Caminhos da Coragem

Prólogo

Caminhos da Coragem

Prólogo

Em Ardorin começa a história de Arthos Ringueril, um guerreiro destemido, personifica a combinação perfeita entre força e beleza. Seu semblante sério e determinado reflete a intensidade de sua dedicação à batalha. Seus olhos negros profundos e penetrantes brilham com uma chama ardente, sua face é esculpida com traços masculinos marcantes, revelando uma masculinidade poderosa. A mandíbula definida e os traços angulares adicionam uma aura de autoridade e resolução à sua aparência. Ele possui uma pele bronzeada e marcada por cicatrizes de batalhas passadas. Essas marcas são testemunhas silenciosas de sua coragem e valentia nos campos de guerra. Cada cicatriz conta uma história, contando sobre os desafios enfrentados e superados ao longo de sua jornada. Seu corpo é esculpido por músculos poderosos, resultado de um treinamento árduo e incansável. Seus ombros largos e braços fortes revelam sua habilidade no combate. A postura ereta e confiante. Vestido em uma armadura imponente, Arthos parece um verdadeiro cavaleiro de lendas antigas. Seu elmo adornado com detalhes elaborados oculta parte de seu rosto, conferindo uma aura misteriosa e imponente.

Sua história era conhecida em muitos lugares. Ele havia lutado bravamente em várias batalhas, salvando vidas e protegendo as cidades de muitos perigos. No entanto, mesmo com tantas conquistas, Arthos não era muito querido em muitos lugares.

Isso porque Arthos era um guerreiro independente, que não seguia as ordens dos senhores feudais das cidades. Ele lutava por sua própria honra e pelas pessoas que amava, mas sua independência e teimosia o tornavam impopular entre a nobreza.

Em uma cidade chamada Falcom, ele foi confrontado por um grupo de guardas da cidade, que o acusaram de ser um forasteiro perigoso e sem lealdade. Eles não acreditavam em seus feitos, nem mesmo quando ele mostrou suas cicatrizes de batalha e suas armas lendárias.

Frustrado e desanimado, Arthos decidiu que não queria mais lutar pelas cidades ingratas que não o reconheciam. Ele deixou Falcom e partiu para uma jornada solitária, buscando seu próprio destino e sua própria verdade.

Mas, mesmo quando se afastou da sociedade, ele não deixou de lutar pelo que acreditava. Ele encontrou outros guerreiros independentes, como ele, e juntos formaram um grupo de heróis sem pátria, lutando contra as ameaças que as cidades não conseguiam lidar. Mas por causa de divergências entre eles, acabaram se separando. Ele seguira viagem sozinho.

Capítulo 1 - Arvandor

Depois de muito tempo viajando, e ter passado pelo terrível continente de Nargothrond era um continente escuro e sombrio, assombrado por criaturas malignas e coberto por névoa. As cidades em Nargothrond eram governadas por senhores das trevas, que usavam magia negra para subjugar sua população.

As terras eram estéreis e pouco produtivas, e a maioria das criaturas vivia na pobreza e na miséria. Em meio à desolação de Nargothrond, surge uma pequena clareira coberta por uma vegetação exuberante e misteriosa, um oásis de vida chamado de Bosque Esmeralda.

Essa floresta encantada abriga uma infinidade de árvores altas e imponentes, cujas folhas reluzem com um verde vibrante, como esmeraldas reluzentes sob o sol oculto.

Mas No coração dessa floresta, habita um temível monstro conhecido como Avoante Sombrio. Essa é uma criatura colossal, uma mistura grotesca de pássaro e demônio, com asas membranosas que se estendem por quase toda a extensão da clareira. Sua pele escamosa é da cor da noite, e seus olhos brilham com um fogo demoníaco.

Dotado de garras afiadas e presas letais, o monstro ataca qualquer ser que se aventure no Bosque Esmeralda. Arthos ficou sabendo do bosque através do seu antigo grupo de aventureiros, e mesmo com todos os avisos, ele decidiu adentrar o bosque para saber que espécie de perigos iria encontrar. Já era noite, então ele decidiu montar acampamento. Rapidamente acendeu uma fogueira para espantar algum lobo ou alguma outra ameaça. Depois de um certo tempo, o bosque foi tomado por um silêncio mortal. Até mesmo o vento parou de soprar. Mas como estava exausto da viagem, Arthos caíra em sono profundo. A noite passou sem maiores problemas. Assim que acordou, Arthos viu uma sombra enorme perto dele. Era o temido avoante, se dando conta do grande perigo em que se encontrava, tentou pegar seus pertences e sair dali o mais rápido possível. Mas para seu infortúnio, pisou num galho seco e acabou despertando a criatura. O que se seguiu depois foi uma grande batalha que se desenrola em um turbilhão de violência, em meio ao som de metal rasgando o ar e rosnados de fúria. A clareira do Bosque Esmeralda torna-se um campo de destruição, então Arthos avança em direção ao monstro. O Avoante Sombrio desce dos céus como uma besta alada, suas asas batendo com força descomunal, provocando um vendaval impiedoso que arranca galhos e folhas das árvores próximas. Seu rugido ecoa pela floresta, estremecendo o solo e ecoando a ira dos abismos sombrios de onde emergiu. Suas garras afiadas brilham sinistramente, sedentas para dilacerar a carne do herói ousado. A batalha segue, dança de morte, com Arthos evitando os golpes brutais do Avoante Sombrio com reflexos sobre-humanos. Sua espada corta o ar com ferocidade, buscando perfurar a armadura escamosa do monstro. O choque de aço contra escamas ressoa em cada impacto, enquanto chispas de faíscas voam como estrelas cadentes. As árvores do Bosque Esmeralda parecem contorcer-se em agonia, suas folhas tremulando em eco às lutas desesperadas. O Avoante Sombrio convoca o poder sombrio que lhe foi concedido, lançando rajadas de fogo negro na direção do herói. O calor abrasador queima a vegetação, engolfando a clareira em chamas sombrias. Mas o herói desvia dos projéteis ígneos com agilidade incrível, seu corpo banhado em suor e cinzas, resistindo ao fogo do inferno. A batalha atinge seu clímax arrebatador. Arthos canaliza a última reserva de força em um ataque derradeiro, investindo contra o coração nefasto do Avoante Sombrio. Sua espada corta a escuridão com fúria impiedosa, encontrando a carne monstruosa em um golpe mortal. Um brilho ofuscante explode da ferida, iluminando o Bosque Esmeralda com um fulgor divino enquanto o monstro se contorce em agonia.

