Velha escola
O homem chega, diz boa tarde, pede licença, pergunta se pode entrar. Estudei aqui, sabe?, explica. A zeladora para de limpar as janelas, escuta desconfiada, mas acaba concordando. Bem, sim, acho que não tem problema, responde. E o homem, sorrindo por entre as rugas, passa pelo portãozinho da escola, sob os olhares vigilantes da zeladora.
A zeladora não sabe a intenção do homem, ele, menos ainda. O que quer ali? Perambula pelo gramado observando as antigas árvores – maiores do que lembra -, localizando a velha cancha de areia – menor do que lembra.
Vê o escorregador azul, que outrora foi vermelho; o gira-gira, onde sempre perdeu o desafio de quem aguenta girar mais rápido e por mais tempo; o balanço, o mesmo que um dia rendeu um choroso galo em sua testa.
Notando que há muito do mesmo nas entrelinhas do tempo, constata a mistura irreversível entre lugares, datas, coisas e pessoas, sem saber se isso é bom.
Avista a quadra de esportes, toda ela em cimento, a mesma disposição de esfolar joelhos. Entre a quadra e a parte frontal do pátio, uma cerca de madeira; naqueles anos, caiada, um branco que reluzia no início dos semestres; naquele momento, uma pintura de cores chamativas.
Os dedos tocam a cerca, um arrepio eriça a nuca do homem. A aspereza, aquela aspereza particular, ainda está lá, e faz surgir uma ideia mágica, ridícula, tentadora: se tudo é tão igual, quem sabe eu...
É interrompido por dois meninos sentados ali perto desembrulhando suas merendas.
Quer trocar?, pergunta o dono da maçã. O outro, com um pacote de bolacha Passatempo, não tem certeza do mérito daquela troca. Troco não, diz. Mas tó, pode pegar também, e oferece ao amigo.
O homem dá um sorriso capaz de durar décadas.
Senhor!?, chama a zeladora. Só tirei os olhos dele por um minuto!, se espanta. Ao fim, dá de ombros, a escola está limpa e pronta para as aulas do dia seguinte. Foi embora, conclui.
Ela sai pelo portão, passa a tranca, sem nunca escutar que os meninos continuam lá, num longo recreio, um explicando para o outro, muito seriamente, que o melhor jeito de comer Passatempo é abrindo e indo primeiro no recheio.