MECSTAR — O APRENDIZ DE HERÓI • 18

• Capítulo 18 — Ixxy •

Agradeci ao Sr. Cornélio Manda-Chuva pelo guarda-chuva e pela conversa, sentindo-me muito rico com todos aqueles lunares e bolares que recebi de troco.

— Eu que agradeço, jovem Svam Cabeça de Fogueira! Faça bom uso do seu guarda-chuva.

Era um guarda-chuva simples, não muito comprido, não muito largo, mas surpreendentemente pesado. Tinha uma ponta de metal e o cabo era de uma madeira bem resistente e trazia a logo do Sr. Cornélio — um guarda-chuva cujo o cabo formava um C — entalhada em baixo relevo.

— Tenha um ótimo dia e se precisar de um herói de verdade algum dia pode me chamar! — Eu disse, por achar que era a coisa apropriada a ser dita por um herói.

Ele soltou uma boa risada.

— Não acredito que precisemos de heróis aqui em Vila de Solavanco. O que temos de mais perigoso são arruaceiros como você costumava ser...

Enquanto me despedia, tive a sensação de que estava esquecendo alguma coisa importante. Então, Luna latiu, mordeu e puxou minha bermuda.

— O que foi, garota. O que houve? — perguntei e a vi lambendo o próprio pelo e voltando a morder minha roupa. — Sim! É claro!

— Sr. Cornélio, preciso de um traje espacial. O senhor sabe onde consigo encontrar um moderno, estiloso, confortável e digno de um herói?

— Veja bem, meu jovem, as lojas de trajes espaciais na Vila de Solavanco não oferecem os mais modernos nem mais estilosos trajes, como você deve imaginar. A maioria são seminovos e considerados antiquados e imprestáveis em outros lugares mais ordeiros. Temos a inVISTA, que só aceita pagamentos a vista, e a Vista Bem, a primeira é mais cara, porém se você procurar muito talvez encontre alguma velharia de qualidade por lá. A Vista Bem cobrará caro por trajes revitalizados. Não acho que se dará bem em nenhuma das duas, mas já que perguntou...

— Tenho o traje do meu caçula que estudou em Landanar-III e usava como farda de viagem. Ele usou apenas por um ano, mas cresceu tanto nesse período que antes do ano acabar já estava curto nos pulsos e tornozelos e apertado cintura. E isso só faz... deixe-me ver, ele se formou já tem uns três anos... deve fazer uns dez anos, mas está bem conservado pois os conservei bem todos em sacos herméticos...

— Bem, me diga a cor e eu direi se ele será digno de um herói como Mecstar.

Ele pensou um pouco.

— É laranja e branco.

— Acho que vai servir.

Realmente serviu. E era um traje bem bonito, em berrante cor laranja. Um pouco folgado em mim que há muito tempo passava por uma dieta forçada, mas bem confortável. Tinha um cheiro esquisito de algum produto de limpeza que eu não conhecia porque raramente tinha usado qualquer produto de limpeza que fosse. O único defeito era a marca da escola onde deveria ter a minha marca, Mecstar, o grande herói estelar. Mas isso eu resolveria mais tarde.

Agradeci muito ao Sr. Cornélio e acabei comprando uma mochila de viagem para levar meu traje, minha Zitara e todos os demais apetrechos heroicos que fosse adquirir na jornada. Voltei o mais rápido que pude para o local onde estava a nave de Bongo. Mas, ao chegar no local, tive aquela que foi a maior decepção da minha vida, meus amigos. A nave não estava lá — Bongo partira em busca da Bola de Gude Carambola sem mim.

Joguei-me ao chão e fiquei sentado, de cabeça baixa, pensando no que poderia fazer.

Estava repleto de frustração e com medo de que no fim das contas, toda aquela história de heroísmo e destino não significassem nada no final. Enxergara em Bongo, o Gordo, a oportunidade tão esperada de mudar a minha vida. Tinha chegado a realmente pensar que o destino colocara aquela ridícula nave abóbora para destruir minha casa e matar os suricatos albinos com o objetivo de que eu pudesse encontrar Bongo e então me tornar o herói mais importante das galáxias.

Mas esses pensamentos logo passaram para darem lugar a um pensamento e um sentimento mais profundo. Inicialmente, pensei estar sentindo medo, mas logo percebi que era algo mais profundo: uma aflição gelada com relação ao que Bongo poderia fazer com a Bola de Gude Carambola. Esse sentimento não tinha a ver com minha aspiração a herói ou com a fama, mas sim com as consequências para o universo caso o mal mencionado pelo Sábio das Bolhas de Sabão fosse liberado novamente.

No entanto, fui interrompido por Luna, que latia para um beco próximo. Ao me virar, notei que três Cruzadores Terranos se aproximavam rapidamente de mim. Antes que eu pudesse reagir, dois brutamontes saltaram de seus cruzadores e me atacaram.

— Parado aí, rapazinho, temos algumas perguntas para você.

— Calma aí, vocês pegaram o homem errado, tenho certeza disso. Eu sou o herói, não o vilão.

— Você estava com o sujeito da nave abóbora, não estava? Vi vocês dois juntos bem aqui. — disse uma voz feminina.

