O CAÇADOR DE ESTRELAS

Deitados sobre a relva, pai e filho observavam o céu tropical. Era uma daquelas noites plácidas e clara, embora sem lua, e sem nuvens. Havia uma imensa cortina de estrelas, que eram não mais que pulsantes pontos luminosos de tamanhos diversos contra o fundo escuro do firmamento. As constelações estando todas bem visíveis constituíam um belíssimo espetáculo e o menino fitava o céu maravilhado, enquanto seu pai calado deixava a mente vagar sem pensamentos definidos. Quietude, contemplação, profunda paz e um agradável silêncio, que por vezes era quebrado pelo farfalhar das folhas das árvores sob brisa suave ou pelo som emitido pelas aves ou pequenos animais noturnos.

- Olha pai! Uma estrela caindo, vamos pegar?

O pai rindo da ingenuidade da criança e pretendendo levar aquele devaneio um pouco mais adiante disse:

- É filho, essa deve ter caído aqui bem perto. Se formos correndo procurá-la ainda poderemos encontrá-la luzindo no chão. Você quer ir até lá?

Ouvindo isso a criança disparou na direção onde pensava ter visto a estrela caindo. O pai levantou e ficou observando o menino que se afastava correndo. Como são facilmente iludidas as crianças, perseguem fantasias como essas fossem reais, pensou ele, enquanto olhava para o filho que se afastava correndo. Como o menino já ia sumindo do seu campo de visão o homem começou a gritar:

- Pare meu filho! Volte aqui meu filho! Não há nenhuma estrela no chão. Eu só estava brincando com você. As estrelas não caem do firmamento. O que vimos foi um meteorito...

Mas o menino prosseguia. Os gritos do pai pareciam dar mais energia ao menino que continuava a sua desabalada carreira e olhando para trás, chamava:

- Vamos pai! Corre rápido! Vamos pegar a estrelinha que caiu logo ali. Quem sabe ela ainda está brilhando no chão. Vamos...

E em disparada o menino ia afundando na escuridão da mata onde pensava ter caído a estrela. O pai, vendo que o menino não atendia aos seus chamados, levantou e também começou a correr gritando desesperadamente por seu filho que não ouvia os seus rogos pois buscava a sua estrela. Jamais lhe passara pela cabeça que seu filho pudesse ter aquela reação. Ele que sempre fora um menino tímido, que não era capaz de enfrentar o escuro sozinho, agora se aventurava afoitamente mata a dentro em busca da sua estrela cadente.

- Para filho! Espera por mim! Volta aqui por favor! Eu estava apenas brincando. Eu menti sobre a estrela.Volta filho!

E gritando a plenos pulmões corria o mais rápido que podia. Corria praticamente às cegas pois não já não estava mais vendo o menino e tampouco o caminho. Orientava-se apenas pelos gritos da criança que lhe chegavam aos ouvidos..

- Aqui Pai! Corra pai! Foi por aqui que ela caiu. Já estamos chegando bem perto...

Galhos secos estalavam sob os seus pés enquanto ele corria para tentar encontrar o filho que buscava uma estrela cadente inexistente. Tudo por sua culpa e parecia que quanto mais aumentava a sua velocidade mais se distanciava do menino cujos gritos enchiam a mata naquela noite. Começou então a apresentar os primeiros sinais de cansaço. A sua respiração estava ofegante e já transpirava por todos os poros.

- Vamos Pai! Rápido Pai!..

Naquele momento, o seu único desejo era alcançar a criança e contar a verdade. Lembrou do rio. Sim, um pouco mais adiante havia um rio profundo e sendo noite certamente que o garoto não se atreveria a atravessá-lo. Lembrou também da montanha. Na montanha ele invariavelmente pararia, pois era praticamente impossível alguém escalar aquela montanha íngreme naquela carreira desenfreada. Sim, na montanha ele alcançaria o menino.

- Volta meu filho! Volta aqui! Por favor...

- Vamos Pai! Vamos rápido pegar a nossa estrela que caiu...

Os gritos iam ficando cada vez mais distante. O suor já encharcara toda a sua roupa. Seus passos eram cada vez mais tardos. Um profundo cansaço lhe abatia todas as forças. Um imenso desespero tomava conta da sua alma. Tinha que alcançar o menino de qualquer jeito para fazê-lo parar mas já não dispunha de condições aeróbicas para tanto. Tinha que alcançar o seu filho para dizer que tudo era brincadeira. Que não existia esse negócio de estrela cadente. Tinha que alcançá-lo antes que ele se machucasse durante a corrida, se perdesse naquela mata escura, ou se afogasse ao cruzar o rio. Estava dominado por um único pensamento: alcançar o menino antes que algum mal lhe acontecesse, mesmo que isso fosse a última coisa que fizesse em vida. Queria desfazer aquela estranha situação. Ao encontrá-lo iria explicar tudo sobre estrelas cadentes, meteoritos e jamais faria outra dessas...

Havia um vento brando. Havia pirilampos. Sob o majestoso céu tropical naquela noite calma havia um menino correndo em busca de uma estrela cadente e um pai desesperado que tentava alcançar o seu filho que buscava uma ilusão.

Transpuseram o rio. Transpuseram a montanha e os gritos do menino cada vez mais distante foram ficando inaudíveis. O pai muito cansado sentou junto a uma árvore e gritou a plenos pulmões pelo filho mas infelizmente não ouviu qualquer resposta aos seus apelos. Seu filho estava perdido. Sim estava perdido e por sua exclusiva culpa. Tudo por causa daquela sua brincadeira inconseqüente sobre a estrela cadente. Cansado e ofegante, já não lhe restavam forças para mais um passo sequer. Bem que poderia ter dito ao menino que aquela estrela estava de mudança, que estava indo para uma nova casa como lhe disseram quando criança. Não sabia de onde viera aquela idéia maluca de dizer ao menino que a estrelinha caíra ali perto e que se fossem rápido poderiam apanhá-la ainda luzindo no chão.

O cansaço agora o dominava completamente. Exausto, cerrou os olhos embaciados por suor e lágrimas e se deixou mergulhar no mais absoluto vazio. Queria sumir. Queria morrer talvez. O que diria à sua esposa sobre o desaparecimento do menino?

- Pai! Pai!

Era a voz do seu filho ou apenas impressão?

- Pai! Pai! (agora a voz parecia bem mais forte, bem mais real, bem mais perto) olhe só o que eu trouxe!

Sentiu um vigoroso calafrio percorrendo o seu corpo. Lentamente, abriu os olhos e viu de pé à sua frente o seu filho. Sim, o seu filho estava ali com o rosto completamente molhado de suor, mas emoldurado por um largo sorriso. Sim, o seu filho estava ali e sustentava nas duas mãos em concha uma linda estrela cadente que ainda luzia.

- Pai! Pai! Acorda, vamos pra casa. Está ficando frio e o senhor já dormiu muito aqui fora...

Os dois, então, saíram caminhando a passos lentos em direção da casa da fazenda que ficava ali próximo conversando sobre a noite e o menino ainda levava nas mãos o bonito pirilampo que apanhara na relva enquanto o seu pai dormia.

- Pai! Onde será que caiu aquela estrela....

(Para Flávia e Marcelo)

Bragança, setembro de 1980.