VIDA E MORTE DE CORINA
Corina despertou naquela manhã de calor escaldante, às 5h52min. Seu olhar foi direto para o relógio. O que a teria despertado tão cedo se ela dormiu tarde na noite passada.
A jovem senhora de cabelos longos e negros e olhos de uma expressividade sem igual, levantou da cama pé por pé, para não acordar o marido, que dormia profundamente. Desceu as escadas de seu sobrado, já preparou seu café e colocou-se em frente à janela a pensar.
Era um misto de apreensão, cansaço e uma sensação de paz. O que teria acontecido com Corina neste sonho que a deixou tão pensativa.
Ela estava em frente à casa de seus pais, com sua irmã e seu cunhado, para ajudar a mãe a entrar. Seu pai estava lá dentro e ambos haviam discutido muito, razão pela qual a mãe saiu de casa naquela manhã. Bateram diversas vezes na porta, mas o pai não atendeu.
Numa visão periférica, Corina viu o pai vindo em direção à porta, de roupão, caminhando lentamente. Ela acredita que era para, finalmente, abrir para que a mãe pudesse entrar e ambos conversarem civilizadamente. Mas, como isso era algo que não existia entre eles, uma vez que suas brigas eram extremamente violentas e a civilidade não habitava aquele lar, provavelmente não era isso que aconteceria.
Digo visão periférica, pois quando a figura do pai apareceu, Corina já não estava mais olhando em direção à casa. Outra coisa lhe chamou a atenção.
Corina estava olhando em direção ao céu.
Numa primeira espiada ela viu uma pequena esfera brilhante, como se fosse uma estrela. Como era um pouco maior que uma estrela, deu para ver que era uma esfera. Girava muito rápido e brilhava muito. Corina fixou o olhar na esfera e teve aproximadamente sete segundos para tentar raciocinar sobre isso.
Em sete segundos a esfera cresceu e se tornou enorme, brilhosa e girando na velocidade da luz. Ela cresceu, deslocou-se de onde estava e veio em direção à face da Terra.
Quando chegou logo a sua frente, a esfera fez mais um giro magistral e simplesmente caiu, com todo o seu peso e força sobre a Terra.
Corina não teve tempo nem de pensar. Como estava dentro do carro com sua irmã, cunhado e com sua mãe e nenhum deles conseguiu perceber o que estava acontecendo, pegou a mão da irmã, tocou delicadamente nos cabelos da mãe e fechou os olhos.
Dali para frente, muitas são as dúvidas que acometeram Corina.
Será que foi a destruição do mundo?
Será que isso foi um aviso?
Por que será que estas pessoas estavam com ela e não seu marido e seus filhos, com os quais desejaria estar se mundo fosse acabar?
Só sei que Corina sentiu uma paz instantânea, assim que uma onda gigantesca se aproximou e tomou conta de seu corpo, impulsionada pelo impacto poderoso da esfera dourada.
E foi justamente depois desta onda, que Corina acordou, às 5h52min.
Corina pensou sobre tudo isso, com seu café na mão, olhando em direção à janela de sua casa.
Por que nos esforçamos tanto para ter um trabalho melhor, para melhorar nossos relacionamentos em casa e nos outros lugares que frequentamos, mas melhorar financeiramente e poder dar aos nossos filhos uma vida mais digna, se a vida pode terminar em um segundo?
Por que não aproveitamos a vida, ao invés de tanto esforço em vão?
Muitas eram as dúvidas e assim que teve uma brecha em sua mente, e que foi criada quando olhou para baixo e viu seus pés brilharem, pode finalmente entender.
Corina não fazia mais parte do mundo dos vivos.
O que brilhava não era seu corpo físico, mas sua alma.
Num sobressalto Corina derrubou a caneca de café que estava tomando, que se partiu em pequenos pedacinhos, que depois começaram a flutuar em sua frente. Corina podia colocar a mão nos pequenos fragmentos de vidro, que lhe pareciam macios como as nuvens.
Este foi o momento em que ouviu um barulho e pode ver entrar pela porta de sua casa, sua avó materna. Dona Leontina tinha o sorriso mais lindo que os olhos de Corina já viram. Ela estava exatamente igual à última vez em que ela a viu.
Dona Leontina não falava, mas Corina conseguia compreendê-la e sabia que precisava sair dali, pois esta não era mais sua casa. A senhora lhe estendeu a mão e Corina a pegou e ambas saíram da casa juntas. Mais uma vez Corina olhou para seus pés, pois sentiu que eles não tocavam o chão e realmente não estavam tocando. Era como se ambas estivessem voando baixo.