O último grito de agonia do Avoante Sombrio rasga o ar, um som terrível que ecoará na memória por toda a eternidade. O monstro se desfaz em cinzas, suas escamas negras se dispersando como fumaça sinistra. O silêncio se estabelece na clareira novamente. Arthos, erguendo-se triunfante no meio do campo de batalha arrasado, é um retrato de coragem e tenacidade.

Seu corpo está marcado por cortes profundos e sangue escorrendo de suas feridas. Ele olha em volta, admirando a paisagem desolada e encharcada de caos. A luz do sol se esgueira timidamente entre as nuvens, lançando um brilho fraco sobre o herói solitário e as cinzas da sua conquista sangrenta. O Bosque Esmeralda, testemunha silenciosa dessa carnificina, permanece envolto em uma aura de tristeza. A criatura maligna foi derrotada, mas o preço pago foi alto. A vegetação, antes vibrante, agora murcha e carbonizada.

O ar está impregnado de um odor acre de fumaça e morte. O herói solitário partirá, deixando para trás um cenário de destruição e lembranças amargas. Então ele tratou de cuidar de suas feridas abertas e com grandes queimaduras, mas, acabou desmaiando por ter perdido muito sangue. Antes de perder a consciência ele sentiu seu corpo ficar um pouco quente, doeu no início, mas depois ficara muito agradável. Logo depois ele dormiu... Passado algum tempo, Arthos acorda subitamente, seus ferimentos haviam sido curados. — Quem poderia ter feito isso? Disse ele, pensativo. Não havia rastro nenhum a não ser suas próprias pegadas. Depois de pensar em todas as possibilidades, uma mais improvável que a outra. Arthos decidiu seguir viagem. E se pôs a caminhar novamente. Sua próxima parada era Arvandor.

Arthos finalmente chegou à cidade de Arvandor que era uma cidade vasta e diversa, com muitos vilarejos, eram habitados por uma mistura de raças, incluindo humanos, elfos, anões, entre outros.

A cidade estava repleta de pessoas de todas as classes sociais: mercadores, camponeses, soldados e nobres. Ele sabia que precisava encontrar um lugar para descansar e, talvez, descobrir a razão pela qual tantas pessoas estavam assustadas e nervosas.

Ao se aproximar do portão principal, Arthos viu que havia uma multidão reunida do lado de fora, todos em busca de notícias. Havia um pequeno quadro de avisos, nele continha desde retratos falados de bandidos até monstros importunando outros vilarejos entre outros assuntos de menor importância.

Ele não podia acreditar que a cidade estava em tais perigos e não havia ninguém disposto a fazer algo a respeito. Afinal era uma cidade com tamanho considerável.

Então, uma figura chegou cambaleando a cidade. Os fazendeiros enxergaram no antes de todos e abandonaram suas ferramentas, trancaram-se em suas casas.

Em seguida, dois guardas avistaram um recém-chegado e correram para dar um alarme silencioso.

Assim que o boato se espalhou, a praça central da vila se esvaziou.

A oficina do sapateiro fechou as portas, todos saíram da taverna.

O visitante era um hobgoblin, que é uma criatura notavelmente intimidadora, seus traços grotescos e sinistros evocam uma sensação de medo e inquietação. Sua pele é áspera e escamosa, como se tivesse sido enegrecida pelo fogo e pela fumaça. As protuberâncias irregulares que cobrem seu corpo parecem prontas para explodir a qualquer momento, olhos, brilhando com um tom amarelado, transmite uma inteligência perversa e ardilosa. A boca do hobgoblin é repleta de dentes afiados e irregulares, quebrados e manchados de sangue. Seus lábios finos e rachados, sua estrutura física é musculosa e imponente, com membros desproporcionalmente longos e ossos aparentes sob a pele esticada. Vestido em trapos sujos e desgastados, o hobgoblin se mistura perfeitamente com a escuridão e as sombras. Seu aspecto geral é o de um ser astuto, incansável e profundamente maléfico, pronto para espalhar o terror e a desordem por onde passa. Então Arthos começou a segui-lo a uma distância segura. Afinal porque somente um? Sempre ouvira que tais criaturas sempre atacavam em bandos. E sim, pode ser apenas um renegado solitário.

O hobgoblin demorou a chegar até a praça central da aldeia. Seus passos eram vagarosos, exigiam um esforço enorme. Ele deixava um rastro em zigue-zague nas ruelas de terra batida, segurava o estômago com o braço esquerdo. Enfim, avistou o centro da vila. Olhou para o mosteiro, para o rosto do que seria uma divindade esculpido na torre, e cuspiu no chão.

Farejou o ar e seguiu até a taverna.

O salão comunal estava vazio. Todos haviam se fechado em casa, e agora espiavam por frestas em suas janelas. O soldado bestial desabou numa cadeira. Bruniu e fez um gesto para o taverneiro.

— Sim, senhor! Gaguejou o taverneiro. — Hidromel! Latiu o hobgoblin.

O taverneiro levou um chifre e uma grande ânfora cheia da bebida até o freguês monstruoso.

O hobgoblin rosnou algo, derrubou o chifre com o safanão e arrancou a tampa de cera da ânfora com os dentes. Então derramou a bebida em sua boca, bebendo em goladas fartas e deixando o resto escorrer pelos cantos dos lábios.

— Mais! Rosnou o hobgoblin, com cara de poucos amigos.

O taverneiro obedeceu.

Enquanto isso, o hobgoblin continuava segurando o estômago com o braço esquerdo.

Pouco tempo depois três pessoas adentraram na taverna, uma garota encapuzada acompanhada de dois guardas da cidade. Os três não portavam armas, não queriam provocar o visitante.

Sentaram -se numa mesa longe do hobgoblin. Pediram vinho. Ficaram observando -o discretamente, enquanto ele secava ânfora após ânfora de hidromel. — O que há para comer neste pardieiro?

exigiu o visitante.

— Hoje temos leitão assado, senhor.

— Pois traga o leitão inteiro!

Frente a frente com o assado, o hobgoblin meteu a

boca na carne, sem se preocupar em usar as mãos,

muito menos qualquer tipo de talher. Devorava a comida

como um cão, molhando a carne com sua saliva

pegajosa. Contudo, cada mordida provocava-lhe uma

careta. Ele engolia com dificuldade.

— Mais hidromel! Não tem nada mais forte, humano?

O taverneiro trouxe duas ânforas de hidromel e encheu um

caneco com um destilado de milho, algo que esquentava

por dentro e mesmo os mais sedentos aldeões

consumiam em pequenas doses. O hobgoblin esvaziou o

caneco e exigiu mais. Alguns minutos depois, pareceu

mais aliviado: comia sem tantas caretas.

