A menina que não fugia de casa
Quando eu era pequena
um dia, sozinha em casa, chorei com medo da bruxa feia que habitava meus contos de fadas. Diziam que era má e que comia criancinhas perdidas.
Solucei muito e doído e só dessa vez então, uma sereia apareceu no meu quintal e me fez companhia e me segurou no colo e trançou meus cabelos e eu melhorei. Ofereci uma bacia que serviu de mar enquanto estava comigo pra não secar e perder o brilho.
Não estava mais só e o medo tinha passado, ido embora e me senti protegida.
Ela me contou em tom de segredo, só nosso, que enquanto eu usasse a trança eu seria forte, corajosa e não choraria e eu acreditei.
Quando minha mãe voltou e eu contei pra ela a parte do encontro com a sereia ela não entendeu e cortou minha trança castanha. E por meses me chamaram de Joãozinho na escola e o choro voltou. Eu me calei, espichei tristeza e parei de brincar por um tempo.
Depois esqueci.
Eu cresci.
Meu cabelo cresceu também. Eu já mandei cortar muitas vezes. Mudei a cor. Desmudei o corte mas, nunca mais tive uma trança. Trança ficou para mim um cordão mágico de ligação como um cordão de umbigos e uma vez desfeito o trançado a magia foi desfeita. Desfeita no coração de criança que perdoa mas não esquece.
E nunca mais vi uma sereia.
Viajei, conheci o mar.
E nunca mais me embalou uma sereia.
Colecionei conchinhas, estrelas-do-mar, casquinhas de mariscos, ouriços, pedrinhas, pedronas, mas nunca mais vi uma sereia. Coloquei nas estantes fotografias de fundo de mar azul.
E agora meu cabelo está curto de novo.
E sou forte do mesmo jeito sem trança de sereia.
Só não sonho mais como sonhava. Não canto mais como cantava. Não danço mais como fazia quando era criança e brincava com a molecada da minha rua e era pura felicidade. E antes de dormir reabria os livros sujos de dedos de criança curiosa. E dormia sorrindo e sonhava sereia, fada, pirata e castelos sem quintais.