MECSTAR — O APRENDIZ DE HERÓI • 14

• Capítulo 14 — O Sábio das Bolhas de Sabão •

— Boa tarde seu sábio, há quanto tempo! — Falei, enquanto me aproximava. — Tá lembrado de mim?

— Claro que sim! Não é o jovem faminto de comida e quase ao ponto de inanição de conhecimento? — Sua voz era um sussurro. Havia algo em seu rosto que a princípio não consegui decifrar o que era... até notar que seus mascotes não estavam por perto. Havia uma profunda tristeza na cara velha dele.

— Bom que você lembra. Agora estou numa missão realmente importante e... — comecei falando.

— O que o senhor sabe sobre as bolas de gude carambolas? — Bongo intrometeu-se.

— Alguma coisa que poderia ser útil... mas pouco ou nada disso mais importa... meus amigos se foram por causa daquela que um dia carreguei...

— Você tinha uma bola de gude carambola? — perguntei.

— Sim, a trouxe comigo quando vim para cá, há mais de sessenta anos. E agora meus amigos se foram por um idiota numa nave em forma de cebola...

— O Re-Claw Mão! — Eu e o Bongo falamos ao mesmo.

— Não sei! Não sei o nome daquela coisa... quando disse que não falaria nada do que ele queria, pois um artefato deste nunca poderia cair em mãos erradas, ele atirou nos meus amigos e eu estaria morto também não fosse uma nave da Polícia do Espaço...

— A Polícia Espacial está aqui? — Bongo gritou. — Então a situação é mais séria do que eu pensava.

— Calma aí — falei — o que exatamente isso quer dizer?

— Ele fugiu na hora... Mas mais cedo ou mais tarde virá atrás dela, não tenho dúvidas. — Disse o sábio, me ignorando por completo.

— Ela está com você? — Perguntou Bongo a ele, visivelmente ansioso.

— Não, é claro que não! — O velho homem gritou — O que pensa que eu sou? Sou conhecido por ser um sábio, meu filho, não um imbecil!

— Escute... — Bongo parecia prestes a ter um ataque do coração — Eu não sou apenas um membro da Ordem Galáctica, sou um membro oficial da... da Aço e Fogo.

Nesse momento, meus honrados amigos, a minha paciência esgotou.

— Dá pra vocês se lembrarem de que eu também estou aqui? — Falei, podo-me entre um e o outro — Aliás, Bongo, lembre-se que eu estou nessa até o pescoço! Fui eu quem conseguiu a primeira bola de gude carambola, para começo de conversa! E fui eu quem o trouxe até este velho que pensa que sabe tudo. Então vamos começar a falar direito! O que é Aço e Fogo? Você nunca me falou isso caro, e eu pensando que éramos amigos...

— Ah, Mectá, agora a culpa é minha por você não saber a diferença do norte para o sul? — Falou a lesma do Bongo. — Por acaso temos que interromper a conversa para explicar cada mísera informação que qualquer ser com meio neurônio já teria a OBRIGAÇÃO de saber? Pelas luas de Sabacutaia!

— Calma, calma, jovens. Não vamos nos apressar, a vida é longa e o aprendizado não tem fim. — Disse o sábio. — Vamos relaxar um pouco, pois precisamos, eu principalmente, agora que meus amigos. Onde estão seus sopradores de bolhas de sabão? Vamos soprar um pouco. Vamos contemplar a beleza, a fragilidade e a brevidade da vida por uns momentos. Depois continuamos essa conversa.

— Me espanta que você esteja com essa paciência toda. — Disse Bongo, visivelmente contento um grito. — Está na cara que o Re-Claw não o deixará em paz. Com certeza não descansará enquanto não puser as mãos nessa bola...

— Que não está comigo.

— E onde está?! — Bongo mal podia se conter.

— Pode ser que eu fale para vocês, pode ser que não, mas veremos isso depois de algumas bolhas lançadas no ar.

— Não vai dá. — Falei — nossas baterias acabaram.

— Ora, mais vejam só! — O sábio agora parecia menos abatido, embora nem de longe trouxesse sua expressão despreocupada do nosso último encontro. — Onde esse universo vai parar? Resumir a arte milenar do sopro de bolhas em um simples apertar de um botão! Não percam seu tempo apertando isso, vamos soprar umas bolhas de verdade!

E foi assim que acabamos usando os sopra-bolhas tradicionais do sábio. E gastamos uma boa uma hora soprando-as sobre um pequeno pedaço de rocha em frente à nave em forma de abóbora de Bongo, enquanto Luna perambulava tímida, perseguia algumas bolhas, e voltava para perto de mim.

— Por que você faz isso? — Fiz a pergunta inevitável assim que nos sentamos.

— Ora, Svam, comece fazendo esta pergunta e jamais irá parar. O que não significa que não exista resposta, é claro, ou respostas. Se tem uma coisa que aprendi nas minhas viagens que vale a pena ser dita é: existem respostas para tudo. Calma, não estou dizendo que você, não, muito menos você, será capaz de encontrar todas as respostas, mas o fato é que elas estão lá. O universo não se ergue sobre um vazio de sentido e questões, se erguer em bases sólidas e profundas. Alguns cavam mais fundo, alguns voam mais alto, outros vão mais longe horizontalmente... vagam nas superfícies. Então, se quer saber se existe um motivo para eu, e tantos outros amantes das bolas de sabão antes de mim também o fazerem, saiba que ele existe. Sei um pouco dele: me sinto melhor quando o faço, é uma das maneiras de se meditar, se prefere assim. Gosto de ver a beleza subindo, ou descendo, sempre numa direção imprevisível, para logo desaparecer, me parece uma metáfora perfeita para a vida.

— A mim parece só uma maneira de não fazer nada. — Falei.

— Uma maneira de parecer idiota. — Completou Bongo.

Mas ouvimos pacientes as lições de como soprar, dos diferentes tipos de bolhas alcançados através de cada tipo de específico de sopro, e contemplamos os voos aleatórios que elas faziam.

Não sei se consegui captar todo o sentido daquilo que ele chamava de metáfora na época. Mas, depois de todos os infortúnios que tinha passado sem nenhum descanso, o relaxamento proporcionado foi muito bem vindo.

Finalmente, o sábio disse:

— E então, jovem Svam, trouxe o que lhe pedi?

Por um momento eu não fazia ideia do que ele estava falando, então me lembrei da marmita improvisada que roubara da nave do Bongo, e daquilo que ele me falara no último encontro: “da próxima vez me traga algo para comer”.

— Claro... é torta de amoras... só isso mesmo, eu não ouvi o resto — Entreguei para o Sábio das Bolhas de Sabão a marmita com a torta.

Ele dividiu a torta em quatro pedaços iguais e compartilhou comigo, Bongo e Luna. A torta estava ainda mais gostosa que antes. Tinha gosto de aventura, de esperança, de não saber o que vai acontecer, desconfiar que é algo ruim, mas ainda assim conservar a esperança por saber que independentemente do que acontecesse comigo ou com qualquer um de nós, no fim, ia ficar tudo bem. Acho que tinha gosto de heroísmo.

Davyson F Santos
Enviado por Davyson F Santos em 23/11/2022
Código do texto: T7656442
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