Quando estava saciado, ergueu-se da cadeira.

Quando estava saciado, ergueu -se da cadeira. Dirigiu-se para o taverneiro.

— Aqui está o seu pagamento, humano! Jogou algumas moedas de cobre na direção do taverneiro.

— Agradeça por eu beber e comer em sua espelunca!

Cambaleando ainda mais, o hobgoblin saiu da taverna e todos tiveram medo do que ele faria a seguir. A garota com o capuz ergueu-se também e foi até onde o visitante estivera sentado.

Observou a cadeira e mordeu os lábios com expressão fúnebre. Ela e os guardas saíram sem dizer uma única palavra.

Assim que saíram, Arthos também foi até onde o visitante ficou. A cadeira estava encharcada de sangue!

— Seja ele quem for, ele está ferido. Disse Arthos em pensamento.

Então ele ouve algumas vozes fora da taverna. Vozes essas que pareciam bem preocupadas com o acontecimento.

— Não quero imaginar o que pode acontecer se este hobgoblin morrer na nossa cidade.

Um soldado de uma horda não poderia morrer ali. Sua morte provocaria vingança. E sua vida valia mais que a de qualquer humano.

O hobgoblin andou a esmo na praça central,

observado de longe pelos aldeões. A embriaguez parecia

ter aliviado sua dor, mas não lhe dera mais propósito. Ele

examinou uma e outra árvore, chegou perto de uma e

outra casa. Então voltou ao meio da praça e vomitou.

Após algumas golfadas, rilhou os dentes, segurando o

estômago e maldizendo os deuses e o destino.

Na areia, pingos de sangue.

O guarda Dacian e o guarda Cedric se aproximavam

com cautela.

— Não bastava uma tarefa como esta existir.

Cedric sussurrou. — Não bastava a chance de sermos

destacados para fazer isso. Você precisava se voluntariar.

— O voluntário fui eu — Dacian sussurrou de volta.

— Você podia ter ficado dentro do mosteiro.

— E deixá-lo sozinho com o hobgoblin? Você não

duraria cinco minutos.

— Eu estou melhorando nos treinos de combate.

— Mas não melhora nada nos treinos de bom senso!

Mostraremos a ele

que o amor de Phelor é mais forte que as armas.

— E a idiotice dos clérigos é mais forte que ambos.

O hobgoblin sentou no meio da praça. Grunhiu e

curvou-se sobre o ferimento. Agarrou punhados de areia

e bateu com a mão fechada no chão, esbravejando de

dor. Os dois chegaram perto, devagar.

— O que querem? — rugiu o homem bestial.

Dacian tentou falar algo, mas ficou paralisado.

Balbuciou sílabas ininteligíveis e teve certeza de que iria

morrer com um golpe do visitante ferido ou de medo,

tanto fazia. Cedric tomou a frente:

— Venha conosco. Você está ferido. Vamos ajudá-lo.

O guarda Cedric deu alguns passos na direção do

hobgoblin. Ele, por sua vez, ergueu-se com esforço.

Cedric estendeu a mão para ampará-lo. Então o

guerreiro bestial agarrou o pescoço do guarda, puxou-o e

deu-lhe uma cabeçada. O nariz de Cedric estourou em

sangue. O hobgoblin jogou-o para trás, e Cedric caiu de

costas na areia. O hobgoblin uivou de dor, mas riu do

guarda.

Observando tudo perto da taverna Arthos fez menção de sair correndo. Mas uma mão o segurou, era uma mão feminina. Seu rosto estava coberto por um capuz. Ela agarrou seu ombro e o deteve.

— Deixe-me ir até lá! Disse Arthos em tom de urgência

— Pare de resistir. Ou Você vai se machucar.

— Dacian e Cedric estão em perigo!

— Sim. Grave perigo.

— Eles podem morrer!

— Podem. E a morte de dois guardas não é nada em

comparação com o que pode acontecer caso o hobgoblin

morra.

Arthos não compreendia. Mas a força física da jovem donzela

superava sua indignação.

— Não tenha medo — disse o guarda Dacian, saindo

de sua paralisia ao ver o amigo no chão. — Só queremos

ajudá-lo.

O hobgoblin deu um soco em seu estômago. Dacian

dobrou-se para a frente. Então recebeu um chute

violento no rosto. O agressor gemeu e gritou de agonia.

Para aquela criatura, o instinto de ferir era maior do que

a própria necessidade de sobrevivência. Ele estava surdo

para as palavras dos guardas. Divertia-se batendo neles,

mesmo que ferisse a si mesmo no processo.

Uma pequena poça de sangue se formava a seus pés. Por causa da confusão, chegou mais uma pessoa cujo nome era Padre Aldric, um homem idoso com vestes sagradas e olhos sábios.

— Que seu deus se afogue em merda! — blasfemou o

hobgoblin, empurrando Cedric.

O guarda caiu de novo, e o hobgoblin chutou-o

repetidamente.

— Phelor, eu suplico que o cure! — disse

Aldric, entre uma e outra pancada.

O sangue do hobgoblin pingava sobre ele.

Dacian se aproximou por trás, A criatura deu-lhe uma cotovelada na boca. Ele segurou o lábio rompido.

O hobgoblin não conseguia mais ficar de pé. Ajoelhou se

sobre Cedric, fechou o punho e bateu.

— Ele vai matá-lo! — disse Arthos seguro pela garota.

E então o que ela disse foi mais cruel do que Arthos

jamais pensara que alguém poderia ser:

— A vida de Cedric é menos importante do que a do

hobgoblin.

Um soco, dois, três, e o padre Aldric continuava

rezando. Seu rosto já estava inchado. Um olho se

fechara, as palavras saíam tortas dos lábios feridos.

O hobgoblin recuou o punho para o próximo soco.

Então retorceu a face e grunhiu. Seu braço tremeu. Ele

segurou o estômago com as duas mãos.

E caiu sobre Cedric.

— Ele está…? — perguntou Dacian.

— Respirando ainda — Cedric falou com dificuldade.

— Desmaiado. E pesado. Tire-me daqui!

Chorando de alívio, Dacian obedeceu.

— Agora vá ajudá-los, Arthos.

Ele saiu em disparada rumo aos dois guardas.

