UMA SENHORA CHAMADA FOME
Essa é uma história que fala sobre uma senhora de nome Fome. Um dia ao me visitar, sem escolher dia ou hora, bate à minha porta e me questiona se pode entrar.
__Minha cara senhora! O que posso lhe ofertar? Entre e assente-se; se for do seu agrado, podeis ficar!
Sua face encovada, débil era o seu andar. Porém seus olhos brilhavam negros, como se estivessem a me sondar.
__Tu sabes quem eu sou? Por que permites a minha entrada?
__Tu és a Fome, minha senhora, a conheço de longa data!
__Não tens medo, haja vista quem sou?
__Por que medo teria, se já conheço tal temor?
Desde cedo a tenho visto por onde passo, vivenciei nações sucumbirem por influência de sua desgraça.
Homens se transformarem em bestas por não terem o pão, mães abandonarem suas crias por não terem opções.
Guerras, mortes, destruições, pestes, o desespero de bom grado vos segue!
__E ainda assim não me temes? Sabeis de tudo que posso e ainda assim estás sereno?
__Por conhecerdes tão bem, vivo uma sina também. E assim como o desespero segue os seus passos, também eu o faço!
Pelos campos que tu devastas, sou eu quem semeia o alento, sou eu quem conforta aqueles abatidos pelo sofrimento, sou aquele que consola e fala aos ouvidos dos alquebrados e sofridos." Resista, não se entregue, não desista! "
__E o que ganhas? Sabeis que sempre estarei a sua frente a propagar a penúria, a miséria e o sofrimento. Por quê me segues, sabendo o que há de encontrar? Os desígnios a mim atribuídos ninguém pode mudar.
__Sim. Bem sei que assim será, pois é de vossa natureza esse mal propagar. Mas coube a mim também uma missão, infundir no coração do homem a esperança sem ilusão .
Incutir na humanidade a certeza que, por mais difícil que seja o momento, existe um motivo para não se deixar abater diante do sofrimento.
__Mas por que tens tanto afinco colocado nesta missão? Acaso pensar sobrepujar a Fome, também não é uma ilusão?
__Não sou eu, aquela a alimentar a ruína no coração dos homens, ao fazê-los dentre tanto mal, a cobiça experimentar?
__Sim, a cobiça sempre será uma das ruínas a tocar o coração dos homens, turvando julgamentos, corrompendo os valores, porém ainda que tocados pelo mal, mesmo quando tudo o mais falhar, ainda restará a certeza que chegado o momento onde todos creem ser o fim, serei eu, a Esperança, a estender o alento a que se apegar.
__Mas de que vale o alento, quando tudo o mais, já perdido foi? O que esperar, além da certeza de que nada será igual depois?
__O antes, o qual ao passado pertence, vinculado ao depois, futuro se faz presente.
__O que queres dizer com isso? Confundir-me e turvar-me o juízo?
__Digo com isso, que é escolha do próprio homem, permanecer caído ou se levantar. Apenas mostro as opções, cabendo aos mesmos, se levantarem ou não. Muitos, derrotados estavam antes mesmo da luta iniciar, mas existem aqueles que nem a derrota consegue alquebrar.
__A esses, o sopro de esperança é como um bálsamo a refrescar a alma. Demostra que ainda há pelo o que lutar, viver, que simplesmente desistir não é uma opção a se ter.
__Tu falas apaixonadamente como se ausente, enfim, estivesse o sofrimento ao insistir em continuar! Nada separa o sofrimento, as incertezas, as tristezas, os medos no coração do homem e nada consegue isso mudar!
__De que valeria privar os homens dessas mazelas?
Todas as superações não são motivadas justamente por elas?
__Então, queres demonstrar com esses argumentos, que mesmo eu, de algum modo, estou a servir a esse propósito?
__Sim, minha Senhora! Todos temos uma missão a seguir. Qual o valor em viver sem servir?
De que valeria a esperança de que a desgraça se transforme em alegria, de que o medo se torne coragem, se tudo não tivesse uma serventia?
Por um momento não entendi o sorriso que aquela senhora deixou transparecer. Ela se levanta e pergunta:
__Quando voltaremos a nos ver?
__Basta-lhe olhar para trás, em todos os caminhos que trilhares, tu me verás.
Fim.