Mudança

O nome dela era... era... era... Não se lembrava. Perdera sua identidade em algum momento. Mês passado, era Luíza, vendedora de móveis, que ganhava um salário mínimo mais comissão, trabalhava oito horas por dia e passava mais duas horas no transporte público. Há algum tempo foi Marina, ícone no Onlyfans, vivendo em um apartamento luxuoso em Ipanema, vivendo do bom e do melhor. Era uma transmorfa. Nascera com a habilidade de mudar completamente a sua aparência. Desde pequena, foi ensinada que deveria fugir. Nunca permanecer no mesmo lugar por muito tempo. Não se lembrava mais o porquê, mas o aviso de décadas atrás feito por uma senhora que supunha que já ter chamado de mãe lhe deixou profundamente marcada. Passava algum tempo em uma cidade e começava a sentir calafrios e uma necessidade absurda de fugir, de mudar, de ser outrem. E nisso esquecera de quem era. Nasceu loira? Tinha olhos verdes ou castanhos? Era alta ou baixa? Qual foi o seu primeiro nome mesmo? Quando se transmutava em uma nova persona, criava uma nova identidade, uma história completamente diferente, por vezes conseguia mesmo se lembrar do que nunca havia vivido na infância. E agora que se preparava para mais uma vida (seria Joana, dona de casa fiel, casada com um funcionário público no interior do Tocantins), tentava em vão encontrar sua essência. Lembrou-se de Heráclito e contentou-se, ao menos por hora, com a única resposta que lhe vinha à mente: era a própria mudança.

Gustavo Samuel
Enviado por Gustavo Samuel em 03/05/2023
Código do texto: T7779290
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