Era Noite. O hobgoblin dormia. Estava na enfermaria

do mosteiro, estendido sobre uma cama. Tinham

removido sua armadura, guardado seus pertences e

limpado seus ferimentos. Havia um corte fundo em seu

estômago, que recebera magia, unguentos, sutura e um

curativo de bandagens brancas. Também tinham lhe

dado uma bebida feita de ervas, que o mantinha

desacordado, para aliviar sua dor e permitir que

descansasse. A respiração do hobgoblin era pesada e

laboriosa, mas regular e quase pacífica.

Arthos e a garota estavam de pé ao lado dele, observando-o.

Como estavam todos tensos, nem mesmo Arthos percebeu que ela havia tirado o se capuz. Ela tinha cabelos ruivos que caem em cascata sobre seus ombros, olhos cor de mel penetrantes e seu rosto angelical, alta e esbelta. Carregava seu arco feito de madeira de ébano negra com detalhes entalhados de chamas crepitantes. Suas flechas, eram emplumadas com penas vermelhas vibrantes, combinando perfeitamente com seus cabelos.

— Senhorita Nileya! disse o padre Aldric há quanto tempo chegou? Ela abriu um largo sorriso e o abraçou.

— Não tem muito tempo, mas mal cheguei e já estava tendo uma grande confusão. Pelos deuses, trazer um monstro como aquele para dentro do mosteiro, chega a ser uma afronta!

Nileya mudou totalmente sua feição. Estava muito chateada com aquela situação. Afinal ninguém sabe ao certo o que esperar, dessa visita desagradável.

— Não havia escolha, disse Cedric chegando de supetão.

— Bem que eu gostaria que a situação fosse diferente, mas não tem como saber se ele é apenas um batedor, ou um espião de nosso inimigo.

— E quem seria seu inimigo? Perguntou Arthos.

Todos na sala mudaram seu semblante, agora refletiam humilhação e revolta. Essa cidade é refém de um dragão negro, ele sempre vem de tempos em tempos, hora para destruir ou apenas para saciar sua sede por sangue... Ele comanda horas de orcs, goblins, e toda a sorte de criaturas horripilantes, esse maldito dragão pede sempre que o adoremos como se fosse um ser sagrado. Todos os que se negaram a fazê-lo ou foram comidos vivos, ou se tornavam num amontoado de carne derretida por seu ácido. Esse dragão se chama Obsidius. Nós estamos há muito tempo a mercê dele, e todas as nossas tentativas de convocar alguém para detê-lo foram infrutíferas... Uma lágrima correu pelo rosto do padre Aldric. Nileya havia partido justamente para tentar achar alguém que possa nos ajudar. Arthos se dirigiu ao padre,

— Bom, eu me ofereço para enfrentar esse tal Obsidius!

— Que Phelor o abençoe senhor! disse Aldric aos prantos.

Arthos ofereceu um pouco de água para o padre se recompor.

— Onde estão meus modos, ainda nem me apresentei a vocês com toda essa bagunça, bom eu me chamo...

— Você é Arthos Ringueril! Exclama Nileya.

— Já ouvi falar de você, eu estava passando pela cidade de Falcom. Arthos ficou em silêncio, quando passou por aquela cidade, não tem boas lembranças de lá. Nileya continuou. — Eu estava passando pelo bosque esmeralda, quando ouvi o brandir de espadas, e rugidos. Vi como você derrotou o Avoante sombrio, sua habilidade com a espada é realmente notável. Fui eu quem curou suas feridas, quando caiu desacordado. Todos na sala ficaram em silêncio, suas feições eram de surpresa e incredulidade. Como somente uma pessoa conseguiu acabar com aquela criatura demoníaca? — Isso é verdade senhor? Perguntou padre Aldric com um brilho nos olhos. O rosto de Arthos ruborizou um pouco, por todos estarem olhando para ele daquela forma. — Que maravilha!!! Grita o padre Aldric, Nileya o deteve rapidamente.

— Cuidado, vai acordar o monstrengo! Disse ela sussurrando. — Me perdoe querida, mas essa é uma grande notícia, finalmente poderemos passar pelo bosque sem ter medo daquela aberração. Que Phelor o abençoe senhor Arthos, nossa cidade tem uma dívida de gratidão com você. Então os dois guardas começaram com o interrogatório. — Como foi a luta?

Perguntou Dacian, — Ele era muito grande? Falou Cedric, ambos com olhos brilhando parecendo crianças pedindo ao pai para lhes contar uma história. Com medo que o Hobgoblin acordasse, padre Aldric fechou a porta, com cuidado, o monstro se virou na cama, mas continuou dormindo. Depois de várias perguntas os dois guardas foram para suas casas, mas Arthos, Nileya e Aldric, permaneceram conversando. Então Nileya continuou:

— As pessoas de lá tem opiniões bem diferentes sobre você, uns dizem ser um guerreiro valoroso. Outros dizem que não gostaram de você. Eu sinceramente, quero ter minha própria opinião sobre alguém. — Então eu estou em desvantagem, não sei nada sobre você senhorita. Disse Arthos com um sorriso sem graça.

— Não há muito o que falar sobre mim, mas tudo bem vamos lá.

— Por favor, deixe que eu apresente a senhorita para o senhor Arthos. Insistiu o padre. Ela suspirou fundo, e assentiu.

— Fique à vontade padre. Disse Nileya dando um sorriso.

Então o padre começou com a apresentação.

— Nascida em uma vila remota em Arvandor, Aria foi criada entre os bosques ancestrais. Desde jovem, ela exibiu uma aptidão natural para a arte do arqueirismo. Através de treinamento árduo e determinação implacável, ela se tornou uma mestra do arco e flecha, dominando a precisão e a letalidade dessa arma.

— Por Phelor padre, menos por favor. Disse Nileya com o rosto vermelho.

— Me desculpe pela empolgação minha criança, não acontecerá novamente. Disse o padre, dando um sorriso de canto.

Depois de um breve momento de descontração, a tensão voltou a tomar conta do ambiente.

— O que acha que vai acontecer quando ele acordar?

— Perguntou Arthos.

— Espero que vá embora, disse padre Aldric.

— E acha que ele vai mesmo? Arguiu Arthos

— Não. Acho que, quando acordar, ele vai atacar

alguém. Às vezes não entendo essas normas do

mosteiro. Disse Nileya em tom sério.

— Eu nunca as entendo. Vocês são todos loucos.

Os dois guardas tinham escapado com machucados

feios, mas não sérios. Haviam recebido tratamento e

curativos, e ficariam bem. Dacian estava sendo

paparicado por sua esposa, que o considerava um herói.

