Asfixia
O grande espetáculo circense retornara à cidade. Propagandas, público, picadeiro, palhaços, performances, um convite à diversão.
Havia trapezistas e acrobatas. O cospe-fogo e o engolidor de espadas. Os motoqueiros voadores e os malabares. Os ilusionistas e por fim, a alegria dos palhaços.
A meia-luz no silêncio da plateia contrapõe aos mastigares frenéticos das pipocas. Bexigas neons infantis às fotos sem cores para recordações... No palco, a última apresentação da noite, os palhaços corriam, gesticulavam, caíam, berravam... um deles se atirou sobre a pirâmide humana de anões que saíram rolando pelo picadeiro e alguns se levantavam desajeitados, mas irradiantes. Porém, um daqueles artistas permaneceu ao chão em espasmos... tudo parecia fazer parte do espetáculo. Os colegas anões se agitaram, pulavam e se trombavam. Um tentou esboçar falar algo, mas foi contido pelos risos e aplausos em transe da plateia. As luzes logo se apagaram, as cortinas se fecharam e o fim. Muitos achavam que havia sido o esplendor. Para outros o show deveria continuar no dia seguinte, mas para um, o pequenino palhaço, seria sua última apresentação. A forte contração muscular respiratória, a coloração arroxeada, a asfixia da epilepsia foi letal. A língua bloqueou a glote e, naquele palco de vida, ouviu-se o grito da morte.
Não houve luto, circo não é lugar para despedidas ou tristeza, mas sim de alegria, arte milenar dos palcos das ruas, das tendas, do improviso, da teatralidade cômica, da magia, do show dos risos e da fantasia.
- "Respeitável público, apresento-lhes o maior espetáculo da Terra!"