, de minha solidão, de como minha vida estava destruída.

Acelerei o carro numa corrida desesperada, para nada.

Já era madrugada e não queria voltar para casa. A perspectiva de ficar só entre quatro paredes me assustava.

Estacionei meu carro ao lado de uma praça, e dirigi-me a um banco como um autômato.

Sentei-me no banco molhado de orvalho. Tão alheia ao que se passava ao meu redor nem me dei conta de que estava me expondo ao perigo.

Nada mais me importava, porque estava infeliz demais.

Tremia de frio, de dor e solidão. A madrugada estava fria, tão fria!

Compenetrada como estava nem ouvi passos se aproximando e de repente senti alguém tocar suavemente em meu ombro.

Assustei-me ao ver que se tratava de um estranho.

Quis gritar, mas não consegui. Então ele me falou numa voz rouca e calma que não iria me fazer mal algum.

Eu sabia que não podia conversar com um desconhecido em plena madrugada, e ainda mais naquelas circunstâncias.

Criara sem querer uma situação absurda indo a um lugar tão solitário. Podia ser assaltada, morta.

De repente esse estranho podia me agarrar, seqüestrar ou coisa no gênero.

Mais não, não um homem com uma voz tão doce!

Confiei nele.

Estava muito perturbada, mas confiei porque ele me falava calmamente.

Ele me convenceu a deixar a praça e voltar para casa. Com seu jeito simples conseguiu me acalmar.

Envergonhada me despedi. Nunca antes passara por uma situação parecida com aquela.

Ao chegar em sua casa dei vazão ao sofrimento e chorei. Fiquei pensando em como André me machucara.

Quando o conheci tudo me parecera tão lindo, tantos sonhos, tantos planos!

Eu que sofrera por ter perdido tão cedo meus pais, que não tivera irmãos, e que perdera até a tia que me criara. Todo meu mundo se resumia no meu trabalho, no meu pequeno apartamento.

Então conheci André e me apaixonei perdidamente.

Tudo aconteceu tão depressa, o noivado, o casamento marcado.

Até o dia em que ele me deu o fora, dizendo estar apaixonado por outra.

Em meio às lembranças só consegui conciliar o sono ao amanhecer, e como era minha folga no trabalho, à tarde fui ao supermercado. Afinal de contas precisava viver, mesmo que minha vida estivesse toda arrebentada.

Ao analisar preços pude notar o mesmo homem que vira na madrugada, também fazendo compras.

Envergonhada quis evitá-lo, mas não consegui.

Ele se aproximou e perguntou simplesmente:

__ Senhorita, está me reconhecendo?

Respondi timidamente:

__ Estou sim.

Então ele se apresentou:

__ Meu nome é Alfredo.

Conversamos por alguns minutos e antes de despedir-se ele perguntou se poderia ver-me de novo.

Aceitei por gentileza, afinal aquele estranho me ajudara num momento difícil.

Marcamos um encontro para a noite seguinte.

Achei Alfredo ainda mais charmoso a luz do dia e pensei que não haveria mal algum em aceitar o convite para sair com um rapaz.

Saíra tão machucada de um caso de amor e não seria tão ingênua a ponto de me apaixonar de novo.

Só aceitei aquele convite para fugir um pouco da solidão.

Fomos pontuais e tão naturais que em pouco tempo já estávamos nos falando como se fossemos conhecidos de sempre.

Rimos juntos e de repente Alfredo me perguntou o porquê daquela atitude na madrugada.

Eu lhe contei tudo, meu romance com André, meus sonhos. Contei como esperara ansiosa a hora do casamento, o vestido de noiva...

E sem mais nem menos o fim de tudo. A decepção amorosa.

Contei-lhe meus planos. E como meu mundo ruíra quando meu noivo me deixou por outra.

Alfredo me ouviu calado, com os seus olhos tristes a fitar-me.

Eu estava precisando desabafar com alguém e ele me ofereceu um ombro amigo.

Na despedida marcamos um novo encontro e desta vez Alfredo falou de si mesmo. Ele perdera a mulher e o filho num acidente de carro, era ele quem dirigia o veículo e apesar de inúmeros ferimentos conseguira sobreviver.

Contou como fora horrível saber que a mulher e o filhinho não conseguiram sobreviver aos ferimentos.

E a vida se tornara um tormento porque ele carregava consigo uma absurda sensação de culpa.

Senti uma ternura enorme por aquele homem atormentado e desejei ajudá-lo a esquecer seu enorme drama.

Sempre que podíamos nos encontrávamos e quando dei por mim já aguardava com ansiedade a hora de nos encontrarmos. Estava novamente apaixonada e descobri que não existia nada melhor que um novo amor para nos fazer esquecer um amor antigo.

Minha vida mudou depois que o conheci, porque ele era tudo o que eu desejara encontrar num homem. Ele me ensinou a me deslumbrar com coisas tão simples.

Quando nos encontrávamos trocávamos beijos e abraços e fui descobrindo que aquele rapaz, com sua fala mansa, era tudo o que eu mais desejara na vida. Nem me lembrava mais de André.

Éramos tão felizes juntos, mas os fantasmas do passado se interpunham entre nós, algumas vezes.

Alfredo dizia estar tentando recomeçar uma vida nova ao meu lado, mas por vezes eu sentia que ele não se entregava completamente.

Ele dizia ter amado demais a esposa e perdê-la fora um golpe forte demais. Quando falava do filhinho lágrimas lhe desciam pelo rosto e eu as beijava, tentando assim aliviar aquele coração tão machucado.

Constantemente nos encontrávamos e falávamos até em casamento.

Numa madrugada o telefone tocou e atendi sonolenta, pensando ser o meu amado. Estranhei, pois não se tratava dele.

Nunca ninguém me ligava fora de hora.

Era uma voz de mulher procurando desesperadamente por Alfredo.

__ É Marina? Alfredo está aí com você?

__ Não, ele não está? Do que se trata?

__ Aquele canalha já lhe disse que tem uma família? Já lhe disse que tem três filhos pequenos? Aninha está ardendo em febre e não tenho com quem deixar os gêmeos para levá-la a um hospital. Pelo menos ele lhe contou que nós existimos?

__ Para que número ligou? Você não está enganada?

__ Não estou enganada Marina, estou certa do que estou falando. Meu marido é um crápula. Tenho mais pena de você do que de mim, eu sei com quem estou lidando e pelo jeito ele a enganou. Desculpe.

E bateu o telefone.

Desesperada só pude ficar olhando o telefone e as lágrimas me descendo pelo rosto.

Alfredo também fora uma fraude!

Como pude enganar-me de novo?

Ó não! Como pude cair novamente no mesmo golpe?

SONIA DELSIN
Enviado por SONIA DELSIN em 16/12/2007
Reeditado em 24/03/2011
Código do texto: T780461
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