A bravura de Cedric tinha-lhe valido a admiração de

mais uma garota da aldeia, que suspirava por ele e pedia

que repetisse a história. Mas ambos só estavam vivos

porque o hobgoblin não tivera fôlego para continuar

batendo até que morressem.

— O que vamos fazer com esse sujeito? — disse Arthos.

— Tenho medo do que ele fará.

— Seria fácil matá-lo agora. Disse Nileya.

Como demonstração, Arthos colocou as mãos em volta

do pescoço do hobgoblin, com os dedos sobre sua

garganta.

— Seria fácil — continuou o guerreiro. — Bastaria

apertar, e pronto. Poderíamos dizer que ele morreu

dormindo. Talvez ninguém descobrisse a verdade.

Sentiu a respiração do hobgoblin em suas mãos. A

pulsação sob a pele grossa. Ruff foi tomado por uma

enorme sensação de poder. Bastava apertar. Lembrou-se

da surra que Dacian e Cedric haviam tomado e teve

muita vontade de resolver aquilo ali mesmo. Bastava

apertar. Uma ambiguidade a menos na vida.

Mas podia dar fim àquela ameaça, podia tomar

conta daquele problema. Num mundo onde nada era

claro, aquela decisão seria muito satisfatória. Não seria

mais preciso se preocupar com o que aquele hobgoblin

fazia na aldeia, ou o que ele faria quando acordasse. O

amor e o futuro eram incertos, mas a morte era decisiva.

O hobgoblin estava indefeso, por mais estranho que

fosse formular aquele pensamento. Matá-lo seria um

alívio.

Mas não o matou.

— Vamos comer alguma coisa — disse Arthos.

Tirou as mãos do pescoço do hobgoblin e deu-lhe as

costas.

O guerreiro bestial acordou e cumpriu a previsão de

Cedric. Abriu os olhos para enxergar um clérigo

examinando-o de perto e sua primeira reação foi

esmurrar o coitado. O clérigo caiu para trás, numa

prateleira cheia de frascos e potes. Quebrou alguns,

feriu-se nos cacos. Não reagiu: fugiu da enfermaria e

mandou chamar Nileya.

Arthos foi tirado de uma sessão de treinamento com espadas e acompanhou o líder do mosteiro.

— Não faça nada, Arthos. Apenas observe.

Encontraram o hobgoblin no meio do caminho. A

criatura se afastava da enfermaria, perdida nos

corredores. Ele estava nu. Seu corpo era abrutalhado,

cheio de músculos e com muitos pelos em alguns

lugares. Era pouco mais alto que Arthos — o homem

enorme era o único por ali que parecia fazer frente ao

físico do visitante.

— Onde estão minhas armas? — quis saber o

hobgoblin. — Minha armadura?

— Estão guardadas, senhor — o padre fez uma mesura.

Mesmo depois de tantos anos assistindo às

humilhações, Nileya balançou a cabeça para aquela

demonstração. Era um hobgoblin. Nem ao menos sabiam

se era um sargento ou oficial do exército de Obsidius. Podia

muito bem ser um desgarrado, um fugitivo. Nunca antes

um hobgoblin solitário chegara à aldeia. Mas o padre, que

não se curvava a ninguém, curvava-se a ele.

— Traga-me tudo que é meu, humano! — rosnou o

hobgoblin.

— E sem demora!

O prior mandou que Arthos trouxesse os pertences da

criatura. O guerreiro reuniu-os e carregou-os até o corredor.

A armadura era pesada, transportá-la era incômodo. As

armas faziam um clangor metálico umas contra as

outras. E havia pergaminhos em uma sacola rústica.

Ninguém ousara abri-los. Ninguém tocara nos pertences

do hobgoblin, exceto para guardá-los com cuidado. Ruff

achava que nenhum clérigo ou aldeão recebia tanto respeito.

Encontrou o hobgoblin no refeitório, sentado a uma

mesa. Ele bebia cerveja. Já havia uma garrafa vazia e

quebrada no chão, e outra pela metade a sua frente.

— Aqui estão suas coisas — disse Arthos, depositando as

sacolas aos pés da criatura.

— É bom que esteja tudo aí, humano!

Arthos afastou-se, rilhando os dentes.

Sem qualquer pudor, o hobgoblin vestiu-se em pleno

refeitório, sob a vista dos clérigos. O padre era o que mais

se aproximava e, mesmo assim, com deferência e

respeito. Quando terminou de colocar a armadura, o

homem bestial arrotou e mexeu em seus pergaminhos.

— Ele sabe ler — o padre murmurou para si mesmo,

como se isso fosse indicação de grande perigo. Então

dirigiu um olhar para Ruff. O guerreiro entendeu e chegou

perto. O padre repetiu: — Ele sabe ler, Senhor Arthos.

Tomamos a decisão certa.

— Você é o padre? — disse o hobgoblin, após secar a

segunda garrafa de cerveja.

O líder do mosteiro deu um passo à frente e disse que

sim. — Estou aqui para inspecionar sua aldeia. Não estão

roubando de Obsidius, humanos traiçoeiros?

— Nunca, senhor.

A Irmã Delilah, maior conhecedora de medicina do

mosteiro, aproximou-se, cega aos avisos silenciosos do

prior.

— Sente-se melhor? — perguntou a clériga.

— Como se feriu daquela forma?

Em resposta, o hobgoblin agarrou-a pelos robes e

derrubou-a no chão.

— Cadela humana insolente! Por que quer saber? Está

insinuando que sou fraco?

— Não, senhor! — gaguejou Delilah.

Mais uma vez, Ruff fez menção de intervir, e foi seguro

pelo padre.

— Peça desculpas, Delilah — ordenou o líder do

mosteiro.

— Desculpe, senhor!

O hobgoblin ficou um instante olhando-a.

— Suma daqui humana. E agradeça a seus deuses por

sua vida imunda.

Delilah ergueu-se e afastou-se, tremendo e sem dar as

costas ao visitante. Arthos ouviu o prior suspirar de alívio.

O hobgoblin bateu com o punho na mesa.

— Sirvam-me mais cerveja. E comida, estou faminto!

Então vamos examinar seus depósitos e ver o que estão

escondendo.

O hobgoblin era mesmo um enviado de Obsidius para

inspecionar a aldeia e o mosteiro. Era um sargento, o

líder de um bando de guerra. Não mencionou o que

acontecera com seus comandados, e o povo de Phelor nunca descobriu a origem de seus ferimentos.

O padre disse a Arthos, em tom sério, que um hobgoblin que

sabia ler era algo muito perigoso. Poucas daquelas

criaturas possuíam tal conhecimento, e aquele sargento

devia ser precioso no exército do tirano. Segundo o líder

do mosteiro, garantir sua sobrevivência fora a melhor

decisão.

