O Cantar da Noite Sobre Gelo
No despontar da noite eles corriam pela floresta, porém, ainda não sabiam que já era inverno.
Cuidadosamente Bio, Dio, Fio, Gio e Mio, os cinco irmãos anões, corriam por entre as árvores da grande floresta de Greyfall, onde as árvores eram cinza como o gelo e as folhas que caiam delas eram vermelhas como o fogo. De pé em pé os anões corriam, cuidando especialmente para não pisar sobre nenhum animal escondido entre o chão avermelhado pelo aglomerado de folhas. A região era conhecida por esconder todo tipo de ser vivo em suas entranhas, isso, diziam, se devia por causa da abundância e magnificência da natureza - em nenhum outro lugar havia as árvores cinzentas e suas chamas nos galhos. O local também era definitivamente conhecido por ser quente, não tão quente a ponto de ser um marco, mas tão morno que já podia ser conhecido também como Chaleira - outro ponto a se pontuar é que o lugar era tão úmido quanto meias após um longo dia de trabalho sob o sol.
— Será que escapamos? Ah, que lindo, que lindo! — disse Fio, logo após dando algumas contentadas risadinhas — O velho nem mesmo pensou em imaginar que estávamos o roubando enquanto dormia! Ha, e ainda falam que anões são péssimos ladrões. Que lindo, que lindo.
— Humhum — Era a vez de Mio comemorar — Haha, humhum — murmurou Mio.
— Silêncio — cismou Dio — ainda estamos perto demais para vocês ficarem fazendo barulho assim — E recebeu um aceno de Bio que concordara.
Gio continuou seguindo sem nenhuma palavra. Seus olhos se atentavam no que tinha à frente e seus ouvidos no que vinha de trás. De suas orelhas élficas, que, a propósito, todos os irmãos tinham, conseguia ouvir uma grande área à sua volta - vale ressaltar que as suas, por qualquer motivo do destino, eram as únicas orelhas que ouviam mais do que o comum dentre a dos irmãos. E foi então, ao ouvir um pequeno chiado, que parou e levantou o braço para que os outros parassem igualmente, e foi o que fizeram.
— Que vem lá? — sussurrou Fio já aproximando sua mão do machado preso nas costas. Todos os outros fizeram o mesmo, inclusive Gio, que iniciou pose de batalha.
Logo então viram uma sombra se aproximando pela mata, sombra essa que se alongava pela luz da lua que passava pelos galhos e folhas e, por causa disso, a sombra que viam era vermelha, tão vermelha quanto o próprio inferno. A figura se movia desengonçada, mas ao mesmo tempo seu corpo era tão imóvel quanto o de um morto.
— Quem vem lá? — Dessa vez foi Gio que perguntou, esbravejando — Não se aproxime mais! — Foi um aviso sério. Gio já posicionava sua arma para atacar ao menor movimento e, como se assustada pelo aviso, a sombra parou.
Se passaram alguns segundos e nada de movimento ou fala, tanto por parte dos anões quanto por parte da sombra. Nesse momento Gio começou a observar mais atentamente a figura e notou algo estranho. As roupas que usava estavam rasgadas em diversas partes e tinha algo mais estranho ainda, só agora notava que a figura era extremamente magra, tão magra que ele começou a duvidar do fato de estar vendo essa pessoa... ou melhor, essa coisa em pé, e viva. Então, quando a figura balangou um pouco para frente:
— É um morto!
Quando gritou todos levantaram seus machados, mas um grito travou todos os movimentos. Quando olharam para trás viram Bio. Um esqueleto se pendurava em seu corpo, seus olhos vermelhos fitavam friamente o rosto apavorado do anão que, ao receber um aperto no pulso, perdeu o controle da mão e derrubou o machado no chão.
— Socorro! Me ajudem seus bagres! — gritou. Seu rosto assustado era um de grande contraste com o largo sorriso que a caveira ostentava, e seus olhos escuros de anão eram diferentíssimos dos olhos vermelhos que o fixavam.
Quando os irmãos começaram a se mexer para ajudá-lo, era tarde demais. A figura que estava parada pulou alto como um guerreiro e caiu sobre Gio. Fio foi agarrado por um vindo da terra, e logo começou a ser puxado para o recanto do morto junto com Mio, que havia sido agarrado por outro. Dio, sem saber o que fazer, correu para cima do esqueleto que segurava Gio, já que obviamente ele era o mais forte e poderia ajudá-lo com os outros, mas, quando fez o primeiro movimento, um relincho veio de lugar nenhum. Para seu azar, Dio conhecia muito bem esse barulho e conhecia muito bem que cavalgava sobre o ser que relinchou. Suas pequenas pernas começaram a tremer e somente nesse momento, assim como seus irmãos, percebeu que nevava. A neve que se juntava rapidamente no chão abafava o som dos cascos do cavalo, mas ele sabia estar próximo. Enquanto focava nesse som, nem sequer ouvia os gritos de agonia de seus irmãos que começaram com "Faça alguma coisa", "Corra!", "Que feio, que feio!", "Humhumhum!" e passaram para "Socorro!", "Tenha piedade, Gholor", "Estou morrendo!", "...".
Quando o cavalo chegou, já havia gelo crescendo na barba de Dio e sua respiração ficava cada vez mais difícil por causa do ar. Sua visão estava um pouco turva, mas ele viu claramente quando a morte chegou sobre seu cavalo defunto e desmontou. Detrás deste, saiam linhas de fumaça que, quando olhou melhor, percebeu serem moscas. O estranho, para ele, era que nenhum dos insetos queria o cavalo verde e de tripas sobre o chão.
A morte andou vagarosamente até o anão. Ele esperava que fosse estraçalhado, estripado, estuprado, queimado ou qualquer outra coisa que terminasse com 'ado', então ficou confuso quando a morte chegou com seu capuz remexendo contra o vento e tocou em seu rosto delicadamente. O sorriso de sua mãe apareceu do escuro profundo dentro do capuz e a mão dela virou seu rosto para ver seus irmãos. Estavam todos mortos e seus corpos eram devorados pelos esqueletos, os quais não faziam distinção de partes consideradas boas ou ruins pelos humanos em animais. Dentre os dentes dos mortos-vivos era possível ver pedaços de todo o corpo sejam orgãos, pele, cabelo, dedo, membro ou até mesmo olhos. Carnificina é como aquela cena seria descrita por um humano, mas para morte e sua trupe era um banquete.