ALVORADA (tempo presente)
ALVORADA (tempo presente)
“E do oposto lado, ouvir-se-á o trote de um cavalo
A caminho da esperança, a luz enfim alcança” –
Primeiro Livro das Profecias – Cap. 1:1
A noite mais longa do último ciclo parecia interminável. Os raios de luz do norte ainda não haviam chegado e o Reino das Esmeraldas permanecia envolto em trevas. As sentinelas, sempre em alerta, não conseguiam vislumbrar nada além da escuridão total. Os resquícios de luz vindos das tochas que circundavam as muralhas se assemelhavam a vagalumes ao redor de um enorme túmulo. Era um reino frio e soturno.
No castelo, a pequena Aurora lançava mais uma vez um olhar de esperança em direção ao norte. Os vidros embaçados da janela não eram capazes de tirar o foco da pequenina. Aguardava ansiosamente pela luz. Como tudo estava escuro, o brilho das esmeraldas era suficiente apenas para iluminar pequenos cômodos. Não haveria mais brilho por muito tempo. Até mesmo as esmeraldas do castelo já haviam consumido toda luz armazenada das águas de Polarus. Todos os moradores haviam recebido a ordem de não usarem suas nofeks se não fosse por extrema necessidade.
A colheita das frutas e cereais estava cada vez mais escassa e muitos começaram a adoecer de fome. O rei Al-xe e a rainha La-ir, compreendendo toda a situação, haviam decidido buscar ajuda em outros reinos, ainda que significasse um perigo para todo o reino. Havia mais de cinco ciclos sem luz e era urgente que algo fosse feito.
Três batalhões de soldados muito bem treinados e experientes em guerra compuseram a comitiva do rei. Estavam equipados com espadas, adagas e escudos feitos de uma esmeralda tão rígida quanto diamante. O rei e a rainha, inexpressivos e pensativos, só puderam dar um abraço tão tremeluzente quanto as tochas que os soldados seguravam. Sentiam que naquele instante seria a última despedida. Deixariam sua herança, seu legado e toda esperança nas pequenas mãos de sua filha. Com um adeus taciturno, Al-xe e La-ir se despediram de Aurora que chorava sem parar.
Todo o reino compartilhava daquela dor. Uma falta que afetou a todos. Uma lacuna que foi preenchida com frio e trevas. A esperança de um regresso se mesclou com o fim do último ciclo. A luz do sol nunca havia sido tão aguardada. Para alguns, era um erro esperar. Para outros, poderiam esperar pelo fim. Para a princesa, sua perseverança era insólita: esperava que seus pais voltassem.
A lembranças do choro, do adeus e da perda iminente se misturaram com a repentina luz que se acendeu ao longe. Era do sul. Justamente onde a última luz se apagou. Aurora ficou confusa e antes que seu raciocínio levantasse hipóteses sobre tudo aquilo, percebeu que aquele brilho estava se intensificando. Com um salto da poltrona, calçou apressadamente as botas e desceu rapidamente as escadas caracóis.
As sentinelas que deveriam estar cuidado da entrada do castelo contemplavam boquiabertas a crescente luz que tinha acabado de nascer. Mal notaram que a princesa se dirigia para a entrada da muralha. A luminosidade já era capaz de se sobrepor ao fraco brilho das esmeraldas. As casas que antes estavam fechadas e enlutadas, agora estavam escancaradas e as janelas observavam a inusitada luz que aquecia todo o reino.
Com um enorme estrondo as portas da muralha se abriram violentamente e revelaram uma luz multicolorida. A variedade de tons também emanava calor. Não uma quentura igual à do fogo, mas um fervor que conseguia derreter a desilusão e varrer a desesperança. A alma de Aurora se inundou de uma paz inexplicável. Com os olhos quase cerrados, reprimidos pela claridade, notou a silhueta de um animal. Toda a luz vinha daquele ser que caminhava lentamente na direção da princesa.