E o hobgoblin tinha um nome: era Dorr’Bakk. Ao longo

dos próximos dias, o sargento Dorr’Bakk embriagou-se e

olhou os depósitos de grãos da aldeia. Entrou em cada

casa e revirou tudo. Derrubou prateleiras, quebrando os

parcos pertences dos aldeões. Desfez as camas de palha,

em busca de qualquer riqueza que pudesse estar

escondida. As casas mais ricas tinham piso de madeira, e

não de terra batida. O sargento quebrou as tábuas,

procurando por alçapões ou buracos ocultos. Não

encontrou nada — o povo entregava o que tinha a Obsidius.

No segundo dia de inspeções, o hobgoblin cansou-se

de fazer tudo sozinho. Recrutou a ajuda dos guardas.

Dacian viu seu pai escoltando o hobgoblin até a casa de

um vizinho. Viu-o parado, obediente, enquanto Dorr’Bakk

chutava a porta. O rapaz chegou perto, enquanto o

hobgoblin estava distraído dentro da casa.

— Você precisa ajudá-lo, pai?

— São as ordens dele, Dacian.

— Eu entendo que não podemos reagir. Mas você

precisa ajudá-lo?

— Reze para que ele não ordene coisa pior.

Aquela casa também foi revirada. A família não

escondia coisa nenhuma, mas mesmo assim ficou mais

pobre — roupas rasgadas, móveis destruídos.

À noite, o sargento Dorr’Bakk dormia na taverna.

Consumia imensas quantidades de cerveja, vinho,

hidromel e destilado. Comia mais do que qualquer um. Às

vezes, provocava brigas — os fregueses escolhidos

tinham de apanhar em silêncio, mas por sorte nenhum

dos ferimentos era fatal. Após alguns dias, é claro, a

taverna se esvaziou, tornando-se quase propriedade do

hobgoblin. Enfim as inspeções acabaram. Os aldeões respiraram

aliviados e imaginaram que o visitante iria embora na

manhã seguinte.

Mas a manhã seguinte chegou, e a única mudança foi

que, sem nada que o ocupasse, Dorr’Bakk estava

entediado. Bebeu ainda mais. Saiu à praça central e

decidiu que um guarda havia olhado para ele com

ameaça. Bateu no pobre homem até estar saciado. E,

com a fúria do ócio, foi extremamente violento. Quebrou

a mandíbula de sua vítima, que foi parar na mesma cama

na enfermaria onde o hobgoblin havia convalescido.

Depois de três dias sem inspeções, com apenas bebida

e violência para ocupá-lo, o hobgoblin não dava sinais de

ir embora. À noite, um grupo de aldeões esperou até que

ele desmaiasse de embriaguez e se reuniu na casa de

Nileya para deliberar.

— Por quanto tempo isso vai continuar? — disse

alguém. — Temos medo de sair de nossas casas dia após

dia!

— Minhas reservas de bebida estão acabando —

confessou o taverneiro. — Tremo ao pensar no

que acontecerá quando ele não tiver mais nada para

beber.

— Precisamos tomar uma providência! — disse

Cedric. — O que faremos?

Então a porta da casa se abriu de repente, e ouviu-se

um vozeirão:

— Não farão nada.

O padre surgiu.

— Tudo pelo que passamos agora não é nada

comparado ao que pode acontecer. Respeitem o

sargento. Respeitem Obsidius.

— Isso não é justo! — indignou-se um guarda.

— Isso é a realidade.

Na manhã seguinte, Dorr’Bakk ria de um aldeão que

escolhera para atormentar. O homem tentava se arrastar

para longe dele, e o hobgoblin divertia-se chutando areia

em seu rosto.

O sapateiro Bertus engoliu em seco e tomou coragem.

Chegou perto do guerreiro bestial.

— Sargento Dorr’Bakk!

O hobgoblin virou-se para ele, já agressivo.

— Há uma casa que o senhor não inspecionou —

gaguejou o homem. — Uma cabana afastada, na orla do

bosque.

Porque aquele povo estava humilhado, furioso,

fervendo de revolta. E, sem poder reagir contra o

opressor, decidiram reagir contra outro oprimido. Era

difícil bater em quem estava em cima, mas sempre é

fácil pisotear quem está embaixo.

— Uma cabana na orla do bosque — repetiu o

sapateiro. — Lá moram uma prostituta, sua filha

esquisita e seu filho imbecil. Arthos correu, rezando aos deuses para chegar a tempo. Encontrou a porta da casa de Áxia pendendo de uma só dobradiça. Aproximou-se e enxergou o corpanzil

do hobgoblin na exígua sala.

— Estavam se escondendo? — latiu o sargento. —

Escondendo-se de Obsidius?

— Não! — gritou Áxia.

Arthos entrou na cabana, atrás do sargento, com os

olhos arregalados. O hobgoblin olhou para trás, mas não

deu importância ao guerreiro. Os clérigos eram os mais

obedientes de todos.

— Que riquezas esconderam aqui?

— Nenhuma! — disse Áxia. — Eu juro!

— Então por que eu não conhecia este lugar?

— É só o lugar onde moramos.

A cabana de Áxia era afastada da vila. A não ser que

alguém procurasse por ela especificamente, não iria

encontrá-la apenas andando pela aldeia. Seria necessário

ir até o bosque. Não havia qualquer tentativa de se

esconder — apenas três pessoas vivendo no mesmo

casebre que pertencera a seus antepassados. A cabana

afastada, da família com quem ninguém se misturava.

— Acho que está mentindo, cadelinha humana.

Dorr’Bakk empurrou Áxia, e Arthos assumiu uma posição

de combate. Mas então se esforçou para relaxar.

Lembrou das palavras do padre. Deviam deixar o

hobgoblin em paz. A criatura puxou uma gaveta de um

móvel tosco, jogando-a no chão. Rion, o irmão mais novo

de Áxia, começou a chorar. Rion já tinha mais de 10

anos, mas ainda não conseguia falar direito ou

compreender o mundo. Seu rosto também era diferente.

Ele dependia de Áxia para quase tudo, e olhou para a irmã, desesperado e em busca de respostas, quando

enxergou a brutalidade daquele desconhecido.

— Vamos, o que está escondendo?

As camas dos três ficavam no mesmo quarto, e

Dorr’Bakk destruiu-as, procurando qualquer coisa oculta.

Perfurou o sapé do teto com uma lança, arruinando a

cobertura. Rion não parava de chorar.