Ela atravessou a rua, sendo puxada pela avó e movimentou-se cerca de mais uns duzentos metros. Este foi o momento em que sentiu um medo gigantesco que a deixou extremamente perturbada. Apesar do medo, Corina teve uma necessidade enorme de olhar para trás. Onde estariam seu marido e seus filhos?
Quando olhou para trás, viu o exato instante em que o marido, com o telefone nas mãos, estava recebendo a notícia de seu falecimento.
Em prantos ele ajoelhou no chão e deu um grito estridente, que ecoou por todo o local. Ele gritou o nome de Corina.
Apavorada com a cena, Corina voltou o olhar para a avó, que agora tinha os olhos marejados e ao mesmo tempo comovidos com o fato de a neta ter visto o que viu, e abraçou Dona Leontina, agora soluçando de tristeza.
Com muito carinho e cuidado, Dona Leontina pegou o rosto de Corina com as duas mãos, uma de cada lado, e com um simples gesto, fechou seus olhos.
Aos abrir os olhos novamente, Corina não estava mais em frente a sua casa, mas num lindo jardim de flores, com muitas crianças brincando, pulando e sorrindo.
Já neste outro lugar, o coração de Corina se acalmou e ela trouxe à memória tudo aquilo que sabia sobre a vida após a morte.
Por muito tempo Corina acreditou que tínhamos muitas vidas para viver, mas mudou sua maneira de pensar quando começou a estudar aquilo que dizia na Bíblia Sagrada. E agora sabia que estava no Reino de Deus.
Mas somente isso não bastava para ela, pois agora ela também se deu conta, de que havia deixado seus filhos.
Onde eles estariam e o que estariam pensando a respeito do que aconteceu com a mãe.
Como que num passe de mágica, Dona Leontina fez surgir em frente ao rosto de Corina, como se fosse uma tela de cinema. Um grande painel branco. Mas este painel era um pouco transparente, pois Corina conseguia ver também através dele.
Em mais um passe de mágica, pois é somente esta a maneira de descrever o que aconteceu nos últimos quinze minutos talvez, Dona Leontina colocou na tela imagens da casa de Corina.
Corina viu os filhos já grandes, muito maiores do que se recordava de ter visto da última vez, o que lhe fez perceber, que os quinze minutos que passaram para ela, talvez tenham sido anos para quem ainda vivia atrelado ao corpo físico, que era o caso de seus filhos.
Assim como ela viu aquelas imagens, de seus filhos à mesa, fazendo uma refeição, também viu eles pequenos, ainda menores do que os havia deixado e pode ver que em determinados momentos ela estava junto. Era como se fossem muitas telas pequenas em uma tela grande, com diversas cenas, de momentos diferentes, ali, ao alcance de seus olhos.
Um forte sentimento de Gratidão invadiu o coração de Corina, que pode se dar conta de que viveu momentos tão lindos em companhia de seus filhos.
Bem no cantinho superior esquerdo, quase que de maneira imperceptível, viu seu marido.
Ele estava parado, em frente à janela da casa que um dia foi deles. Ele carregava uma caneca de café. Corina percebeu que ele estava na exata posição em que ela estava, no último momento em que esteve naquela casa. O olhar dele estava distante, parecendo estar pensando em algo bom. Talvez momentos em que ambos passaram juntos. Talvez um abraço, talvez um passeio.
Corina se deu conta do quanto foi feliz ao lado daquele homem e do quanto já sentia a sua falta.
Este é um conto sobre Gratidão. Sobre a importância que a Gratidão tem em nossas vidas.
A vida pode acabar em um segundo. Nada dela levamos, apenas as memórias dos momentos em que estivemos ao lado daqueles que amamos.
Assim como Corina, em sua breve vida teve momentos lindos e se deu conta disso, mesmo que tardiamente, todos nós podemos vivenciamos todos os dias esses momentos.
Este é um convite meu, para que vocês que se interessaram por este conto, comecem a agradecer por tudo o que possuem no presente. E não é que não possamos melhorar e sermos mais prósperos, em todas as áreas de nossas vidas, mas é sobre, no agora, agradecer pelo que já temos. Pelo sol que nasce e nos aquece, pelos momentos em que podemos abraças aqueles que amamos. Pelas palavras que ouvimos e que também dizemos aos outros e que lhes trazem alívio. Pela chuva que cai e molha nossos alimentos. Pelas alegrias e tristezas, pois a tristeza também faz crescer.
Não é um conto sobre vida e morte, pois isso só saberemos ao certo quando a situação vivida por Corina acontecer conosco, mas um conto de Gratidão.
Não é sobre o futuro, que não é nosso, mas sobre o agora que nos pertence.