Fauna do fogo

Na tarde daquele mesmo dia, Edna DaCosta recebeu Elspeth e Lucilla em seu confortável gabinete na administração municipal. A conselheira queria ouvir as notícias em primeira mão.

- Sim, a "Pão Nosso" é tudo aquilo que lhe disseram - declarou Elspeth, sentada com a amiga diante da mesa de trabalho de Edna. - Ingredientes de qualidade superior, ambiente acolhedor... e um provável armazenamento infinito além da cozinha, onde instalaram um forno com uma fonte de energia suspeita.

- Imagino que não tenha conseguido determinar do que se tratava - ponderou Edna, que ouvia o relato atentamente.

- Não poderia usar nenhum método investigativo invasivo sem despertar suspeitas, mas como Luci levou o familiar numa mochila, serviu ao menos para nos dar uma ideia do que pode estar escondido no forno da padaria.

Edna voltou-se para Lucilla, que aprumou-se na cadeira.

- Eu senti a presença, mas os sentidos de Ami são muito mais aguçados do que os meus - principiou a dizer.

- Luci é uma congênita - informou Elspeth, sem entrar em detalhes.

- Que bom - redarguiu a conselheira em tom neutro.

- Era uma presença particularmente poderosa, e que a princípio me lembrou o que senti quando Elspeth conjurou Murmud, o Gentil - continuou Lucilla.

- O dragão que nos ajudou a destruir a ameaça ao Parque dos Ciprestes - atalhou Elspeth.

Edna ergueu os sobrolhos.

- Os gnomos estão mantendo um dragão preso no forno? De que tamanho é esse forno?

- Não pode ser um dragão - apressou-se em dizer Lucilla. - Ami me corrigiu quando voltamos para casa; disse que era alguma... criatura do fogo.

- Não uma criatura qualquer; - corrigiu-a Elspeth - talvez, uma salamandra de fogo. Impossível confirmar sem olhar dentro do forno.

- Salamandras de fogo não sobrevivem na temperatura ambiente da superfície - ponderou Edna. - Precisam de lugares extremamente quentes, acima dos 200 ºC... um forno continuamente aceso seria um bom lugar para esconder uma delas. Mas a pergunta é: por quê?

- Não faz nenhum sentido, é fato - replicou Elspeth. - Exceto se a presença dela não for a razão, mas uma decorrência da fonte de energia utilizada pelos gnomos. Onde salamandras são encontradas, na natureza?

- Em torrentes de lava... - recordou Edna, subitamente apercebendo-se das implicações da sua fala. - Energia geotermal... só pode ser isso!

- Cuja utilização é proibida em área urbana - complementou Elspeth. - Se os seus fiscais comprovarem isso, poderá pedir o fechamento da "Nosso Pão"... embora eu, particularmente, vá lamentar a decisão.

A conselheira entrelaçou as mãos sobre a mesa, refletindo sobre o que acabara de ouvir. Finalmente, voltou-se para Elspeth:

- Mas você não disse que estavam usando armazenamento infinito? - Questionou. - Se for confirmado, a fonte de energia estará tecnicamente fora da área urbana... qualquer utilização indevida só causaria danos ao próprio espaço de armazenamento.

- Então, a padaria não vai precisar ser fechada? - Indagou Lucilla esperançosa.

- Eu teria que mandar uma equipe de fiscalização checar a contenção do armazenamento infinito - declarou Edna. - Se ele for declarado seguro, os gnomos poderiam continuar a fabricar o seu pão com energia renovável. Todavia...

E encarou Elspeth antes de prosseguir:

- Talvez seja exatamente isso o que estão esperando que façamos. Não, eu vou precisar de mais informações sobre o que estão escondendo lá, antes de envolver a administração oficialmente. O trabalho de vocês não acabou.

E com isso, deu a reunião por encerrada.

- [Continua]

- [15-05-2022]