O canteiro de obras

Na manhã seguinte, Elspeth pegou um táxi e foi visitar Flossie Spargo, às voltas com os trabalhos de revitalização do antigo Distrito Industrial, totalmente destruído num misterioso incêndio, meses antes. Elspeth teve que usar um feitiço de geolocalização para descobrir o paradeiro da endopaisagista no imenso canteiro de obras, onde uma fila de caminhões pesados levavam o entulho recolhido por pás carregadeiras.

- Como me achou? - Indagou surpresa Flossie ao ver Elspeth desembarcar do veículo. A endopaisagista tinha um mapa nas mãos, e estava rodeada de operários de ambos os sexos; vestia-se com botas, calças jeans, camisa xadrez e um capacete branco de construção civil.

Elspeth apenas sorriu.

- Ah, nem precisa dizer... - replicou Flossie, voltando-se para seus subordinados. - Bom pessoal, podem continuar daqui, tenho assuntos oficiais a tratar agora.

Elspeth fez um gesto de aprovação quando o grupo retirou-se e deixou a endopaisagista só.

- Assuntos oficiais, hein?

- Não consigo imaginar outro motivo para você estar aqui - replicou Flossie. E fazendo sinal para um operário de capacete verde:

- Egide! Traga um capacete para a visitante!

O interpelado voltou pouco depois com um capacete branco, um círculo vermelho gravado em cada lateral.

- Normas de segurança; e também é para que todo mundo saiba que você não trabalha aqui - explicou Flossie, colocando ela mesma o capacete na cabeça de Elspeth. - Mas vamos para o meu escritório, sair do sol e da poeira.

Caminharam cerca de 100 metros, em meio à azáfama de veículos circulando e operários construindo estruturas; finalmente, chegaram ao "escritório", uma construção improvisada de madeira compensada e telhas de fibrocimento. Havia ali uma mesa de desenhista, com uma planta do projeto de revitalização, e várias ilustrações técnicas do projeto final em cores desmaiadas, emolduradas nas paredes como quadros. Flossie ofereceu uma cadeira à visitante e sentou-se noutra, após deixar o mapa que trazia sobre uma estante baixa próxima.

- Sou toda ouvidos - disse finalmente.

- Você já está trabalhando nesse projeto faz alguns meses - discorreu Elspeth. - Notou alguma coisa estranha na retirada do entulho?

Flossie reclinou-se na cadeira, olhando brevemente para o teto. Depois, retomou o contato visual com a visitante.

- Os bombeiros fizeram o trabalho de rescaldo, - recordou - e depois, os taumaturgos da defesa civil, para se certificar de que não haveria a possibilidade do fenômeno se repetir. Dito isso, não; se havia um circuito de emergência enterrado aqui, como pressupus, deve ter sido completamente incinerado e nem cinza restou.

Elspeth continuou a encará-la, em tranquila expetativa. Flossie suspirou.

- Oh, está bem; uma catástrofe desse tamanho deixa marcas, mesmo que não sejam materiais. Os taumaturgos da defesa civil também devem ter percebido, têm mais experiência nisso do que eu...

- Suponho que deva ter achado as digitais de alguém, e certamente não deve ter sido dos gnomos - assegurou Elspeth.

- Sim... pelo padrão do incêndio, não tenho a menor dúvida de que o circuito mágico foi instalado pelo próprio Ali Santorno, o paisagista-chefe. Mas Santorno era do povo das fadas, e os taumaturgos provavelmente não iriam querer envolver um dos seus na história, mesmo que tenha morrido há centenas de anos.

- Em circunstâncias misteriosas, aliás - replicou Elspeth. - Parece que ele tinha boas razões para desconfiar do seu próprio povo...

- Então... Santorno sabia que os mestres da cidade iriam tentar alguma coisa no futuro, e se antecipou a eles - concluiu Flossie. - E agora, estamos restabelecendo o pântano de Umbrareia como uma reserva de vida selvagem.

- E o povo das fadas está aceitando isso passivamente? - Questionou Elspeth. - Muito suspeito. Com a revitalização de Umbrareia e a conclusão dos reparos no Parque dos Ciprestes, o status quo dos humanos vai ficar ainda melhor do que antes da época em que o prefeito Lubelha mandou aterrar o pântano.

- Definitivamente, o povo das fadas está escondendo alguma coisa - redarguiu Flossie. - E não parecem de modo algum preocupados que terminemos os trabalhos no prazo acertado.

Elspeth fez um aceno afirmativo.

- Talvez porque acreditem que desta vez podem desfazer tudo no momento em que quiserem... e sem cometer falhas ou serem incriminados, o que é bem pior - ponderou.

- Então, você descobriu o que eles querem - Flossie arqueou as sobrancelhas.

- Ainda não, - admitiu Elspeth - mas acho que sei como pretendem contra-atacar...

E com uma piscadela:

- Continue com o seu trabalho; vou cuidar para que não a importunem.

- [Continua]

- [29-05-2022]