O DILEMA DA ALFAZEMA
Sem entender bem o que estava acontecendo, me dei conta de que já estava misturada a outros compostos e percebi o quanto sou vulnerável.
No início foi um desafio, pois o álcool me atrapalhou um pouco. Em seguida consegui me acostumar a ficar mais tempo exalando meu aroma original. Entendi que o álcool ajuda a manter a minha essência e só por isso eu já gostei.
Realmente sou um pouco difícil, eu sei, mas também sou resistente, então, para mim não foi um drama.
A parte mais incrível foi o local para onde eu fui.
Quando me dei conta, me emaranhava em tufos de cabelos e em nucas, não sempre cheirosas e isso foi complicado.
Aquela mulher que conheci em determinado momento de minha vida foi o que há de mais incrível. Como ela me transformou e me deixava dentro de seu armário com um vidro, eu pude acompanhar a sua vida bem de perto.
Todo santo dia ela me colocava em todas as partes de seu corpo e saía comigo rua a fora. Ela transitava nos mais diversos lugares, nem sempre muito agradáveis, mas deixava um rastro por onde passava e tudo por conta da minha presença.
Pelos ônibus da cidade e pelas escolas públicas que frequentava, levava consigo a minha essência e, cada vez que alguém a elogiava, ela fazia questão de mencionar meu nome e isso foi me deixando cada vez mais orgulhosa de mim mesma, e confesso, eu estava me transformando em alguém muito vaidosa por conta disso.
Sempre fui extremamente resistente ao clima seco e talvez por isso eu não gostasse tanto de água. E por essa razão, quem colocasse muita água sobre mim, quase acabava com minha vida. Graças a Deus, ao se dar conta, logo suspendia a “molhaçada” e eu conseguia me recuperar.
Esta mulher me transformou. Passei a ser o centro das atenções e eu gostei disso. Ela me tirou dos jardins e me colocou primeiro em um frasco e depois em seu pescoço.
Pena que, tudo o que é bom dura pouco. Assim que ela levou minha última gota com ela, procurei aproveitar aquele dia intensamente, como as borboletas o fazem. Passei por todos os lugares, fui elogiada e inalada. Fui acariciada e certamente serei recordada.
Serei eternamente grata àquela mulher.
ROBERTA PIMENTEL