— Cale a boca! — disse o hobgoblin, dando um chute

no menino.

Arthos gelou. Viu o rosto de Áxia se contorcendo, então

sua boca começando a formular palavras. Suas mãos

entrando numa posição complexa. Uma fagulha de luz —

a garota estava prestes a conjurar alguma magia arcana.

— Áxia, não — ele sussurrou. — Por favor.

Ela estacou. Deixou os braços caírem. Foi até Rion e

abaixou-se, abraçando-o e tentando reconfortá-lo.

Arthos fechou os olhos, Áxia fechou os olhos. Ambos só

ouviram os ruídos do visitante revistando o resto da

cabana.

— Não há nada aqui! — decidiu o sargento. — Você

tem uma vida de merda, cadelinha humana. Tome uma

moeda!

Dorr’Bakk jogou para Áxia uma peça de cobre e riu

ante a própria caridade. Então saiu porta afora.

Áxia não podia recusar dinheiro. Guardou a moeda.

Na madrugada. Como sempre, era o único período em que

havia paz na aldeia, pois o visitante já desmaiara de

tanto beber. Tudo estava em silêncio.

Arthos acordou sendo sacudido. Abriu os olhos,

confuso, e enxergou Nileya debruçada sobre ele.

— Venha ver o que eu fiz — disse a garota.

— Nileya, o que…?

— Venha ver o que eu fiz.

Ela se ergueu e chamou-o com a mão. A janela do

quarto estava aberta. Arthos esfregou os olhos e se

levantou. Nileya escalou janela abaixo. Ele, sem saber o

que fazer, imitou-a, ainda em suas roupas de dormir.

Assim que ambos tocaram o chão, ela correu em direção

à taverna. Arthos sentiu um enjoo de nervosismo e rezou

para estar errado.

Nileya escalou a parede da taverna e entrou por uma

janela aberta. Após algumas tentativas, Arthos também

conseguiu subir. Ela o ajudou, quando ele chegou perto

da janela, puxando-o para dentro.

Era o quarto malcheiroso do hobgoblin.

— Veja o que eu fiz — disse Nileya.

Então ela foi até a criatura. Pôs a mão em sua cabeça

e puxou-a para cima, expondo o pescoço.

A garganta estava cortada.

Os lençóis e a palha estavam empapados de sangue.

— Nileya, você…

— Matei-o. Foi muito fácil. Ele estava desacordado.

Enfiei uma adaga em seu pescoço. Esta adaga —

estendeu o objeto a Arthos.

O acólito pegou a arma ensanguentada.

— Ele gorgolejou um pouco, mas acho que nem

entendeu direito o que estava acontecendo. Então eu fui

correndo contar a você.

— Por quê?

— Você viu o que ele fez com Rion.

— Por que me contou?

— Você é uma pessoa em quem eu posso confiar Arthos, e estou em suas mãos. Iria ficar nas

mãos de alguém, e prefiro que sejam nas suas.

— Nileya, eu não sei o que vai acontecer.

— Tudo bem. Eu sabia dos riscos quando tomei a

decisão.

Arthos ficou longos minutos ponderando, em silêncio,

com a adaga na mão.

Por fim:

— Volte para casa, Nileya. Esqueça o que aconteceu

aqui.

Ela não disse nada e obedeceu.

Depois que Nileya se afastou, Arthos desceu pela janela,

não sem certa dificuldade. Foi até a casa de Cedric. A

porta não estava trancada; nunca estava. Chegou até o

quarto do amigo em silêncio e sacudiu-o.

— Preciso de sua ajuda — disse Arthos.

— É claro — respondeu Cedric, sem qualquer

questionamento.

Ambos entraram na taverna escondidos. Carregaram o

corpo para fora, com o maior silêncio possível. Voltaram

à taverna, tiraram toda a palha e os lençóis

ensanguentados. Enterraram tudo nos arredores da

aldeia.

— Obrigado — disse Arthos. — Eu não conseguiria fazer

isso sozinho, mas agora posso me virar. Volte para casa.

— Nem pensar.

— Você sabe o que vai acontecer aqui, Cedric. Vai haver

consequências.

— Que seja. Não vou deixar você sozinho.

Então, na praça central, vestiram

o cadáver com a armadura, puseram a espada curva em

sua mão e colocaram-no entre os dois. Arthos e Cedric com suas espadas cortaram o sargento morto com a espada e bateram em sua cabeça com uma pedra. Criaram uma cena que não era assassinato, mas combate. E Arthos guardou para si a adaga.

— Eu dei o golpe fatal, entendeu? — disse o guerreiro. — Você só me ajudou.

O culpado precisava ser o forasteiro, não o

filho de um outro guarda. Quando o sol se ergueu e o sino tocou, começou a aglomeração ao redor do cadáver. Ninguém escutara

uma luta durante a noite, mas ali estava o resultado. O

sargento Dorr’Bakk estava morto. Os aldeões choraram

de alívio, ao mesmo tempo em que tremeram pelo que o

futuro podia trazer.

Mas o futuro era sempre muito distante.

Arthos estava de pé na frente da porta fechada

da sacristia. Bateu e esperou o padre abrir.

— Eu matei o hobgoblin — disse, à guisa de

cumprimento.

— Fugi de meu quarto essa noite. Ele estava

perambulando na praça e eu o matei.

— Entre, Arthos.

Arthos entrou na sacristia. Sentou-se de frente para o

padre.

— Por que fez isso?

— Não aguentava mais — disse o guerreiro. — Ele nunca

mais iria embora. Então, não faria diferença se vivesse

ou morresse, porque nunca iria voltar para Obsidius. E, de

qualquer forma, ele poderia ter morrido antes de chegar

à aldeia! Podemos arrastar seu corpo até a estrada,

ninguém vai ficar sabendo.

— Matou-o sozinho?

Engoliu em seco.

— Cedric me ajudou. Mas só porque eu pedi! Ele não

tem nada a ver com isso. Eu tomei a iniciativa, eu dei o

golpe fatal.

Mostrou a adaga ao prior.

— Uma adaga. Você não costuma lutar com uma

adaga, guerreiro.

— Estava sem meu escudo.

— Você está mentindo.

Arthos sentiu o estômago despencar.

— Não! Fui eu!

— Está mentindo e tomou uma decisão muito séria,

apesar de tudo que lhe falei.

O padre segurou-o pelo braço.

— Você tomou uma decisão, guerreiro. Certa ou

errada, foi uma decisão de homem. Você assumiu para si

o pecado dos outros. Certo ou errado, foi o gesto de alguém que se importa mais com os outros que consigo mesmo.

