A Travessia - Desencontro. Capítulo 02

A carroça era ótima, quase uma carruagem, não tinha uma tapagem sobre os viajantes, mas era tão confortável quanto, o banco era até almofadado. Péssima era aquela estrada seca, nem parecia ter chovido no dia anterior, a poeira era igual neblina. Quando cruzavam com algum outro viajante sempre se cumprimentavam com um "uopa" humilde e respeitoso, no interior é assim. Esse habito também se repetia com os moradores das casas mal rebocadas, que eram uma distante da outra com grandes intervalos de pura mata. Ali todos se conheciam ou, pelo menos, sabiam quem eram.

Gan balançava sonolento com os movimentos do veículo por ter dormido tarde. Já Gugu tentava fisgar algo na conversa dos adultos.

— Sua irmã tinha me falado da situação — disse o tio, virando a cabeça para a mãe dos meninos, ele usava uma cartola escura e roupa toda preta. — Então agora está tudo bem com ele né?

— Sim, graças a Deus — respondeu a mãe segurando chapéu de rosas vermelhas sobre a cabeça aonde seus cabelos negros serpenteavam por baixo — Nunca mais deixo ele ir pra guerra de novo.

O tio confirmou.

— Só acho que não deveria ter esperado tanto para levar os meninos.

A mãe deu uma olhadela para o filho.

— Foi ele quem pediu — cochichou para o tio Alberto — coisa de homem — O tio balançou a cabeça confirmando de novo.

Gugu ficou aliviado, chegara a pensar que seu pai podia ter morrido e não queriam lhe contar, mas ele pescou a conversa, seu pai realmente estava vivo. Finalmente iria abraça-lo depois de anos.

Gan estava com os olhos úmidos de... sono? Não. Aquilo era lagrima de tristeza. Nenhum dos adultos reparou, mas Gugu sim. Então viram lá na frente se aproximando, a velha casa do vovô. Continuava abandonada, as folhas das janelas estavam tortas, quase despencando, vidros dos quadradinhos da porta quebrados, e a mata estava crescendo, prestes a engolir a casa.

Gugu prensou os olhos tentando conferir se ainda estava lá o objeto, e pela janela quebrada viu um borro prateado se locomovendo devido movimento da carroça, a medalha ainda estava lá, pregada na sala!

O dono da casa era o avô paterno, que também serviu a guerra e foi morto defendendo o nome da sua terra. A avó, dias depois do enterro, se mudou dali para evitar memorias melancólicas e deixou a medalha pra trás. Não queria lembrar mesmo, mas não tirou da parede em respeito a honra do falecido.

Então a voz da sua mãe se destacou:

— Quem é aquele?

Gugu esticou o pescoço pra ver por cima dos ombros dos adultos, lá longe vinha um cavaleiro solitário galopando entre a poeira. Enquanto se aproximava, tio Alberto identificou primeiro:

— É um mensageiro do exército.

— O que será? — disse a Mãe, apreensiva.

O homem usava a clássica roupa verde escura, e nas costas se via a ponta do mosquete.

Então ele veio em direção a carroça.

— Senhora Ferreira? – disse o mensageiro enquanto o cavalo empinava, pela freada brusca.

— Sim sou eu.

— Mensageiro Carlos — o homem se apresentou — é sobre o sargento Ferreira, seu marido, ele, bem... — deu uma espiada nas crianças.

A mãe reparou e desceu do transporte o chamando para conversar longe de seus filhos. O homem desmontou e conversaram quase sussurrando. Gugu se concentrou pra escutar o que dava.

Enquanto dialogavam, em determinado momento a mãe deixou uma lagrima cair "mas ontem, ele estava até andando!" disse ela alterando a voz. O mensageiro pôs mão no ombro dela "todos ficamos animados..." Gugu não entendeu o resto. Conseguiu captar também ele dizer "melhora pré-morte" e o assunto ficou baixo de novo.

"Melhora pré-morte" Gugu era muito novo para entender, mas sentiu um desanimo ao escutar essa frase. Seus olhos encontraram com o do tio, que parecia um pouco abalado e depois encontrou com os de Gan, que secava as vistas com a camisa branca, como se já estivesse preparado.

O cavaleiro entregou um envelope para a mãe e se foi. Ela ficou um tempo olhando pro nada, no meio do poeirão, o tio a chamou então ela veio e subiu na carroça determinada a não derramar nenhuma lagrima.

Continua...

Pidókka
Enviado por Pidókka em 27/02/2023
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