Imprevisíveis infidelidades
Alguém já disse que nós somos nossas circunstâncias. Tenho certeza que na vida de todos já aconteceu algum imprevisto e com a continuação dos fatos se verificou que o passado se acomoda nesta imprevisibilidade e se transforma em futuro.
Eu ia fazer quinze anos quando Bartolomeu foi passar uns dias conosco em Itae, nossa fazenda ao pé da Chapada dos Guimarães. Ele estava viúvo há poucos dias e talvez para não rememorar as lembranças da amada, dos amigos, dos lugares, tenha aceitado o convite de meu pai.
A família de Bartolomeu era do nordeste, embora seus avós fossem belgas, oriundos do Congo, decidiram se fixar numa mesma latitude, pois a cana de açúcar era mais lucrativa por aqui. Assim, eles se tornaram grandes usineiros de açúcar e coronéis políticos.
Meu pai era um barão do café e tinha bastante influencia no senado da capital da República, o Rio de Janeiro.
Na época eu não sabia que Bartolomeu estava com trinta e seis anos e era o mais jovem senador da república. Descrever aqui o significado social, político e psicológico de um político naqueles conturbados anos de Artur Bernardes, é desnecessário para o âmago desta história.
Minha paixão por Bartolomeu foi primeiramente física, é claro. Alto, aloirado, olhos verdes e sempre bem vestido. Era muito calado para meu gosto, mas tinha sempre um sorriso nos lábios quando falava com alguém. Ao vê-lo pela manhã até a hora que se recolhia, estava sempre com seu terno de linho branco ou de flanela creme e com as indefectíveis polainas cobrindo as botinas.
Sua elegância tinha algo de blazé devido a colocar uma das mãos no bolso da calça enquanto caminhava, em vez de usar uma bengala como todos os cavalheiros faziam.
Todos esperavam que ele fosse mais exaltado nas reuniões que aconteceram naquele tempo, mas com seu modo sereno de argumentar, as reuniões ficaram mais amenas.
Certo dia, vendo os peões adestrando um cavalo, Bartolomeu com seus movimentos suaves e firmes, despiu o paletó, descalçou as botinas, arregaçou as calças até o meio das panturrilhas e com habilidade montou no azalão, domando-o.
Esta foi a primeira vez que tomei conhecimento que meus seios tinham crescido bastante e que os mamilos ardiam de um modo prazeroso.
Quando chegou a hora de Bartolomeu partir, ele nos presenteou a todos. A mim deu uma correntinha de ouro com a medalha de Santa Luzia.
- Que ela sempre proteja seus belos olhos, menina Adélia.
Não consegui nem agradecer. Baixei a cabeça e corri pro meu quarto. Todas as cores de minha vida se eclipsavam na cor branca do terno da minha paixão.
Nos dois anos seguintes eu estava quase sempre adoentada. Explicar isso também é desnecessário, o astucioso leitor saberá a razão.
Perto do Natal meu pai nos disse que Bartolomeu viria ficar com a gente. Meu pai nunca me contou, mas eu fiquei sabendo que Bartolomeu sempre lhe perguntava como estava minha saúde.
- Meus bons amigos, que tão regiamente recebem-me aqui neste teto, estou eternamente em dívida com vosso carinho –
Naquele inesquecível jantar Bartolomeu iniciou sua declaração de amor a mim.
- ... e, portanto, humildemente, peço a mão da menina Adélia!
Todos ficamos surpreendidos, tal qual no dia que ele domou o cavalo. Minha mãe levantou-se e veio me abraçar como me defendendo, com um olhar aflito. Meu pai tinha a expressão de um homem traído. Possivelmente se indignara com o amigo que tinha afronta de querer sua mais bela filha como mulher. A questão de ele ser vinte e um anos mais velho também pesou.
- Senador, estou surpreso pela sua falta de tato. Creio também, que Adélia gostaria de se casar, mas não é com um senhor que poderia ser pai dela. Coisas assim nunca dão certo quando são decididas tão abruptamente. Então, Bartolomeu, espero que voce não esteja no seu juízo normal e esqueça do que falou, pois todos nós a partir de agora, não escutamos nada do que foi dito antes.
Os dois homens, de pé, postados nas cabeceiras opostas da longa mesa se encaravam. Bartolomeu polidamente baixou o olhar e enfiou uma mão no bolso da calça.
Eu queria dizer que aceitava. Queria gritar o meu sim pro belo espécime que me desejava. O branco de seu terno agora abria as cores do arco-íris como o prisma de Newton.
Mas o busto e o braço de minha mãe não só me sufocavam como cegava a luz. Comecei então a soluçar fortemente, pois antevia aquele braço e busto junto às minhas atitudes pro resto da minha vida.
- Não chore, querida Adélia. Dentro de um ano voce será maior de idade e poderá decidir sozinha. Se voce não me quiser, paciência. Não casarei com mais ninguém.
Tenho certeza que todos nós ficamos, ao menos um pouco, comovidos com estas últimas palavras do meu arcanjo. Eu imaginei que havia um cavalo branco alado esperando por ele, assim que saudou a todos com um leve inclinar da cabeça e se retirou.
Todas as ameaças de meus pais não impediram que eu me tornasse completamente saudável e desabrochasse tão femininamente que as pessoas se esforçavam em agradar-me por puro prazer.
Nos meses seguintes minha beleza e simpatia faziam a felicidade de todos os mortais, ultrapassando as fronteiras de Minas Gerais.
As primeiras cartas que Bartolomeu enviou-me nem chegaram às minhas mãos e para alívio de meu pai, cessaram completamente.
Minha ama retirou do cesto de papéis o envelope com o remetente, assim Bartolomeu passou a enviar para a casa de um parente dela e nossas cartas de amor desse tempo são mais valiosas do que toda riqueza que agora tenho.
Por fim, minha família devido às circunstancias, aceitou o imprevisto pedido de casamento.
E como toda bela princesa, tive o casamento cheio de pompa e circunstancia.
Depois disso tudo, já é hora do paciente leitor saber da minha imprevista infidelidade.