— O que vai acontecer agora? — perguntou.

— Talvez nada. Talvez o pior. Mas, qualquer que seja o

futuro, você irá encará-lo como um guerreiro.

Nisso passaram-se dias, que viraram semanas, que se transformaram em meses. Desde a morte do hobgoblin tudo estava em paz. O que para os demais moradores era ótimo, mas para os clérigos do mosteiro Nileya e o padre Aldric, aquilo poderia ser apenas uma breve calmaria antes de uma terrível tempestade. Arthos que antes era considerado apenas um forasteiro, foi ganhando o reconhecimento e fama que lhe era justa e também compartilhava dos sentimentos dos moradores. Mas ele aproveitava para treinar suas habilidades. Mesmo em tempo de paz, um guerreiro deve estar sempre preparado para qualquer eventualidade. Mas sempre estava pronto para ajudar em qualquer tarefa que lhe fosse dada. E com isso ele foi criando um vínculo muito forte com aquelas pessoas, em especial com Nileya. Os dois sempre que podiam estavam juntos, seja em uma taverna ou em alguma aventura. Formavam uma dupla realmente formidável. Mais cedo ou mais tarde, suas habilidades seriam postas a prova outra vez. A noite caía sobre a de cidade de Arvandor com uma escuridão opressiva, enquanto a chuva começava a cair em uma melodia triste e incessante. As gotas frias e pesadas batiam contra as janelas, criando um som inquietante que ecoava por toda a paisagem. A rua deserta estava mergulhada em sombras, as lâmpadas enfraquecidas lutando para penetrar a escuridão. Os relâmpagos rasgavam o céu, iluminando brevemente as ruas escuras com uma luz branca e pulsante. Os trovões ecoavam poderosamente, vibrando através dos ossos e trazendo uma sensação de inquietação. De repente, um trovão ribombou pelo céu, rasgando a escuridão e preenchendo o ar com um estrondo poderoso. O som reverberou pelos ossos, ecoando como um rugido ameaçador.

— AAAAAHHH! Gritou Nileya.

—Arthos, o que foi isso?

—Ouviu aquele trovão assustador?

—Sim, disse ele com extrema calma. Nileya, é apenas um trovão. A tempestade está ficando mais intensa.

Nileya parecia preocupada. —Essa escuridão e o som do trovão... Estou me sentindo inquieta, como se algo estivesse errado.

Arthos com o passar do tempo aprendeu a confiar na intuição de Nileya, sempre que ela dizia que algo iria acontecer, era certeiro.

Então outro raio, dessa vez com mais intensidade. A noite virou dia por poucos segundos. E isso foi suficiente para que Arthos e Nileya vissem uma silhueta que se aproximava de sua casa. Os dois engoliram em seco. Arthos então, pegou sua espada e ficou atrás da porta e pediu para que Nileya a abrisse. Ela nem teve tempo de se preparar, a porta se abriu num solavanco fazendo a cair no chão, com um homem em cima dela. Arthos se preparava para desferir um golpe, mas Nileya o deteve.

— Arthos, pare!

Ele parou a poucos milímetros da cabeça. Mais um pouco e ela estaria rolando pelo chão. Mas felizmente não foi o que aconteceu. A tempestade continuava violenta lá fora. Enquanto a chuva caía implacavelmente, criando poças espelhadas nas ruas, as pessoas se recolhiam em seus lares, trancando portas e janelas. Eles sentiam a presença inquietante que permeava a noite chuvosa, o presságio de algo sinistro que estava prestes a ser revelado. Arthos ajudou o homem, a se levantar Nileya ainda estava atônita, mas se levantou logo em seguida.

— O que houve com o senhor? Perguntou Arthos colocando o homem sentado numa cadeira que estava ali perto.

Mas o homem não dizia nada, ele chorava, parecia tentar organizar seus pensamentos para formular alguma frase inteligível. Ele estava todo encharcado. Nileya trouxe uma toalha e uma manta para que ele pudesse se secar e acenderam a lareira para que ele pudesse se aquecer.

— O que houve com o senhor? Perguntou Nileya com a voz doce. Assim que ele a encarou sua cara foi de surpresa e preocupação.

— Senhor Gideon! Gritou Nileya dando um abraço nele.

— Você o conhece Nileya? Perguntou Arthos, com certo tom de surpresa.

— Sim, ele cuidou de mim quando eu era criança. Ele mora numa vila que não fica distante daqui. Ele era alto e magro, com cabelos grisalhos e uma barba branca. Ele sempre usava uma camisa branca e calças pretas.

— Mas o que será que aconteceu?

— É o que eu pretendo descobrir. Disse Nileya.

Então, passado o susto Gideon secava as lágrimas que ainda teimavam em cair. Sua voz ainda embargada, começou a falar.

— Nileya, minha querida. Nossa aldeia foi atacada, levaram tudo, pessoas morreram, outras foram levadas como escravos. E... eu não pude fazer nada pra ajudar. Eu fui covarde e me escondi, tudo que pude ouvir foram os gritos de desespero e dor de todos...

Nileya apertou os braços finos e enrugados de Gideon com força.

— Quem? Quem fez isso?

Ela sacudia o velho senhor. Arthos por sua vez a conteve.

— Fique calma, desse jeito você vai machucá-lo ainda mais. Nileya se desvencilhou de Arthos e deu alguns passos para trás.

— Me perdoe Gideon, é que o que você está me dizendo é muito sério.

Gideon por sua vez, continuou a falar. Eram Orcs, uma tribo inteira ao que me parece.

Ambos ficaram chocados com a revelação. Não havia tribos de Orcs por aquelas bandas, então com certeza eles vieram de outro lugar, — é isso mesmo jovem Nileya, disse Gideon, pude ouvir que eles vieram do Vale da Presa.

— O Vale da Presa? Disseram os dois em uníssono.

Nileya parecia incrédula com a revelação.

— Mas com que objetivo andar uma distância dessas? Pensou Nileya, — O que pode ter acontecido? — Caminharam mais de dez dias para chegar até a aldeia. Disse Nileya.

Ao que tudo indica, essa noite vai ser longa. Enquanto Arthos preparava algo para que eles pudessem comer, Nileya continuou conversando com seu amigo Gideon, que por sua vez contou tudo o que ele havia presenciado e ouvido. Parece que os tempos de paz, acabaram...

Alessandro Silva
Enviado por Alessandro Silva em 11/05/2023
Reeditado em 15/07/2023
Código do texto: T7785461
Classificação de conteúdo: seguro
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