Um jovem saíra do beco para o qual Luna estava latindo. Ela tinha um estranho chapéu colorido com guizos na cabeça, vestia um traje lilás e roxo. Tinha pele levemente azulada e três olhos vermelhos. Ao seu lado havia um grande gato de felpudo pelo rajado escuro com padrões em losangos e olhos amarelos intensos que pareciam enxergar a minha alma.

— Sim, mas... — Eu queria defender Bongo, mas não tive forças ao pensar no que ele me fez ao partir sem mim.

A moça me olhou atentamente, seus olhos piscavam em momentos alternados.

— Eu... sou um herói, sa-sabiam? Meu nome é Mec-mec-mec...

— Ok, senhor herói, então comece parando de gaguejar e explique o que fazia com aquele sujeito. — disse ela.

Desviei meus olhos dela, pois isso estava por algum estranho motivo me incomodando e dificultando a minha sempre tão articulada fala. Observei os dois policiais, que usavam capacetes, bigodes enormes e óculos escuros. Estavam com pistolas laser apontadas para mim, o que não ajudava a me concentrar.

— Do que... do que Bongo está sendo acusado, exatamente? — perguntei, finalmente.

— Temos uma denúncia de um grave crime ambiental supostamente cometido pelo infrator. — Disse o tira de bigode mais chamuscado, e parou para acender um cigarro. — Temos imagens.

— Eu filmei quando aquele desastrado derrubou aquela nave ridícula sobre os últimos suricatos albinos da galáxia. — Disse a moça. — Agora imagine, eu vim de Helaxovs até Bolaranja só para estudar essas raras e intrigantes criaturas, e na minha primeira manhã de observação encontro os suricates albinos MORTOS. Felizmente, eu havia instalado uma câmera na noite anterior para observar seus hábitos noturnos e consegui encontrar o culpado.

— Você filmou a queda de Bongo? — Falei sem pensar.

— Tomem nota, senhores. BONGO! Esse é o nome do assassino. Bongo, hein.

— Posso ver esse vídeo? — Perguntei novamente, intrigado com a história toda.

Ela me mostrou o vídeo no visor da câmera.

Inicialmente, senti vontade de rir, mas consegui me manter sério e disse:

— Está vendo essa casa aqui?

— Esse amontoado de pedras? — Ela perguntou.

— É! Isso mesmo. Era minha casa! Eu sou tão vítima quanto os bichanos lá. — O gato dela me encarou ainda mais sério.

— E então você decidiu virar amigo do assassino que destruiu a sua... casa?

— Eu não sou amigo daquele cara... Só estava viajando com ela para... bem, não posso falar. Assuntos heroicos.

— Você sabe onde ele pode estar agora, Mec-mec-mec? — Disse o policial, jogando o cigarro no chão.

É, meus amigos, eu fui obrigado a mentir, já que não sabia qual era o lado daqueles figurões que, pelos seus trajes, muito provavelmente eram a Polícia do Espaço que o Sábio mencionara. O Sábio suspeitava que estavam lá pela Bola de Gude Carambola, e os suricates mortos com certeza eram apenas uma desculpa para eles encontrarem Bongo. Apenas a garota parecia realmente preocupada com a morte das criaturas albinas.

— Ele foi para os Pântanos de Fédecem. Ficam ao noroeste daqui. Não me perguntem por que ele foi para lá. Disse que tinha uma missão muito importante da qual eu não poderia saber.

Os dois montaram em seus cruzadores terranos.

— Avante! Frizzzz! Gritaram e dispararam na direção que eu lhes disse que Bongo, o Gordo, partira, na certa achando que encontrariam a Bola de Gude Carambola.

Finalmente, desapareceram no horizonte, e por alguns momentos, reinou um silêncio constrangedor.

— Então seu nome é Mec... — a garota disse.

— Mecstar, o maior herói de Bolaranja e futuro maior herói da galáxia inteira.

— Uau. E quem é essa moça aqui?

— É uma growlf, seu nome é Luna. Deveria ter três caudas, a coitada, mas só tem uma. Tal qual eu, deveria ter uma nave para deixar esse lugar de uma vez por todas, mas mais uma vez estou perdido. — Disse e me sentei no chão.

— Meu nome é Ixxy e como já deve saber, sou de Helaxovs. Esse gatão aqui é o Puff. Sinto muito pela sua casa.

— — Obrigado... obrigado mesmo. Na verdade, eu não gostava muito daquela casa. Só queria me tornar um herói, ser admirado pelas pessoas e não ser tratado como um lixo por ser... — Engoli em seco, sentindo um nó na garganta, que sabia que se deixasse passar, acabaria por chorar.

Ixxy respirou fundo.

— Que tal tomar um café?

Olhei para cima e vi os três sóis brilhando intensamente, irradiando todo aquele calor que fazia ali.

— Só se for gelado — respondi, sorrindo.

Ixxy sorriu de volta.

— Ou talvez um sorvete? — sugeriu ela, dando de ombros.

Davyson F Santos
Enviado por Davyson F Santos em 20/02/2023
Código do texto: T7724052
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2023. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.